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Primeira trans do Movimento Tradicionalista Gaúcho diz que quer ser aceita e respeitada

Gabriella Meindrad Santos de Souza diz ter recebido mensagens negativas após homenagem

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Porto Alegre

Gabriella Meindrad Santos de Souza, 32, é a primeira mulher trans do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) no Rio Grande do Sul. Ela foi homenageada por seu trabalho junto à cultura gaúcha, ainda quando era peão, no começo da década passada.

​Agora, ela foi novamente homenageada pelo movimento tradicionalista. Desta vez, no entanto, como prenda. Após o evento, no entanto, Gabriella diz ter recebido mensagens negativas e discursos de ódio pela internet.

Sou uma mulher trans e usei um vestido de prenda pela primeira vez na minha vida no mês passado. Foi uma ocasião especial. Recebi uma homenagem pela minha atuação de tantos anos junto ao Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Cancela da Fronteira, da minha cidade, São Vicente do Sul, uma cidade bem pequenininha, com população de 8.802 pessoas.

Por anos, como peão, participei de concursos, provas culturais, históricas, esportivas e dei aula de dança típica para dezenas de alunos.

A homenagem da 10ª Região Tradicionalista, na cidade de Mata, celebrou também os 50 anos da Ciranda de Prendas. Fui homenageada pelo meu trabalho como peão especialmente nos anos de 2003 e 2004.

Tenho 32 anos e iniciei minha transição aos 25. Nesse tempo, fiquei afastada. Comecei o envolvimento com o tradicionalismo aos sete anos quando participei do desfile da Semana Farroupilha pela primeira vez. No dia seguinte já estava participando da invernada artística, por influência da minha família.

Receber uma homenagem como prenda foi lindo. Fiquei maravilhada. Era o sonho de uma vida toda. Minha mãe é costureira na cidade, cresci vendo ela fazer os vestidos das prendas da região. No momento que usei o meu, feito por ela, foi inexplicável. Tem uma representatividade muito grande, carrega um sentido de aceitação, respeito e acolhida da família. 

Aos seis anos não me identificava como menino. Não se falava em gênero, em identidade, em transexualidade, na forma que se fala hoje, mais aberta. Não se discutia, não havia discussão. O meio tradicionalista em que cresci é muito binário, com um ideal de identidade masculina definido. 

Gabriella Meindrad homenageada por movimento tradicionalista por atuação cultural ao lado de amigos
Gabriella Meindrad homenageada por movimento tradicionalista por atuação cultural ao lado de amigos - Julian Kettermann/Divulgação

Não é por causa da transexualidade que vou deixar de ser tradicionalista, deixar de admirar uma cultura que sempre fiz questão de difundir. Estou exercendo meu direito ao pertencimento, direito a ocupar espaços até então considerados impossíveis. 

A inclusão tem que ser efetiva e para todos. Ninguém deixa de ser gaúcho por causa do gênero. Quem gosta da cultura tem que poder continuar participando sendo quem é. É um universo tão difícil, tão machista e cheio de preconceitos e dificuldade, mas tem que ser debatido.

O evento foi muito natural. Me chamaram entre as prendas, sem especificar que eu era trans. A polêmica ocorreu depois que o fato foi divulgado. 

Recebi muito discurso de ódio pela internet, mas também muito apoio. O positivo é dar visibilidade para o tema, sendo a primeira. Sou apenas mais uma, mas quantas Gabriellas já existiram? 

Recebi mensagens de mães de transexuais que participaram do movimento por bastante tempo, mas que acabaram se afastando pelo preconceito.

A transexualidade é mais marginalizada. Não é de hoje que gays participam do movimento. Mas como está vestido de peão e passa por peão, o preconceito é menor.

Gabriella Meindrad homenageada por movimento tradicionalista por atuação cultural ao lado de amigos
Gabriella Meindrad homenageada por movimento tradicionalista por atuação cultural ao lado de amigos - Julian Kettermann/Divulgação

Há uns dois anos procurei o MTG (Movimento Tradicionalista Gaúcho) para consultar qual era a posição sobre participação de pessoas trans. Não recebi retorno. 

Tentei de novo e recebi o retorno de que seria aceita, haveria acolhimento. Queria ter um respaldo, mas não imaginava que receberia uma homenagem.

Quando fui contatada, até questionei se não haveria problema. Não quero impor nada ao movimento, mas apenas ser aceita e respeitada. No dia, teve também o concurso e foi questionado sobre como o MTG trata a homofobia. Tudo veio ao encontro. 

Em 2003 participei de um concurso de peão e meu amigo, Alberto, ficou em primeiro lugar e eu, em segundo. Nós dois fomos homenageados. Ele fez uma postagem no dia seguinte, relatando e me parabenizando. Ele escreveu que na época era peão e depois descobriu que tinha uma grande amiga.

A população trans tem uma mortalidade muito grande, expectativa de vida baixa, dificuldade de acesso a direitos sociais, previstos na Constituição, mas que não são garantidos. Tudo isso me levou a fazer a faculdade de direito para dar uma contribuição para a causa.

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