Rixa com Maia expõe dificuldade de Weintraub na relação com a Câmara

Atritos ameaçam planos do MEC para Fundeb e carteira estudantil; demissão no FNDE foi estopim

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Brasília

As críticas do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao ministro Abraham Weintraub (Educação) expõem o agravamento das relações entre o MEC e a Câmara. 

Além dos problemas em série ocorridos com o Enem, o Sisu (Sistema de Seleção Unificada) e o Prouni, a pasta terá de gerenciar uma crise com o Congresso Nacional. 

Em São Paulo nesta quinta-feira (30), Maia disse que Weintaub é um desastre e que “atrapalha o Brasil”. 

“A cada ano que se perde com a ineficiência, com discurso ideológico, com a péssima qualidade na administração, [isso] acaba prejudicando os anos seguintes da nossa sociedade”, afirmou.

O deputado já havia criticado Weintraub na quarta-feira (29) em evento do banco Credit Suisse.

Rodrigo Maia, Presidente da Câmara dos Deputados
Rodrigo Maia, Presidente da Câmara dos Deputados - Mateus Bonomi - 18.dez.2019/Folhapress

“Como faz para um investidor olhar para um ministro da Educação desse?”, questionou. “Nosso país não tem futuro, né? Não tem futuro. Parece um passado ruim, porque conseguiu fazer de um cara desse o ministro da Educação... Que construção que nós tivemos”, afirmou.

Antes das críticas públicas a Weintraub, Maia já havia dito a aliados que o Palácio do Planalto fora avisado para não contar com sua ajuda para nenhum tema que tenha relação com o MEC.

Alguns dos principais projetos anunciados pela pasta no ano passado dependem do Congresso e, na avaliação de parlamentares, devem naufragar. 

Membros da cúpula da Casa afirmam que, enquanto Weintraub permanecer no cargo, as votações de temas de educação seguirão a agenda própria do Legislativo.

O perfil agressivo do ministro, tanto nas redes sociais como nas vezes em que esteve na Câmara e no Senado para esclarecimentos, minaram sua interlocução com congressistas. Parlamentares passaram a dizer que Weintraub é motivo de piada.

Questionado sobre as críticas feitas por Maia e sobre a relação da pasta com o Congresso, o MEC não respondeu à reportagem.

A demissão de Rodrigo Sérgio Dias da presidência do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), em dezembro do ano passado, demoliu as pontes que ainda restavam entre o ministério e o presidente da Câmara.

O órgão, com orçamento de R$ 55 bilhões, é responsável pelos repasses dos recursos federais na área aos estados e municípios.

Isso inclui os programas de alimentação e transporte escolar, o programa de livro didático e a liberação de verbas para construção de creches e compra de equipamentos.

Dias chegara ao cargo de presidente do FNDE por indicação de Maia, com apoio de partidos como o PP e DE. Ele atuava de forma mais alinhada com o Congresso do que com Weintraub e foi exonerado sem nem ao menos ser avisado antes.

A demissão, tomada para manter o poder de Weintraub sobre o orçamento do fundo, foi vista como uma retaliação a líderes partidários, a Maia e ainda ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que também garantia respaldo ao ex-presidente do órgão.

A avaliação de interlocutores de Maia é a de que as declarações desta semana são um recado ao governo Jair Bolsonaro sobre a situação considerada insustentável para negociar com Weintraub.

No ano final de seu mandato à frente da Câmara, Maia tem pressa. Além disso, como o ano legislativo é mais curto, uma vez que no segundo semestre os congressistas se dedicam às eleições municipais, a meta é limpar a pauta o quanto antes para depois avançar com a espinhosa reforma tributária. 

Na área de Weintraub, o primeiro tema sensível é a renovação do Fundeb. O fundo de financiamento da educação básica vence neste ano e há consenso entre parlamentares, governadores e especialistas de que é necessária a aprovação ainda no primeiro semestre.

O Fundeb responde por 40% dos recursos da educação básica. A disputa sobre seu formato deverá ser emblemática. 

Weintraub discordou do texto da Câmara, que passou por intensa discussão em 2019. Ele disse que vai encaminhar uma versão nova da PEC (Proposta de Emenda à Constituição).

Segundo ele, a ideia é que o trâmite comece do zero. Isso exigiria a instalação de nova comissão especial.

A criação de um colegiado depende do aval de Maia, que rejeita a proposta de Weintraub. Ele já sinalizou, por sua vez, a intenção de liquidar o assunto ainda no primeiro trimestre do ano. Esse é o mesmo entendimento dos parlamentares envolvidos com o tema. 

O governo estuda a opção de o próprio Bolsonaro levar ao Congresso uma proposta da gestão, em uma tentativa de dissociar o MEC do tema. A pasta se ausentou dos debates sobre o Fundeb ao longo de 2019.

“A discussão está praticamente concluída, e o presidente da Câmara nos garantiu que votamos no plenário até março”, disse o deputado Bacelar (Pode-BA), que preside a comissão especial responsável pelas discussões sobre o futuro do fundo. 

Segundo ele, atualmente não há nenhum deputado que siga o que diz o ministro. “A permanência dele inviabiliza qualquer conversa com a Câmara.”

De imediato, o primeiro efeito da falta de articulação do MEC com o Congresso deverá ser a derrubada da medida provisória que cria uma carteirinha estudantil.

O projeto foi criado com o intuito de esvaziar entidades do movimento estudantil como a UNE (União Nacional dos Estudantes). 

Congressistas do chamado centrão dizem que o texto nem sequer será votado. Ele perde a validade em fevereiro e não teve até agora comissão criada para analisar a proposta enviada pelo governo em setembro.

Outra medida provisória, que muda a forma de escolha de reitores e reduz a autonomia de universidades e institutos federais de todo o país, também corre o risco de ser deixada de lado. 

As MPs têm força de lei, mas precisam ser aprovadas pelo Congresso em um prazo de até 120 dias.

Uma das bandeiras da gestão Weintraub, o Future-se também vai depender do Congresso. O plano prevê iniciativas de fomento ao financiamento privado nas universidades federais. 

Anunciado no meio do ano passado, ele até agora não chegou ao Congresso. O governo estudava encaminhar as medidas por meio de medida provisória, mas já definiu que será um projeto de lei. 

De acordo com congressistas, Weintraub e auxiliares exageraram na arrogância ao tratar do tema, que não tem apoio das universidades. 

Até parlamentares que poderiam se empenhar nas discussões têm se afastado da proposta motivados pelo perfil do ministro, como indicou o deputado Thiago Mitraud (Novo-MG) na última visita de Weintraub na Câmara, em dezembro passado.

“A sua postura à frente do MEC esta desagradando vários partidos que, em inúmeros momentos, são a favor de projetos do governo, como é o meu caso”, afirmou o parlamentar.

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