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Newton Lima

O projeto Future-se, que prevê financiamento de universidades federais, é adequado? NÃO

Modelo afronta a autonomia e a gestão universitárias

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Newton Lima - Ex-reitor da UFSCar (1992-96), ex-deputado federal pelo PT-SP (2011-14) e ex-presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados (2012)
O ex-reitor da UFSCar e ex-deputado federal Newton Lima (PT-SP) - Divulgação
Newton Lima

O princípio da autonomia universitária nasce junto com a criação da Universidade de Bolonha, em 1088. Até hoje ele permanece intocado nas universidades públicas do mundo livre, justamente por assegurar que elas não podem ser tuteladas por governos, a fim de exercer o pensamento crítico, formar profissionais nas variadas áreas do saber e produzir conhecimento para as sociedades que as financiam.

Os constituintes brasileiros sacramentaram esse princípio na Carta Magna ao estabelecer no artigo 207 que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. 

E tomaram o cuidado de redigir “autonomia de gestão financeira”, e não simplesmente “autonomia financeira”, convictos de que cabe ao Estado financiar as universidades federais (art. 211), como acontece nas suas congêneres mundo afora. Tinham a visão de que aplicar em educação é investimento.

Infelizmente, como se vê, o atual governo acha que educação é gasto. Por isso, a pretexto de “fortalecer a autonomia administrativa e financeira”, formulou o programa “Future-se”, que transfere a governança administrativa, financeira e finalística dos Institutos Federais de Ensino Superior (Ifes) para Organizações Sociais (OSs) selecionadas por ele próprio.

Se o Congresso compactuar com essa inconstitucionalidade, duas consequências deletérias são previsíveis: a desestruturação dos sistemas de educação superior e técnico-profissional federais e a desorganização da governança institucional.

Algumas permanecerão público-estatais, e outras passarão a ser público-privado-governamentais. A que aderir terá que conviver com o conflito de competências entre seu conselho superior e o conselho gestor da OS. Seu reitor estará enfraquecido, assistindo, impotente, ao desmantelamento de carreiras e salários, ao fechamento de cursos desinteressantes ao mercado e ao fim da pesquisa básica —esta já debilitada pelos cortes em curso nos orçamentos do CNPq e de outras agências.

E o que dizer quanto à irrenunciável prerrogativa do exercício do pensamento crítico? Naquelas que aderirem, ai do professor que ousar escrever artigo com dados sobre o desmatamento da Amazônia, por exemplo. Perseguido e sem estabilidade, será substituído por outro, via prestação de serviços.
O chamariz do programa —a criação de um “funding” de R$ 50 bilhões— pode ser implementado sem se afrontar a autonomia universitária, atribuindo a sua gestão às fundações de apoio, como já previsto na Lei dos Fundos Patrimoniais.

No contexto de sua missão social, as universidades públicas são também empreendedoras e realizam inúmeras parcerias com empresas para transferência de tecnologia e inovação. Captam, assim, recursos extraorçamentários para o projeto contratado, os quais não se destinam, por óbvio, ao custeio da instituição.

Para fortalecer os Ifes e sua atuação pró-empreendedora, o governo federal deveria: 1 - recompor seus orçamentos; 2 - cumprir as metas do Plano Nacional de Educação; 3 - regulamentar o que falta do Novo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação; 4 - desburocratizar procedimentos que atravancam projetos de inovação tecnológica com o setor produtivo.

Mas o que pretendem os ministérios da Economia e da Educação com o Future-se é, isto sim, subfinanciar as universidades públicas e colocá-las exclusivamente a serviço dos interesses do mercado e do Palácio do Planalto.

Newton Lima

Ex-reitor da UFSCar (1992-96), ex-deputado federal pelo PT-SP (2011-14) e ex-presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados (2012)

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