A criação da lei de cotas, em 2012, ampliou o acesso à população negra, pobre e indígena às universidades —estudantes que, em muitos casos, são os primeiros de uma família a entrar no ensino superior.
Na mesa de discussão do Seminário Universidade do Futuro, realizado nesta quarta-feira (10) em formato webinar, foi unanimidade que a lei, prevista para ser revisita em 2022, não só deve continuar, como sequer deveria existir uma data para acabar.
“Enquanto não tivermos, na universidade, uma proporção que equivale à proporção desses grupos na população, ela precisa continuar”, defendeu Maria Amalia Andery, reitora da PUC-SP. Ela ressalta que as universidades são instituições criadas pelas elites e ainda compostas, majoritariamente, por um perfil masculino, branco e rico.
Como apontou Luma Nogueira de Andrade, primeira travesti doutora e docente universitária do Brasil, hoje na Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira), há a necessidade de superar o pensamento elitista para dar possibilidade aos que não tiveram o privilégio de nascer em determinadas famílias. Embora a cota seja um avanço para a inclusão, ela não é suficiente por si só. “Precisamos dar incentivos como bolsas para que as pessoas tenham condições de se manter”, defende.
Gersem José dos Santos Luciano, índio Baniwa e professor da Universidade Federal do Amazonas, afirma que a dificuldade da universidade não é só se abrir para segmentos culturais e étnicos diferentes, mas dar espaço para outros conhecimentos, "para epistemologias que não são aquelas fundamentalmente eurocêntricas.”
Dirigente da Universidade Federal do Sul da Bahia e primeira mulher negra eleita reitora no país, Joana Guimarães, acredita que a universidade não pode “repetir o modus operandi do que é feito há séculos e servir à manutenção do status quo”.
“Precisamos não só de pessoas trans, negras, indígenas, mas garantir que a universidade enxergue, aceite e trabalhe esses saberes”, diz Guimarães. A reitora da PUC-SP, Maria Amalia Andery, ressalta que no Brasil, a estrutura curricular ainda é bastante regulada e que a universidade costuma ser resistente a mudanças.
Os debatedores comentaram também a decisão do presidente Jair Bolsonaro de autorizar que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, faça a nomeação de reitores para universidades e institutos federais durante a pandemia do novo coronavírus sem a realização de consulta à comunidade acadêmica. A medida provisória tem efeito imediato, mas perde a validade caso não seja aprovada pelo Poder Legislativo em até 120 dias.
A decisão foi rechaçada por todos os palestrantes. “A universidade precisa de autonomia, não pode servir a esse ou aquele governo. Há tentativas aqui e acolá de influir na universidade, que, na sua essência, tem que ser crítica”, disse Andery.
“Esse movimento vem num momento difícil para o país, nossas universidades estão trabalhando intensamente na questão do combate à Covid-19 e de repente recebem um golpe como esse”, concordou Guimarães Luz.
Sob governo Bolsonaro, o professor indígena compreende que talvez seja mais difícil renovar a lei de cotas, prevista para daqui dois anos. A reitora da PUC é mais otimista, e diz que o antigo preconceito de que o ingresso de cotistas diminuiria a qualidade do ensino se mostrou falso.
“Os estudantes que entram pelos vários processos de cotas ou programas como Prouni têm desempenho igual ou melhor que o estudante que entra pela escolha geral. A experiência é positiva de todos os pontos de vista.”
Os caminhos para a diversidade estão sendo trilhados e é preciso mantê-los e expandi-los para que a diversidade não seja apenas no corpo discente, mas também no corpo docente.
“A universidade é um espaço plural, é onde está a riqueza de conviver com pessoas e saberes diferentes para superar preconceitos. Um corpo travesti, transsexual, um corpo negro e um corpo indígena produzem aprendizados”, afirma Luma Andrade.
O seminário Universidade do Futuro foi patrocinado pela PUC-SP
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