Conviver 24 horas por dia, sete dias por semana, com o parceiro ou parceira não é para fracos. Segundo pesquisa Datafolha sobre os novos hábitos na quarentena, os paulistanos estão encarando bem a tarefa.
A maior parte dos entrevistados que divide a casa com o cônjuge considera que o relacionamento durante a pandemia continuou igual (44%), enquanto para 22% deles a relação até melhorou. Esse número é ainda maior para os casais que têm filhos (26% contra 17% entre aqueles que não têm crianças) e para os paulistanos na faixa de maior renda familiar (30%).
“Talvez as pessoas percebam no pós-pandemia que o amor romântico, calcado em idealizações, é nocivo por não respeitar a individualidade de cada um”, diz a psicanalista Regina Navarro Lins, autora de “Novas Formas de Amar” (Planeta, 272 págs., R$ 39,90).
No período de distanciamento social e convivência forçada, essa é a chave para manter a sanidade e, consequentemente, o casamento.
Para o psiquiatra e psicoterapeuta Otávio Dutra de Toledo, ficar o tempo todo exposto às atividades e necessidades do parceiro ou parceira gera muito desgaste.
“Alguns casais até fizeram tabelinha de horários, quem faz o que em cada período do dia, reservando a noite para conversar. Outros ficam batendo cabeça o dia todo dentro de casa”, diz ele.
Fica difícil quando as expectativas e respostas de cada um à pandemia são opostas. “Às vezes, um tem tanto medo que casa com o álcool em gel e escolhe o cloro como amante, enquanto o outro fica inventando qualquer desculpa para sair e se expor ao contágio. É o pior cenário, pode até descambar para a violência doméstica”, diz Toledo.
A equação entre desejos ou visões opostas é difícil e tem que ser constantemente negociada. “A convivência saudável só é possível quando há total respeito pela individualidade”, afirma a sexóloga.
Para Navarro Lins, é algo difícil de se alcançar no modelo monogâmico de relacionamento. Ela afirma que, antes do isolamento, alguns casais passavam o dia inteiro distantes, cuidando de interesses pessoais, se viam só à noite e pouco conversavam.
Outros tinham um namorado ou namorada fora do casamento com quem se encontravam pelo menos uma vez por semana. “Agora eles não têm mais esse escape”, afirma a psicanalista.
Toledo considera a situação transitória, embora pareça uma eternidade. Para ele, as marcas da pandemia ficarão para trás e o duro será enfrentar a recessão econômica, possivelmente mais duradoura.
Há também as questões de quem não está em um relacionamento estável.
“Morar sozinho, realmente isolado, é viver como um náufrago”, diz Toledo.
Ele observa um aumento do consumo de pornografia e a exacerbação do sexo a distância. Como já vinha acontecendo antes da pandemia, o preconceito contra a masturbação diminuiu.
“As pessoas arrumam práticas sexuais de acordo com suas vontades e necessidades. Talvez, com o fim da quarentena, as pessoas combinem sexo ao vivo e a distância alternadamente”, diz Toledo.
Os aplicativos de relacionamento estão aí para isso mesmo. Assim como em outros setores (a exemplo do trabalho remoto e das compras pela internet), o coronavírus acabou intensificando a tendência do virtual.
O mais importante, segundo a psicanalista Navarro Lins, é desenvolver a capacidade de ficar bem sozinho.
“Assim, a pessoa fica mais preparada para viver experiências amorosas mais gratificantes”, afirma.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.