Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Além do caso de Belo, não há registro de outras prisões em aglomerações no RJ

Segundo defesas, polícia deteve cantor e operador de som, mas não mirou organizadores

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Rio de Janeiro

Era a madrugada de 12 de fevereiro, sexta-feira e primeiro dia de um Carnaval, teoricamente, sem Carnaval. Mas um bloco saía na Baixada Fluminense, jovens lotavam barcos na Baía de Guanabara, uma festa agitava uma boate no Jockey Club e milhares se apinhavam para ver um show de Belo em uma escola no Complexo da Maré.

As três primeiras folias foram paralisadas com dispersão do público, apreensão de equipamentos de som e multas. Já a quarta não sofreu impedimentos naquela noite; no entanto, resultou na prisão preventiva de três pessoas cinco dias depois.

Foram elas Marcelo Vieira (Belo), Celio Caetano e Joaquim Henrique Oliveira, todos já em liberdade. Os dois últimos são apontados pela polícia como sócios da produtora do evento, porém as defesas afirmam que Celio só instalou equipamentos de som, que João Henrique nem trabalha mais no ramo e que os reais organizadores não foram alvo da operação.

Além do caso deles, não há registros de outras detenções especificamente relacionadas a aglomerações durante a pandemia no Rio de Janeiro, segundo diversos órgãos do estado e da capital, que dizem não distinguir esse número, mas ser improvável que ele exista.

Isso porque a chamada “infração de medida sanitária”, delito mais associado ao ato, é um crime de menor potencial ofensivo (com pena máxima inferior a dois anos de detenção). Ou seja, ninguém pode ser preso em flagrante por isso —o que, vale ressaltar, não foi o caso de Belo e dos outros dois.

O Instituto de Segurança Pública (ISP), responsável pelos dados das delegacias fluminenses, levantou 549 infrações de medida sanitária no estado em 2020, contra 4 no ano anterior. Mas o órgão só tem números de detenções em flagrante, que não valem para a infração em questão.

A Polícia Militar também informa que não possui esse balanço, mas que se concentrou na conscientização e dispersão de aglomerações e que, “na grande maioria dessas intervenções, não houve condução às delegacias”.

Os Bombeiros, que fazem ações de fiscalização desde novembro, seguem a mesma linha: falam que não há contagem de encaminhamentos à polícia por aglomerações e que realizaram 804 procedimentos administrativos, entre eles 187 interdições.

Por fim, a Guarda Municipal da capital afirma que no Carnaval houve 29 conduções, nenhuma referente a aglomeração, e diz acreditar que não tenha havido prisões desse tipo durante a pandemia, mas que só um levantamento de cada ocorrência poderia esclarecer. “Os números em caso de aglomeração devem ser muito baixos, se tiver algum”, escreve.

PRISÃO GEROU INDIGNAÇÃO

A Belo, Celio e João Henrique foram imputados outros três crimes mais graves além da infração sanitária, que para a Polícia Civil justificavam a prisão temporária e a apreensão de bens: organização criminosa, usurpação (pela suposta invasão da escola) e “causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”.

“Segundo o inquérito policial, os indiciados invadiram e promoveram a realização de um evento musical, em plena vigência de estado de pandemia, no interior do CIEP [Centro Integrado de Educação Pública], localizado na comunidade do Parque União, complexo da Maré, onde a facção Comando Vermelho atua”, diz a decisão judicial que autorizou a prisão.

A corporação também pediu a prisão do traficante apontado como “dono” da região, Jorge Luiz Barbosa, o Alvarenga, argumentando que um evento ali “somente poderia ocorrer com a autorização do chefe da localidade”. Ele é considerado foragido.

A operação, no entanto, causou indignação aos presos e críticas de outros artistas. A Ordem dos Músicos do Brasil, por exemplo, divulgou uma nota de repúdio afirmando que as prisões “retratam e confirmam a falta de iniciativa de legislação no setor da cultura”.

A polícia sustenta que quem organizou o evento foi a empresa Série Gold, de Celio, mas seu filho e seu advogado rebatem que a marca apenas foi contratada informalmente para disponibilizar o equipamento de som que seria usado em outro palco, antes e depois do show (Belo tem sua própria equipe).

“A Série Gold não tem nada a ver, meu pai é contratado, não contratante. A pessoa liga e a gente pergunta local, data e horário, não pergunta quem vai pagar. Se tu contrata mesas para o salão de festas e depois falam que a festa não vai acontecer, o que o cara da mesa tem a ver com isso?”, critica o DJ Celio Caetano Júnior.

Quanto a João Henrique, o outro suposto sócio, Júnior afirma que ele não trabalhava mais para seu pai havia três anos e sequer estava na festa. Na época, “Rick” só ajudava a atender clientes informalmente, diz, e talvez tenha sido implicado porque seu número de telefone estava nas informações de contato da empresa.

Por outro lado, a operação não mirou a produtora Leleco Produções, gerida por Leonardo Paiva. Segundo os recibos e contrato apresentados pelos advogados de Belo à polícia —que não está assinado—, essa empresa pagou R$ 65 mil pelo show e se comprometeu a arcar com toda a logística, produção e promoção do evento.

“Eu tenho um escritório que cuida de todo o departamento jurídico, muitas vezes nem sei onde vou me apresentar. Não foi diferente de nenhum outro evento”, se defendeu o cantor em entrevista ao blog do Leo Dias, do “Metrópoles”, a qual encerrou aos prantos. “Eu não sabia que ali era uma escola, não sou do Rio, foi a primeira vez que fui”, falou ele, que já passou quatro anos na prisão.

Além dos produtores, as prisões também não incluíram pessoas que gerem uma página chamada “Baile do P.U.” (Parque União) nas redes sociais, que divulga eventos no Ciep Professor Cesar Pernetta ao menos desde 2017. Já se apresentaram ali artistas como Revelação, Ferrugem, Imagina Samba e Rodriguinho, como divulgou Leo Dias.

Agora, a defesa de Celio pretende entrar com uma representação contra a juíza que expediu o mandado de prisão no plantão judicial, Angelica dos Santos Costa —no dia seguinte, 18, outros dois magistrados concederam habeas corpus aos três presos.

“Vou apresentar notícia-crime tanto ao Conselho da Magistratura quanto ao CNJ por abuso de autoridade, porque o próprio Ministério Público indicou que não havia necessidade da prisão no plantão. A segunda juíza depois decidiu que sequer podem utilizar os bens que foram apreendidos”, diz o advogado Walter Neto.

A Folha procurou Leonardo Paiva, da Leleco Produções, mas não teve retorno. Também tentou contatar a página Baile do P.U., mas não conseguiu. A Secretaria Estadual de Educação não respondeu se sabia das festas que aconteciam na escola, informou apenas que a polícia está investigando o caso e que está colaborando.

Questionada sobre por que o cantor, o operador de som e um ex-funcionário foram presos, porém não os organizadores, a Polícia Civil respondeu que “os mandados foram expedidos pela Justiça com base em investigações da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod) e as apurações continuam para esclarecer os fatos e identificar outros possíveis envolvidos”.

Também afirmou que “a operação não foi motivada por uma questão pessoal relacionada ao cantor, mas por se tratar de uma invasão em uma escola pública para um evento, com fins lucrativos, onde salas de aulas foram transformadas em camarotes, houve consumo e venda de drogas, registros de pessoas armadas, entre outras situações criminosas”.

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