Descrição de chapéu Obituário Arnaldo Balloussier Ancora da Luz (1936 - 2023)

Mortes: Adoçou vidas com guloseimas, piadas de tio e até dindim para Jô Soares

Vovô Arnaldo dirigiu Wilson Simonal e produziu o primeiro programa televisivo com Cauby Peixoto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A gema de três ovos, um tanto de açúcar, outro de chocolate em pó e manteiga a perder de vista. As medidas exatas ninguém sabe.

Arnaldo Balloussier Ancora da Luz gostava de fazer mistério sobre sua receita mais famosa, a charlotte, torta à base de biscoito champanhe e um recheio de chocolate de fazer qualquer pessoa em dieta jogar a toalha.

Arnaldo alegrava a vida de toda a família com suas estripulias na cozinha, e bota alegrar nisso: até às crianças servia sua gemada aditivada com uma colher de chá de vinho do Porto.

Arnaldo Balloussier com filhos e esposa
Arnaldo Balloussier Ancora da Luz com filhos e esposa - Arquivo pessoal

Mestre-cuca era uma das tantas habilidades deste engenheiro que, lá pelo fim dos anos 1950, embarcou na novidade que era fazer TV ao vivo. Foi quando trancou a faculdade e aceitou um emprego na Continental.

Adorava contar que emprestou dinheiro para Soares nos estúdios da finada emissora, um punhado de cruzeiros que o humorista novato esqueceu de lhe devolver. Também dirigiu Wilson Simonal e produziu o primeiro programa televisivo com Cauby Peixoto, ídolo absoluto na época. "A gente até brincava que papai era o culpado pela fama dele", diz André, o primogênito dos filhos que teve com Marisa.

Era aluno de engenharia quando a conheceu num baile de formatura no Rio de 1956. Marisa ficou sem graça por achar que seu cabelo estava curtinho demais. Arnaldo achou um charme. Casaram-se quatro anos depois e foram morar em Santa Teresa, onde ele acertava o relógio pelo horário dos bondes, tamanha a pontualidade com que passavam pelas ruas de paralelepípedo do bucólico bairro carioca.

Ali estudaram os quatro filhos, André, Kátia, Marco André e Rodrigo, e ali Arnaldo, um homem sempre empenhado em fazer rir, rendeu anos de gargalhadas para a prole. Disputou uma partida de futebol na escola das crianças. Eram duas equipes só com pais, todos paramentados de uniforme e chuteira. Menos ele, de bermuda e sapato branco.

"O time dele perdeu por 2x1, mas foi ele quem fez o gol. Estava jogando sem os óculos e disse que viu uma coisa passar pela frente dele e meteu o pé. A bola foi rolando devagarinho e entrou. Eu e meus amigos rimos anos disso", lembra André.

O mais gentil dos homens dedicou boa parte da vida a ajudar nos centros espírita e umbandista que frequentava com a mulher. Tinha pavor das sessões no início, mas Marisa o amoleceu.

Virou vovô Arnaldo em 1984, quando nasceu o primeiro dos sete netos, e o "biso" em 2011, ano da primeira de quatro bisnetas. Período bom para aperfeiçoar uma técnica sofisticada ao longo de décadas: a piada de tio.

"Pavê ou pacumê", esse clássico não faltava em nenhum dos banquetes que oferecia, fartos em especialidades como coquetel de camarão. Também gracejava, ao servir a sobremesa, se afinal de contas a guloseima estava sob-mesa ou sobre-mesa. É.

Fascinado por urbanismo, Arnaldo, em todo o Uber que entrava, dizia se chamar Geraldo Pereira da Silva, ou GPS, porque sabia chegar em qualquer lugar do Rio de Janeiro. Isso quando não preferia andar com as próprias pernas, uma paixão que legou à neta que aqui escreve.

Quando Botafogo, seu time, foi campeão carioca em 1957, vencendo o Fluminense por 6x2, ele foi a pé de Santa Teresa até a Lagoa encontrar Marisa, a namorada que já então, ele sempre soube, era a mulher da sua vida. Ficaram juntos por 63 anos, até que ela morreu, em 2019. Ou, conforme a crença deles, decidiu o esperar do lado de lá, louca por um pedaço de charlotte. Pavê ou pacumê?

coluna.obituario@grupofolha.com.br

Veja os anúncios de mortes

Veja os anúncios de missa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.