Descrição de chapéu machismo

No Brasil, coaches pregam 'mulher de valor' e uso do 'capital erótico' de homens

Em cursos de sedução, mentores criticam feminismo e se aproximam do movimento red pill; especialistas alertam para discursos de violência e misoginia

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São Paulo

"Entenda os dez passos para tornar uma mulher obcecada por um homem", "valorize o capital erótico" e "como encontrar um relacionamento de valor" são alguns dos mantras de coaches de sedução brasileiros. A maioria deles trata o feminismo como um mal a ser combatido e recusa o título de coach —seriam mentores ou facilitadores de conexões.

Diferentemente dos americanos do Millionaire Social Circle, que se tornaram alvo de investigação da Polícia Federal por suspeita de exploração sexual e cobram até US$ 60 mil —cerca de R$ 320 mil— pelo curso, os brasileiros promovem programas mais acessíveis. Por aqui, os pacotes com aulas online, ebooks e masterclasses saem por cerca de R$ 150.

Os coaches Fabricio Castro e Vitor Esprega em vídeos nas redes sociais - Reprodução/Instagram

"Código do Homem Confiante", "Afiando o Machado" e "Domine Sua Fúria" são algumas das mentorias que prometem resultados como dominação da masculinidade, mais sexo na vida e tornar o homem mais seguro para conversar com mulheres com quem "nunca imaginaram ser possível".

Embalados em discursos de autoajuda e autoconhecimento, a maioria angaria seguidores a partir de uma história de superação: contam como antes se davam mal nas paqueras e como isso é não é mais um problema após terem estudado sobre o tema.

A advogada Luciana Terra, especializada em direitos das mulheres, vê a aproximação desse tipo de conteúdo com o movimento red pill —a "machosfera"—, referência a uma cena do filme "Matrix" (1999) em que a pílula vermelha faz despertar para o mundo real. Para esse público, homens seriam vítimas da sociedade, e as feministas "obscureceriam" a realidade.

Para ela, os discursos promovem o silenciamento de mulheres e contribui para a desigualdade de gênero do Brasil.

Vitor Esprega é um dos exemplos de mentores de masculinidade e relacionamentos. Ele defende que homens devem buscar "mulheres de valor", que a seu ver são aquelas que não usam roupas vulgares, têm aparência delicada, não bebem muito nem beijam no primeiro encontro.

Além disso, diz que as mulheres não devem criticar seus maridos, porque isso minaria a autoconfiança deles —e, assim, "o homem vai pular o muro, em busca de quem o admire". Sobre feminismo, ele afirma que o movimento produz "mulheres macho". Procurado pela Folha, Vitor não quis conceder entrevista à reportagem.

Para a psicóloga Lala Fonseca, falas assim alimentam a mentalidade do macho alfa, que precisa mostrar a superioridade diante da mulher e acredita que a dominação masculina seja necessária.

É como se eles entendessem que a baixa autoestima de alguns homens seria resolvida ao reafirmar a dominância dele mesmo sobre a mulher. "Por meio de uma meia-verdade, eles constroem uma opressão", diz ela.

Outro exemplo de coach é o influenciador Bruno Giglio, que promove o curso "Eros - O Mestre da Sedução", que tem como objetivo ensinar a ter mulheres Giglio que fiquem "de quatro" por seus alunos.

Em um dos vídeos, ele alerta que o conteúdo pode aborrecer mulheres e, por isso, deve ser consumido apenas por homens. Nas redes sociais, ele reproduz vídeos delas opinando na internet e criticando sua visão. A reportagem encaminhou três emails para Giglio na quarta (22) e na quinta (23), mas ele não respondeu.

Curso de Bruno Giglio promete sucesso sexual para o homem de alto valor
Curso de Bruno Giglio promete sucesso sexual para o homem de alto valor - Reprodução/Instagram

Amigo dos integrantes do Millionaire Social Circle, Fabricio Castro se apresenta também como mentor e promete ajudar seus pupilos a desenvolver habilidades certas para, literalmente, "abrir pernas e portas".

No conteúdo das redes, muitas vezes com a hashtag red pill, ele sugere que homens devem valorizar o seu capital erótico aprendendo a se vestir bem, ensina a calcular o valor sexual do mercado de cada um, refuta o chamado "nice guy" (homem bonzinho) e prega pela antifragilidade do homem.

Procurado na última quarta, por e-mail, ele não respondeu à reportagem.

Dentro do universo de supostos mentores, há divergências. Luiz Cavalcanti, do canal Sem Mimimi, afirma que se identifica como facilitador de conexões, que aconselha sobre a "verdadeira arte da sedução" e "como conquistar a crush".

Em entrevista à Folha, ele afirma que, assim como todas as profissões, há diversos coaches e mentores que pregam aquilo de que ele discorda. Ele compara o movimento red pill com a Bíblia: "Vai ter um cara para falar de amor e coisas bonitas, como vai ter o interesseiro que vai usar a fé dos outros para fazer dinheiro".

Cavalcanti explica que concorda com alguns pontos do movimento, como o fato de que é preciso ter cuidado com o que chama de "mulheres interesseiras" que estão em busca de dinheiro.

Mas existem canais que ele apelida de "Cidade Alerta Redpill". "Eles trazem o pior das mulheres. Elas [mulheres ruins] existem, mas o cara que só consome [esse conteúdo] vai se tornar paranoico." "Não gosto de ficar só alertando sobre as mulheres erradas, gosto de ensinar a se envolver com as certas."

Um dos mentorandos dele, Eduardo Gaspar, 29, afirma que, antes de conhecer o conteúdo, era "muito red pill" —ele conheceu o movimento após um término doloroso. Hoje, após passar por mentorias com Cavalcanti e entender como se envolver com "pessoas de valor", afirma que ainda consome conteúdos do red pill, mas pondera antes de tomar como verdade.

Cavalcanti diz que considera que o feminismo "mais prejudica do que ajuda no relacionamento". Porém, ele declara que não é contra o movimento. "Mulheres sofrem muito e o feminismo muitas vezes pode ajudar os homens a terem essa consciência. Mas o que virou [o feminismo] é o ódio ao homem." Para ele, o problema é que os homens acabam "não conhecendo as boas feministas", diz.

O psicanalista Pedro Ambra, autor da obra "O Que É um Homem? - Psicanálise e História da Masculinidade no Ocidente" (2015), analisa que o desconforto com o feminismo pode ser relacionado com a forma como as redes sociais lidam com as denúncias de comportamentos machistas.

"O indivíduo que tem um comportamento machista vai ser cancelado e essa individualização rouba a energia que precisaríamos para criticar o sistema patriarcal e não apenas a pessoa", diz.

Em meio à lógica do cancelamento, homens buscam por um local em que serão reconhecidos. Isso se soma ao discurso de que existe uma crise na masculinidade.

"Muitos desses coaches colocam o feminismo como uma espécie de vilão, que teria tornado as mulheres reativas, não estariam assumindo o papel feminino delas e acreditam que homens precisam recobrar o valor e a virilidade perdida deles", diz ele.

Os próprios coaches reforçam esse discurso ao prometerem "transformar [o aluno] em um homem de verdade". "No fundo, pode ser uma desculpa para se ter discursos de violência e subjugação da mulher", diz.

Para Ambra, é válido um espaço de conversas para homens sobre como se relacionar, já que as mulheres também discutem relacionamentos e questionam com isso opressões antes naturalizadas. Mas, diz ele, é preciso fazer isso "não a partir desses pressupostos que estão sendo colocados" pelos coaches.

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