Adoção ou tráfico de pessoas? Entenda o que diz a lei sobre entrega de crianças

Polícia de SC investiga se mãe de menino de 2 anos sofreu assédio para dar o filho; duas pessoas foram presas e negam acusação

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São Paulo

Na segunda-feira (8), uma criança de 2 anos que sumiu em Santa Catarina havia mais de uma semana foi achada em São Paulo. Com ela, a Polícia Militar encontrou a dupla Marcelo Valverde Valeze, 52, e Roberta Porfírio de Souza Santos, 41 —ambos foram presos sob suspeita de tráfico de pessoas. Na abordagem, a mulher declarou que estava a caminho do fórum para regularizar a situação.

Inquérito policial instaurado em SC aponta que Valeze e a esposa dele, identificada como Juliana, vinham assediando a mãe para que ela entregasse o filho sem o devido processo legal de adoção, desde o nascimento do bebê.

Segundo as defesas, Veleze conheceu a mãe do menino em um grupo de mulheres com interesse em doar crianças e indicou para ela Santos —que, por sua vez, afirma que teria recebido o menino para que fosse cuidado "por um tempo".

Anúncio de que menino de 2 anos que sumiu em SC foi e encontrado - Foto: @julianobxd no Instagram

À polícia a mãe confirmou que entregou o filho. O desaparecimento do garoto foi denunciado pela avó e por um tio dele, que moram com a mãe e o menino em Florianópolis.

De acordo com o juiz Iberê Dia, da Vara da Infância de Guarulhos, casos como esses ocorrem com frequência no Brasil, mas violam a legislação que regula as adoções no país.

"A maioria dos casos tem ligação com desigualdade. Pessoas pobres são aliciadas e sofrem pressão econômica para entregar a criança em trocas financeira", afirma Dias.

Para todos os efeitos, as adoções no Brasil precisam atender os trâmites legais do Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamenta a prática no país e tem base no artigo 277 da Constituição Federal.

"A convivência familiar da criança tem prioridade absoluta. Todo sistema de adoção é analisado pelo prisma da criança. Em adoção, não se procura uma criança para as famílias, mas um casal à criança. Adoção não serve para satisfazer o sonho de ser pai, embora seja uma consequência desejável."

Como funciona o sistema de adoção no país?

Segundo Dias, quem decide adotar uma criança passa por três fases:

  • Habilitação
  • Fila
  • Adoção

O Ministério Público acompanha todo o processo e avalia as condições de adoção dos casais.

"Não são necessariamente condições financeiras ou questões criminais, como muitos podem achar, um impeditivo de cara. É avaliada a questão psicoemocional dos candidatos à adoção", afirma.

Após a primeira fase de análise documental e estudo psicossocial, feito por psicólogas e assistentes sociais da vara procurada, o juiz da comarca ouve o Ministério Público e, após decisão da Justiça, os candidatos entram na fila de espera.

"Há um cuidado para manter a criança no espaço geográfico, como também, em alguns casos, no mesmo ambiente familiar", afirma o magistrado.

Em seguida, começa a adoção propriamente dita. Segundo ele explica, o corpo técnico da vara inicia uma aproximação da criança e as pessoas interessadas.

A entrega voluntária para adoção é permitida?

De acordo com o juiz, entregar a criança para adoção é um direito da mulher. No entanto, precisa ser feito por meio da Vara da Infância, como determina o artigo 19A do ECA: "A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude".

Do contrário, como a apuração até agora indica que aconteceu no caso do menino de 2 anos em SC, pode ser configurado como crime de tráfico humano.

"Além disso: a mulher tem direito ao sigilo, inclusive do pai ou da família, o que ocorre em casos de gravidez resultante de estupro ou de relacionamentos não acolhidos pela família. Por fim, os técnicos da vara identificam se ela está pondo na adoção por vontade própria ou por fatores externos que a impedem de cuidar da criança. Neste caso, a vara busca pela resolução desses problemas", afirma Dias.

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