Urbanistas criticam aprovação da revisão do Plano Diretor de SP em 1ª votação

Mudanças na lei que orienta crescimento da cidade agora vão passar por audiências públicas e terão de ser votadas mais uma vez

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São Paulo

Urbanistas criticaram a aprovação, em primeira votação, da revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo, na noite desta quarta (31). O substitutivo foi aprovado pela Câmara Municipal paulista por 42 votos a favor e 12 contrários, com uma abstenção

O Plano Diretor é a lei urbanística mais importante do município, pois orienta o seu crescimento.

Para a Camila Maleronka, professora no Insper e pós-doutoranda na UFF (Universidade Federal Fluminense), a cidade andou para trás "no pouco que havia conseguido avançar com o plano anterior", de 2014.

Placar mostra aprovação da revisão do Plano Diretor de São Paulo, em primeira votação, na noite desta quarta-feira (31), na Câmara Municipal - Yuri Salvador/Rede Câmara

"Tinha uma orientação, agora pode tudo em qualquer lugar. Faltou visão de futuro, falar de infraestrutura", diz.

A Câmara afirma que foram realizadas cerca de 50 audiências públicas e coletadas centenas de sugestões dos mais diversos segmentos da sociedade que culminaram com a aprovação em primeiro turno.

O texto aprovado abre brechas para mais verticalização, permite a construção de mais vagas de garagem próximo a eixos de transporte coletivo e dá opções para que empreiteiras não paguem em dinheiro a taxa para construir acima do limite na cidade.

O projeto propõe, por exemplo, que a prefeitura possa expandir áreas ao redor dos eixos de transporte onde é possível erguer prédios mais altos a um custo baixo para as construtoras.

Maleronka afirma não ter acompanhado a votação desta quarta-feira, mas na véspera participou de reunião sobre o tema em um evento promovido pelo Insper, com a participação do vereador Rodrigo Goulart (PSD), relator do projeto.

A especialista afirma considerar que o plano não trata das periferias e que os bolsões de pobreza vão continuar existindo na cidade de São Paulo.

Para ela, talvez vereadores não estivessem familiarizados com os termos técnicos do projeto ao aprová-lo. "A Câmara tem uma assessoria técnica boa, mas pode ter ficado sem voz."

O vereador Goulart diz que o projeto atende demandas da população e pode facilitar a construção de habitações de interesse social.

Maleronka acha que a revisão pode ser aprovada como está em segunda votação, mesmo com novos debates.

O projeto de revisão agora deve passar por um total de oito audiências públicas em menos de três semanas.

A previsão é que a votação definitiva, em segundo turno, ocorra na tarde do dia 21 de junho —a última audiência pública deve ocorrer na manhã do mesmo dia e pode trazer alterações no projeto.

Raquel Rolnik, professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e coordenadora do LabCidade, por outro lado, diz que "a luta continua" sobre os próximos passos. Ela também critica a aprovação desta quarta.

"É absolutamente lamentável que a Câmara tenha aprovado esse substitutivo em primeira votação", diz. "Parece que nada do debate público foi incorporado", afirma ela, que fala em verticalização generalizada, "sem nenhuma consideração de diferenças de natureza ambiental, histórica e territorialidade e política".

Na quarta-feira, durante as discussões para a aprovação do projeto, Goulart, disse que as críticas são descabidas e que todas as alterações saíram de contribuições da população e entidades setoriais. "Fala-se muito do setor de incorporação, mas vários outros setores, inclusive a Associação Comercial, fizeram quase as mesmas sugestões que as incorporadoras", disse o vereador.

Angelica Benatti Alvim, arquiteta e diretora da FAU Mackenzie, diz que a alteração significativa que o plano sofreu na Câmara mudou o conceito de revisão. "Ele está tirando o conceito de uso de solo, adensamento e transporte."

"Se o [plano] de 2014 tinha a intenção de inverter a matriz, aumentar o número de pessoas usando o transporte público, agora vai fazer cada vez que dependam do carro", diz —ela afirma acreditar que moradores de imóveis caros, pela valorização que o mercado irá impor em miolos de bairros, não vão andar até estações de metrô a mais de 500 metros de distância, por exemplo.

A especialista critica a falta de apresentação de estudos técnicos por parte do Legislativo ao alterar o projeto original da prefeitura. "A Câmara não está entendendo que a cidade precisa ter controle e desenvolvimento urbano mais justo."

A Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), que encaminhou sugestões à Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal, disse, antes da votação, que as propostas foram embasadas "em amplo debate técnico" das entidades. Para a associação, as propostas melhoram o texto original e dão segurança jurídica ao setor.

O professor Nabil Bonduki, da FAU-USP, que foi relator do Plano Diretor em 2014 quando era vereador pelo PT, diz que agora é preciso de trabalho para reverter a opinião de quem votou a favor e, consequentemente, o próprio resultado.

Ele cita os quatro vereadores petistas que foram favoráveis como passíveis de mudança: Arselino Tatto, Jair Tatto, Manoel Del Rio e Senival Moura —o PT deu liberdade para seus vereadores decidirem seus votos.

Os petistas que votaram a favor criticam o texto enviado pela gestão Ricardo Nunes e modificado pela Câmara, mas dizem que agiram estrategicamente para manter uma porta aberta e negociar emendas e alterações no projeto para a segunda votação.

O projeto exige votação nominal e quórum qualificado de 3/5, ou seja, para ser aprovado, necessita de pelo menos 33 vereadores a favor, de um total de 55 parlamentares.

"Essa votação aponta uma perspectiva muito ruim para a cidade. Espero que entre a primeira e a segunda [votação] se consiga alterar profundamente o projeto", diz Bonduki, que afirma ter ouvido críticas de representantes do próprio mercado imobiliário à revisão da lei.

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