Ilhada entre obras de Perdizes, confeitaria de 61 anos torce por melhora do comércio

Gimbernau projeta evolução após tentativa frustrada de vender casa a construtora

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São Paulo

Filho e neto de imigrantes espanhóis da Catalunha, Jaime Gimbernau era um jovem de 21 anos quando, em 1987, foi morar num sobrado na rua Aimberê, em Perdizes. Para lá também se transferiu a confeitaria que leva o sobrenome da família, inaugurada 25 anos antes, em 1962, na rua João Ramalho, bem próximo dali.

Só havia casas na rua. Os Gimbernau quiseram construir na deles um piso a mais, mas foram impedidos pela prefeitura. Hoje, 36 anos depois, a casa-confeitaria está ilhada entre edifícios e obras: um deles, com quase 30 andares, já está erguido a poucos passos, outros terrenos são preparados para o mesmo destino. Distante 250 metros, a todo vapor, está o canteiro da futura estação Perdizes.

Jaime e sua mulher, Sueli —que moram e trabalham na casa, onde a confeitaria Gimbernau continua funcionando— chegaram a receber proposta de uma construtora para vender o imóvel, até negociaram valores. Dizem, porém, que a proprietária da casa ao lado se recusou a vender a dela, e a construtora então desistiu.

O confeiteiro Jaime e sua mulher, Sueli, na casa em que moram e mantêm a Confeitaria Gimbernau, criada há 61 anos em Perdizes e hoje ilhada por novos prédios - Danilo Verpa - 21.jul.2023/Folhapress

Resignados, torcem agora para que a verticalização radical de sua vizinhança lhes seja frutífera. "Queria vender porque, embora goste daqui, em dia de jogo ou show [no Allianz Parque, ali perto] isso fica um caos, e deve piorar. E o bate-estaca [das novas obras] é terrível, devia ser proibido. Mas, se Deus quis assim, para alguma coisa boa deve ser", afirma Jaime.

"Tirando o banzé de jogos e shows, só vejo aspectos positivos. Onde havia poucos vizinhos, haverá centenas." Sueli concorda. "Agora está ruim, é poeira, é barulho, mas depois vai ser bom, acho que vai ficar bonito, moderno."

A julgar pela quantidade de grandes edifícios, os novos vizinhos na região devem passar da casa das centenas. Só num trecho de um quilômetro da rua João Ramalho entre as ruas Monte Alegre e Aimberê há cinco novos grandes prédios anunciados, incluindo um recém-concluído. O maior de todos ocupará um quarteirão quase inteiro entre as ruas Apiacás e Apinajés, a 250 metros da confeitaria Gimbernau.

Vendidos pela construtora e incorporadora Cyrela, os apartamentos em uma das futuras torres ("Residences") terão entre 115 m² e 306 m², 3 a 4 quartos (2 a 3 suítes), duas vagas de garagem —a maioria acima de R$ 2 milhões; na outra ("Apartments"), são ofertados estúdios de 21 m² a 65 m², a partir de R$ 430 mil.

A Cyrela está à frente de vários novos empreendimentos em Perdizes, entre eles o maior futuro arranha-céu da região, com 42 andares e 150 metros de altura, na rua Turiassu, outro na avenida Sumaré quase em frente à futura estação Perdizes e o prédio a ser construído no terreno de um casarão neocolonial dos anos 1920 tombado na esquina das ruas Cardoso de Almeida e Dr. Homem de Melo. Pelo projeto, o imóvel histórico —parcialmente destruído por um incêndio na última sexta (4)— será incorporado ao projeto.

Procurada para dar informações sobre seus empreendimentos no bairro e expor suas expectativas sobre o boom imobiliário na região, a Cyrela optou por não se manifestar.

Em que pese a esperança de melhora nos negócios, o casal Gimbernau recorda com nostalgia a Perdizes do século passado. Nascido e criado naquelas ruas, Jaime desde cedo conciliou a prática do judô (chegou a faixa preta, deu aulas, ganhou campeonatos) com a confeitaria ensinada pelo pai a partir dos 8 anos. Lembra de o tio contar que onde está o estádio do Palmeiras havia um charco, que precisava transpor para pegar o bonde na atual avenida Francisco Matarazzo (antes chamada Água Branca).

Sueli —que conheceu o marido na faculdade de educação física, abandonada por ele e concluída por ela— lamenta que muitos vizinhos se mudaram da região. "Conhecíamos todo mundo. O que deixa meu coração triste é que agora parece que moro num bairro estranho."

Hoje, em meio ao frenesi construtivo da redondeza, é até difícil conseguir perceber, na fachada do sobrado da Aimberê, a discreta placa —antiga de verdade assim como o estabelecimento, não vintage estilizada— anunciando que ali funciona uma confeitaria e sorveteria.

Lá dentro, há guloseimas doces de todos os tipos, com destaque para receitas típicas catalãs, como o Brazo de Gitano (rocambole recheado de chantilly ou creme de baunilha, coberto com gema queimada), chuchu (um tipo de bomba, mas com massa de brioche), tocinilho (espécie de quindim) e o clássico creme catalá.

Jaime comanda a produção. Aos 57 anos, virou um judoca menos assíduo, mas continua, junto com Sueli (ela mais no balcão), na lida doceira todos os dias, incluindo domingos e feriados. Não se afoba.

O confeiteiro só revela espanto com a profusão de novos edifícios e os valores anunciados. "Nunca vi uma coisa dessas, é uma loucura, no que é que isso vai dar? Apartamentos de 20 m² por quase R$ 400 mil, outros de 100 m² por quase R$ 2 milhões. E isso na planta. Sinceramente, não sei onde tem tanta gente com tanto dinheiro para comprar."

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