Descrição de chapéu Congresso Nacional

Projeto que permite à PM fazer fiscalização ambiental pode ser votado no Senado

Proposta é criticada por Ministério do Meio Ambiente por poder criar despesas e confusão entre órgãos

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Brasília

O Senado pode votar, nesta terça-feira (30), o projeto da lei orgânica da Polícia Militar e que tem potencial para causar uma confusão entre as forças de segurança e as de fiscalização ambiental.

Segundo alertam especialistas ouvidos pela reportagem, a proposta, se aprovada da forma como está, cria duplicidades de competências nas ações relacionadas ao meio ambiente, atribuindo a PMs e bombeiros responsabilidades de órgãos como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Uma nota técnica do Ministério do Meio Ambiente afirma que a proposta pode causar confusão, novos gastos e risco de que órgãos ambientais sejam esvaziados.

O projeto inclui a polícia militar e os bombeiros dentro do Sisnama, o Sistema Nacional do Meio Ambiente, e dá a essas instâncias poder de realizar fiscalização ambiental, lavrar autos de infração e também atuar na parte educacional sobre este tema.

Fiscal do Ibama durante operação contra crimes ambientais
Fiscal do Ibama durante operação contra crimes ambientais na Terra Indígena Yanomami, em Roraima - Divulgação - 31.mai.2023/Ibama

O projeto já passou pela Câmara dos Deputados e, no Senado, avançou pelas comissões sob relatoria do líder do PT, Fabiano Contarato (ES), que não alterou os trechos que tratam deste tema —apesar de terem sido apresentadas emendas para isso.

O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama emitiram nota técnica contra a proposta e servidores chegaram a tentar negociar alterações com Contarato.

Após as conversas, ele chegou a retirar do texto alguns trechos, mas manteve a parte que versa sobre o Sisnama e o que inclui a polícia e o bombeiros dentre os responsáveis pela fiscalização ambiental.

Questionado, Contarato afirmou que, atualmente, policiais e bombeiros já atuam na fiscalização ambiental.

"A prova disso é que existem batalhões ambientais nos estados. Seguir com essa fiscalização, no meu entendimento, mantém a atuação rigorosa feita por diferentes órgãos, com um único objetivo: a preservação ambiental", disse.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu aval para o avançar da proposta, que é uma das principais bandeiras da bancada da bala e que também limita a entrada das mulheres na corporação.

A proposta diz que um mínimo de 20% das vagas serão destinadas a candidatas do sexo feminino, mas que apenas "na área da saúde" elas também concorrem à totalidade ofertada em cada concurso. Contarato também rejeitou uma emenda que alteraria esse trecho do projeto.

Segundo membros do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a recomendação dada foi deixar a lei ser aprovada mesmo sob críticas de instituições que atuam na área.

Integrantes do governo dizem que aprovar o projeto representa um gesto de aproximação a policiais e bombeiros militares, que são parte da base de Jair Bolsonaro (PL), e que foi custoso construir um acordo para o texto chegar à fase atual.

Outro ponto criticado por especialistas é o dispositivo que cria a exigência de bacharelado em direito ou curso de formação reconhecido pelas corporações ou pelo estado para que haja o ingresso em quadros de oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros.

As PMs e os bombeiros, segundo o texto, também receberiam atribuições de preservação e fiscalização ambiental que hoje ficam a cargo de agências, por exemplo o Ibama e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Assim, as forças poderiam, caso a matéria seja aprovada dessa forma, atuar como agentes de proteção ambiental.

"Abrir para a polícia militar fazer autuações com base na legislação ambiental implica gerar processos sancionadores paralelos aos dos órgãos ambientais, com critérios e rigor distintos. Um caos na prática, e situações confusas no processo sancionador implicam impunidade", afirmou à Folha a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, atualmente coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

"No caso dos bombeiros militares, por sua vez, o cuidado deve estar em não reduzir, de forma alguma, as prerrogativas dos órgãos do Sisnama que atuam na prevenção e combate aos incêndios florestais", completou.

Em nota técnica, a área técnica do Ministério do Meio Ambiente recomendou que a pasta se posicione contra a proposta.

Segundo o documento, a medida "pode causar prejuízos tanto à gestão socioambiental quanto aos cidadãos ao criar insegurança jurídica e novos gastos públicos aos estados federados com a criação de estruturas paralelas para que os militares incorporem funções já desempenhadas pelos demais órgãos do Sisnama, inclusive estaduais, que poderiam ser esvaziados ou tornar confuso e conflituoso seus trabalhos".

A Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente) também emitiu uma nota, reiterando o entendimento de que dar à polícia e aos bombeiros tal atribuição desconsidera que a atividade de fiscalização do meio ambiente não se resume às ações de repressão e necessitam de procedimentos e conhecimentos específicos.

"A ocupação e apropriação de cargos nos órgãos que formam o Sisnama por policiais militares e demais forças militares ganhou força principalmente com as nomeações realizadas pelo governo de Jair Bolsonaro e seus aliados", disse a instituição, no posicionamento.

A proposta inicial ainda colocava a PM como responsável por, "privativamente", realizar ações de fiscalização e até de educação ambiental. Servidores dos órgãos ambientais se mobilizaram no Congresso nos últimos dias contra a medida e conseguiram convencer Contarato a retirar esse termo do texto.

Na aprovação na Câmara, deputados retiraram trechos polêmicos, defendidos pela base de Jair Bolsonaro no Legislativo, que reduziam os poderes dos governadores sobre as corporações.

O texto foi enviado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso ao Congresso em 2001 e nunca havia avançado.

Durante o mandato de Bolsonaro, um movimento de aliados do então chefe do Executivo tentou, mas não conseguiu, incluir na proposta a exigência de que governadores precisariam escolher o comandante da PM por meio de uma lista tríplice formada pelos próprios oficiais e com previsão de mandato de dois anos.

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