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Flavia Rios

O Brasil deixou de ser um país branco?

IBGE mostra que população brasileira não quer mais ser vista como branca; pelo menos não em sua maioria

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Flavia Rios

Socióloga, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFF e pesquisadora do Afro/Cebrap

Agência centenária que nos conta a cada década quem somos e como estamos, o IBGE lançou novas informações sobre o Censo de 2022.

Nessa leva de informações está uma das mais aguardadas: qual a nossa cor/raça? Pergunta essa que nestes e noutros tempos poderia ser interpretada da seguinte forma: qual é a nossa identidade como povo?

Trabalho em campo dos recenseadores do IBGE na comunidade de Paraisópolis, zona sul de SP
Trabalho em campo dos recenseadores do IBGE na comunidade de Paraisópolis, zona sul de SP - Rubens Cavallari 18.ago.22/Folhapress

Ninguém nega que a pergunta sobre cor ou raça produza um enorme debate no país e fora dele também. Curiosidades sobre as formas de classificar no Brasil nunca cessaram e não será agora –que o país passa por intensas transformações políticas e culturais– que perderemos nosso gosto (e gozo) pelo tema.

Afinal, qual é a nossa identidade enquanto povo? Essa questão já cantada em prova e verso e debatida por cientistas, ensaísta, diletantes e prosadores de bar encontra no IBGE uma forma segura de resposta, posto que é a única instituição de pesquisa que traz insumos para essa pergunta desde o século 19.

Acreditem: desde 1872 temos pergunta sobre classificação racial do brasileiro. Naquele primeiro censo, as opções de cor eram branco, preto, pardo e caboclo.

Em 1890, incluímos o mestiço no lugar do pardo. Na década de 1940, contamos a população descendente do leste asiático pela categoria amarela, e não incluímos nem pardos nem mestiço. Na década seguinte, em 1950, voltamos a incluir o pardo e não o abandonamos mais até os dias atuais.

Desde então, a única mudança classificatória foi a inclusão da categoria índio (termo usado à época e inserido no censo de 1960). Em 1970, durante a ditadura militar, suprimiu-se integralmente a pergunta sobre cor/raça do censo.

No contexto da redemocratização, pela pressão dos movimentos sociais negros e cientistas brasileiros, em 1980, a pergunta sobre cor volta ao censo, contudo sem os indígenas. Somente em 1991, finalmente temos as cinco categorias que são perguntadas até hoje: branco, preto, pardo e amarelo e indígena.

E apenas essas categorias nos definem? É obvio que não. Somos muito mais diversos que isso. Contudo, essas cinco categorias classificatórias ajudam bastante a nos informar sobre as diferenças e desigualdades socio-raciais que nos constituem há décadas.

Olhando as respostas dos brasileiros segundo o IBGE nessas últimas décadas, o que temos? Temos um país que, em 1940, contava 63,5% de brancos, 21,2% de pardos e 14,6% de pretos em sua população, passou a contabilizar 54,2% de brancos, 38,8% de pardos e 5,9% de pretos em 1980.

Finalmente, em 2022, temos 43,5% de brancos, 45,3% de pardos, 10,2% de pretos e 0,8 de indígenas. Ou seja, temos um país que deixou de se ver como majoritariamente branco e se tornou um país mais pardo, preto e indígena. Em destaque para os pardos, que se tornaram, a maioria da população. Para muitos, a síntese seria: um país mais negro!

Mais negro devido à somatória dos pardos e pretos. Todavia, essa interpretação, como muitos analistas têm observado, pode ser mais evidente para a população que vive no centro-sul do país.

Explico: quanto mais ao norte do Brasil, menos os pardos são interpretados como negros, e os novos movimentos políticos não nos deixam mentir. A categoria pardo tem sido cada vez mais reivindicada pelos descendentes de indígenas sem etnicidade.

Uma das certezas que temos, segundo o IBGE, é que a população brasileira não quer mais ser vista como branca, pelo menos, não em sua maioria.

Qual seria a explicação para isso? Passamos a nos olhar mais no espelho? Teriam as selfies nos dado mais senso de realidade racial? Ou os movimentos políticos, novos e velhos, venceram o debate público criando uma identidade mais plural para o país? Políticas afirmativas de Estado teriam contribuído para essas mudanças de classificação?

Longe das brincadeiras e de uma resposta única, podemos seguramente afirmar que o país está mais plural do que nunca! Podemos afirmar ainda que pardos, pretos, indígenas e amarelos correspondem à ampla maioria da população brasileira e essa é a tendência já acenada em censos anteriores.

Se esta é daqui para frente a cara do brasileiro, então já passou da hora dessa diversidade se fazer presente nos espaços decisórios de poder.

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