Descrição de chapéu Obituário Roberto da Silva (1957 - 2023)

Mortes: Morou na rua, foi preso e tornou-se professor da USP dedicado à educação

Roberto da Silva dedicou-se intensamente à educação de presos, após ser separado da família aos cinco anos e passar pelo Carandiru

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São Paulo

Quando estava preso, com pouco mais de 20 anos de idade, Roberto da Silva começou a ler a Constituição Federal. Estudando as leis do Brasil —ainda durante a ditadura militar—, percebeu que ele e os colegas de cela tinham direitos negados sistematicamente pela administração do sistema prisional. Escrevia petições em papel de pão na esperança de que as mensagens chegassem a advogados e juízes.

Em duas décadas, ele saiu da condição de morador de rua para se tornar mestre em educação na USP (Universidade de São Paulo) e professor. No meio desse percurso, amargou dez anos na Casa de Detenção do Carandiru, na zona norte de São Paulo.

Quando tinha cinco anos, Roberto se mudou com a mãe e três irmãos de São José dos Campos, no interior paulista, para a capital. A mudança ocorria logo após a separação dos pais.

Rosto de homem de meia-idade, vestido com camisa branca
Roberto da Silva (1957 - 2023) - Marcos Santos - 26.set.2014/USP Imagens

Sem dinheiro, a mãe procurou ajuda no Juizado de Menores e foi internada à força em um hospital psiquiátrico. As crianças foram imediatamente separadas e enviadas a abrigos em cidades diferentes. Roberto foi para Sorocaba, no interior.

Uma infração interna aos 12 anos fez com que ele fosse transferido para uma unidade da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, hoje Fundação Casa) no Tatuapé, na zona leste de São Paulo. Ele ficou internado até os 18, depois viveu na rua, cometeu furtos e foi preso. A leitura, inicialmente para diminuir o tempo de pena, mudou a trajetória da sua vida.

Em uma entrevista ao Jornal do Campus, da USP, o professor contou que investigou o paradeiro da família. A mãe chegou a ir até os abrigos para procurar pelos filhos, mas morreu sem reencontrá-los. Roberto só retomou contato com um irmão.

Ele chegou a procurar funcionários públicos que assinaram as ordens de internação e transferência de sua família, e entrevistou vários deles. A resposta mais comum que ouviu era que estavam cumprindo ordens. "O Estado destruiu minha família", ele disse ao jornal.

Sua trajetória como acadêmico foi marcada por projetos de educação dentro de presídios e outros espaços onde há privação de liberdade. Ele também coordenou parcerias com vários países da África, especialmente Angola.

"Para mim, o Roberto inaugura um método de pesquisa a partir da própria trajetória de vida", diz o professor Eduardo Januário, da Faculdade de Educação na USP, sobre o livro "Os Filhos do Governo", o mais famoso de Roberto da Silva. "E não é só a vida dele, é a vida de milhares de pessoas negras, meninos negros que foram órfãos."

Roberto estava internado e aguardava um transplante de coração, mas não resistiu a um quadro de infecção hospitalar e um infarto. Ele deixa a mulher, Doracy, e os filhos Roberto e Beatriz.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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