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'Fiquei arrasado ao ver gente pulando do prédio', diz 1º repórter da Folha a chegar ao Joelma

Jornal mobilizou equipe de 47 pessoas para preparar edição extra sobre o incêndio em 1974

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São Paulo

O repórter Nereu Leme acordou animado naquela sexta-feira, 1º de fevereiro de 1974. Tinha completado 26 anos dois dias antes e planejava comemorar o aniversário no fim de semana. Além disso, acreditava que o dia seria tranquilo.

Naquela época, Leme era o primeiro repórter a chegar à sede da Folha, no centro de São Paulo. Entrou na Redação por volta de 8h30 e, pouco tempo depois, o então chefe de reportagem, Adilson Laranjeira, o chamou. "Parece que tem um incêndio na praça da Bandeira. Vai pra lá e, se for grande, você me avisa e mando mais gente", disse Laranjeira, então com 34 anos.

Bombeiros e equipes de socorro trabalham no resgate de vítimas do incêndio no edifício Joelma, no centro de São Paulo, em 1º de fevereiro de 1974 - Folhapress

Em um dos Fuscas amarelos do jornal, Leme e Ivani Migliaccio, uma repórter da então Agência Folhas, que tinha uma Redação à parte, foram rapidamente ao número 225 da avenida Nove de Julho. "Seguramente, fomos os primeiros jornalistas a chegar ao edifício Joelma", lembra o repórter.

Mal haviam chegado e, de repente, um corpo caiu a poucos metros deles —em pânico, alguém havia se jogado do alto do prédio. Ivani passou mal diante da cena, e Leme a levou a um bar ao lado do edifício em chamas para que a colega tomasse uma água e se recuperasse.

Neste mesmo bar havia um telefone público. O repórter tirou do bolso a ficha telefônica —usada para fazer ligações em telefones públicos— e ligou para Laranjeira, avisando que o incêndio aumentava rapidamente e pedindo que enviasse repórteres e fotógrafos.

Nas horas em que esteve lá, Leme ainda testemunhou a morte de outras duas pessoas nas mesmas condições. "Fiquei arrasado ao ver gente pulando do alto do prédio. Por alguns momentos, deixei de ser repórter e me juntei ao coro, formado ali na rua, que gritava para que as pessoas não pulassem porque os bombeiros conseguiriam resgatá-las", recorda-se.

Soube-se depois que um curto-circuito em um aparelho de ar-condicionado no 12º andar havia dado origem ao incêndio que matou 188 pessoas, até hoje a maior tragédia do tipo na cidade de São Paulo.

À medida que os colegas chegavam, Leme se reunia com eles para que distribuíssem as funções. "Eram praticamente reuniões de pauta embaixo do Joelma", conta. Divididas as tarefas, ele ficou incumbido de relatar o começo do incêndio, a chegada dos bombeiros e as reações dos curiosos, que ocupavam as ruas ao redor do edifício.

Leme voltou para a Redação para escrever rapidamente sobre esses momentos iniciais e retornou em seguida para o Joelma para novas apurações. Outros jornalistas, como Edgard Alves (1948-2022), faziam de outro modo: ligavam de orelhões e passavam as informações por telefone para colegas da Redação, que se encarregavam de consolidar o texto final.

"Com uma colega do Grupo Folha, consegui convencer um funcionário do prédio ao lado, entramos e subimos até o último andar", escreveu Alves em um texto publicado em 2011. "Aí eu senti, de fato, a dor de uma catástrofe: corpos carbonizados sobre o parapeito de uma ala do Joelma e, no outro telhado, não alcançado diretamente pelo fogo, corpos de vítimas de asfixia, aproximadamente 30."

"Em um momento impactante como esse, a proeza do jornalista é saber controlar as emoções para tomar decisões racionais", diz José Nêumanne Pinto, um dos responsáveis por receber as informações dos colegas da Folha que estavam na rua. Àquela altura, ele tinha 23 anos.

Outro na retaguarda era um jovem de 21 anos, Paulo Markun. Nos dias seguintes ao incêndio, ele escreveu sobre uma proposta para o código de obras da cidade de São Paulo, cuja discussão se arrastava havia pelo menos cinco anos. Caso as determinações do novo código estivessem em vigor, como escadas internas mais largas nos edifícios, é provável que o número de vítimas do Joelma tivesse sido menor.

No final da tarde, um grupo de 47 jornalistas –entre repórteres, redatores, fotógrafos, diagramadores e editores– concluiu uma edição extra sobre o Joelma, com oito páginas. O título da primeira página, "De novo, e muito pior", fazia referência ao incêndio no edifício Andraus, também em São Paulo, ocorrido dois anos antes.

Até os anos 1950, edições extras circulavam com certa frequência, sempre após grandes acontecimentos. Na década de 1970, tal procedimento havia se tornado raro. Ao chegar às bancas na noite daquele 1º de fevereiro, os exemplares da Folha se esgotaram rapidamente.

Primeira página da edição extra da Folha do dia 1º de fevereiro de 1974 - Reprodução

No dia seguinte, uma edição histórica, com 15 páginas dedicadas ao Joelma, contemplava diversos aspectos do episódio —da ação dos bombeiros ao aumento das doações de sangue para ajudar os sobreviventes. O título na primeira página era "Tragédia sobre a cidade" e, abaixo do enunciado, uma foto mostrava corpos estendidos na rua –eram algumas das pessoas que tinham se jogado do alto do edifício.

Laranjeira não participou da escolha da imagem, decisão que coube à cúpula do jornal, formada por nomes como Cláudio Abramo, diretor de Redação, e Ruy Lopes, editor-chefe. Mas ele soube no dia seguinte que tinha havido um debate sobre a pertinência de uma imagem chocante na primeira página.

A chefia da Folha concluiu que a dimensão da tragédia justificava o destaque para aquela foto. Serviria, acreditavam os jornalistas, como um alerta para as autoridades.

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