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STF tem nova interrupção no julgamento sobre a abertura de novos cursos de medicina

Alexandre de Moraes pediu mais tempo para analisar o caso; até agora, são 5 votos para confirmar o chamamento público previsto na lei do Mais Médicos

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Brasília

O STF (Supremo Tribunal Federal) retomou nesta sexta-feira (9) o julgamento que discute procedimentos adotados pelo MEC (Ministério da Educação) na abertura de novos cursos de medicina, além da autorização para a ampliação de vagas em cursos já existentes.

A análise, porém, foi interrompida por um pedido de vista (mais tempo para estudar o caso) apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes, o terceiro desde que a discussão foi iniciada pela corte em setembro de 2023. Não há data para a retomada do debate.

O julgamento tem até o momento cinco votos para confirmar a constitucionalidade de trecho da lei do Mais Médicos, de 2013, que prevê o chamamento público para a abertura de novos cursos —modelo que leva em conta critérios de infraestrutura e localidade para suprir a falta de profissionais em algumas regiões.

Sede do Supremo Tribunal Federal em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Com o chamamento público obrigatório, compete ao MEC indicar quais municípios podem receber novos cursos de medicina e escolher entre as instituições de ensino interessadas.

Há, no entanto, uma divergência entre os ministros da corte quanto aos processos judicializados em tramitação no MEC para abertura de novos cursos de medicina ou ampliação de vagas em cursos já existentes.

São três votos a dois até o momento para autorizar apenas aqueles cursos já instalados cujos processos dispensaram, por força de decisões judiciais, o chamamento público.

No MEC existem hoje 335 pedidos judicializados para abertura de novos cursos (57.743 vagas) e 34 para aumento de vagas (2.584 vagas), informou a pasta nesta quinta (8). Atualmente, segundo levantamento de entidades do setor, são oferecidas 42 mil vagas/ano.

Relator da matéria, Gilmar Mendes votou para confirmar liminar (decisão provisória) concedida por ele em agosto passado, quando se manifestou pela constitucionalidade do trecho da lei do Mais Médicos motivo da controvérsia.

Além disso, ele determinou a manutenção dos novos cursos de medicina já instalados por força de decisões judiciais que dispensaram esse chamamento público e que o ministério deveria dar andamento a processos administrativos em tramitação naquela pasta que também dispensaram esse sistema por ordem da Justiça e que "ultrapassaram a fase inicial de análise documental".

Devem ser suspensos, ainda decidiu Gilmar, apenas aqueles processos administrativos que não ultrapassaram a fase de análise documental, avaliação local realizada pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), parecer da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC e parecer do CNE (conselho Nacional de Educação).

Luiz Fux acompanhou Gilmar. Edson Fachin, por sua vez, abriu a divergência por discordar do colega no ponto em que o relator entendeu que o ministério deve dar andamento a processos pendentes no âmbito da pasta. Fachin foi acompanhado pela ministra Rosa Weber, hoje aposentada da corte.

O julgamento foi retomado nessa sexta com o voto de André Mendonça, que também divergiu de Gilmar quanto aos processos judicializados no MEC. Moraes pediu vista em seguida.

O debate no Supremo foi suscitado a pedido da Anup (Associação Nacional das Universidades Particulares), para que seja reconhecida a constitucionalidade de dispositivos previstos na lei do Mais Médicos, editada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

A entidade pediu ao tribunal que determinasse a suspensão "de todos os processos, tanto os judiciais quanto os administrativos, iniciados após a edição da Lei nº 12.871/2013 [lei do Mais Médicos] e que tenham por objeto a abertura de cursos e/ou o aumento da disponibilização de novas vagas de Medicina, que não tenham sido precedidos de chamamentos públicos".

No caso de cursos já iniciados sem que a essa referida legislação fosse observada, a entidade pede que o STF ordene a impossibilidade de se matricularem novos alunos.

Após o pedido da associação, o Crub (Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras) ajuizou uma ação para defender a inconstitucionalidade de artigo da lei do Mais Médicos, que prevê o chamamento público, por entender que contraria, entre outras garantias constitucionais, a isonomia, o direito de petição, a autonomia universitária, a livre iniciativa e a livre concorrência.

Representante do governo federal, a AGU (Advocacia-Geral da União) defendeu nos autos, por sua vez, a constitucionalidade da lei de 2013 e a suspensão de decisões judicias que tenham afastado a aplicação da norma.

Ao se manifestar pela continuidade da análise de parte dos processos em tramitação no MEC, Gilmar afirmou que a ação do STF decorre de um "cenário de litigiosidade judicial".

O ministro afirmou que "essa situação perdurou por anos, especialmente diante da inércia da Advocacia-Geral da União em combater essas decisões liminares".

"Também aqui a segurança jurídica deve ser prestigiada", disse o relator. "Aquelas instituições de ensino cuja documentação foi validada pelo Ministério da Educação e que agora aguardam a fase de avaliação in loco ou etapa posterior têm direito à continuidade do processo administrativo."

Nas últimas semanas, com a perspectiva de retomada do julgamento, profissionais da Saúde procuraram ministros do Supremo para expor o que consideram um risco para a população do país caso a decisão de Gilmar, no ponto em que permitiu o andamento de processos no âmbito do MEC, seja confirmada.

"Não faltam médicos, o que há no Brasil é uma má distribuição de profissionais", afirmou à Folha o médico Raul Cutait, professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina.

"É o quantitativo em detrimento do qualitativo, e essa lógica, a médio prazo, será um problema para a população, pois profissionais mal preparados seguramente erram mais."

Um censo da AMB (Associação Médica Brasileira) divulgado no ano passado com base em dados de 2022 apontou que no Brasil o índice de médicos por mil habitantes é de 2,7, patamar similar ao de países como Estados Unidos, Japão, Canadá e Chile.

O presidente da entidade, César Eduardo Fernandes, disse que médicos existem para atender pessoas com qualidade. "Essa é uma premissa inexorável do ponto de vista da população", afirmou.

"A faculdade deve dar a seus alunos a oportunidade de acompanhar um paciente assistido por um professor. É fundamental esse aprendizado técnico, prejudicado nesse processo de proliferação de escolas", disse Fernandes, destacando que no país existem hoje cerca de 400 faculdades de medicina enquanto nos EUA, mais populoso que o Brasil, são 180.

A médica Eliete Bouskela, que preside a Academia Nacional de Medicina, lembra que os Estados Unidos viveram um boom de faculdades e que esse número foi reduzido à metade.

Para ela, o foco não deve ser a abertura de novos cursos para sanar distorções regionais na distribuição de profissionais. "Os alunos tendem a não ficar lá [nas regiões desprovidas de médicos], vão buscar os grandes centros para dar continuidade a sua formação", afirmou.

No levantamento da AMB, localidades como Brasília (6,13 profissionais/1.000 habitantes) e Rio de Janeiro (4,19) contrastam com estados como Pará (1,33) e Maranhão (1,17).

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