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Após sofrer injúria, professora negra cria coletivo para enfrentar racismo em escolas

Ana Koteban se juntou a educadoras e mães de alunos para criar protocolo de ações para melhorar respostas a casos

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São Paulo

Mais de um ano depois de sofrer injúria racial e ameaças dentro da escola em que trabalha, a professora da rede municipal de São Paulo Ana Koteban, 42, avalia que a situação foi tratada com descaso.

As apurações sobre um xingamento de "macaca" em uma lista de presença, desenhos de símbolos nazistas e uma ameaça de morte feita por um aluno não apontaram culpados ou provocaram mudanças na rotina, segundo a docente.

Foi por isso que ela decidiu, em contato com outras quatro educadoras, criar o coletivo Antonieta de Barros, em homenagem à primeira mulher negra eleita deputada no Brasil, em 1934.

O grupo foi criado a partir de conversas de Ana com outras professoras e mães de alunos, logo após ela denunciar a injúria sofrida na Escola Municipal de Ensino Fundamental Linneu Prestes à polícia e à supervisão da unidade, que fica em Santo Amaro, na zona sul da cidade. "Foi no olho do furacão", afirmou.

foto na altura do busto, à esquerda, rosana, usa óculos, é negra, tem cabelo grisalho, está com blusa amarela, e à direita, ana koteban, que é negra, usa coque no cabelo trançado, que também cai sobre o ombro esquerdo, e usa vestido amarelo; atrás delas, painel com desenho de silhueta de mulher negra que usa turbante
As professoras Ana Koteban (à dir.) e Rosana de Souza no CEU Feitiço da Vila, na zona sul de São Paulo - Rubens Cavallari - 6.mar.2024/Folhapress

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, o caso foi investigado pela Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e de Delitos de Intolerância (Decradi), e o inquérito, concluído em fevereiro de 2023.

Após depoimentos de funcionários e alunos da escola e exames periciais, o caso foi encaminhado à Justiça, que decidiu pelo arquivamento.

Segundo a pasta, foi pedida uma reconsideração sobre a ameaça de morte —um aluno disse que ela "deveria ter sido fuzilada"— ao Ministério Público, que recebeu os documentos para investigar o ato infracional, já que o estudante era menor de 18 anos. Procurada, a Promotoria não respondeu sobre o caso.

O objetivo do novo coletivo é, a princípio, aprovar um protocolo para as escolas da rede municipal para lidar com casos de racismo no ambiente escolar. "Este protocolo surgiu com medidas que consideramos iniciais e imprescindíveis", afirma Ana.

O grupo se prepara para realizar, em 21 de março, uma audiência pública na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) para colher mais sugestões de ação.

Para passar a valer nas escolas, o protocolo pode ser incorporado pela Secretaria de Educação após sugestão direta, como a que será feita na próxima semana pelo coletivo, ou por um projeto de lei aprovado no Legislativo. Se aceitar incorporar o protocolo ou receber a determinação de uma lei aprovada, a secretaria vai elaborar normas determinando a adoção dele nas escolas, que serão comunicadas por meio das diretorias regionais de educação.

Entre os 12 caminhos propostos, estão a formação continuada de todos os profissionais da unidade para agir nos casos de racismo, a formação de comitês antirracistas e a obrigação de cumprimento das leis 10.639, de 2003, e 11.645, de 2008, que tratam do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana e das relações étnico-raciais.

De acordo com Ana, depois dos casos, a escola chegou a promover atividades simultâneas em todas as turmas com o tema do racismo por duas semanas, mas a medida não virou rotina.

Procurada sobre o desfecho do caso, a Secretaria Municipal de Educação afirmou que junto com a Diretoria Regional de Educação prestou todo o apoio necessário durante a apuração, de novembro de 2022 a junho de 2023.

A comissão responsável pela investigação confirmou indícios de ofensa racial, mas não conseguiu identificar a autoria, disse a pasta, que citou a realização contínua de formações e práticas pedagógicas com a temática antirracista.

Ana voltou à Linneu Prestes na semana passada depois de um ano de licença psiquiátrica, e quer transferência da unidade. "É difícil conviver em um ambiente onde você sente conivência com algo tão grave."

Ela diz que começou ainda na graduação a pensar em como enfrentar barreiras raciais no ensino. "Quando me tornei professora, ser educadora antirracista já era minha identidade. Entrei no Ballet Afro Koteban e me aproximei da cultura africana na prática. Vem daí meu compromisso".

O sobrenome adotado por Ana, o mesmo do grupo de dança, significa, no idioma malinké, "o bom trabalho jamais se acabará", segundo a página do balé.

Também integrante do coletivo, Rosana de Souza, 59, considera as propostas do grupo como a próxima etapa da educação das relações raciais. "Assim como a publicação das orientações curriculares foi um marco, o protocolo é um passo à frente."

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