Cecília Maria do Amaral Prada nasceu em Bragança Paulista, interior de São Paulo, em 1929, um tempo em que muitas mulheres eram apenas donas de casa. Ela, porém, se recusou a seguir o destino da mãe. Queria mais. Foi professora, escritora, diplomata e jornalista. Lutou contra o machismo durante toda a vida para se estabelecer e ser respeitada.
No início da década de 1950, ao mesmo tempo, formou-se em letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero, sendo uma das primeiras mulheres do país graduadas na área. Foi professora da rede estadual de educação e colaborava com diversos jornais. Com a renda, sustentava a mãe depois da morte do pai, educador.
Em 1955, foi aprovada por concurso para o Instituto Rio Branco, escola diplomática do Brasil. Encantou-se pelo colega de curso Sérgio Paulo Rouanet, que mais tarde emprestaria seu nome à lei de fomento à cultura.
Ao se casarem, em 1958, foi obrigada a abrir mão da carreira pela regra então vigente no Itamaraty, que determinava que em caso de casamento entre diplomatas a mulher deveria se exonerar. O casal teve dois filhos. Desde o divórcio, em 1973, tentava voltar ao Itamaraty pela via judicial. O caso segue em tramitação.
Sua situação foi reconhecida pela Comissão Nacional da Verdade como "caso emblemático nacional de discriminação contra a mulher". Aposentada por idade, recebia um salário-mínimo, contava em tom de revolta. Revolta, aliás, que ela não escondia ao ser citada apenas como ex-mulher de Rouanet.
Após o divórcio, voltou ao jornalismo. Colaborou com os principais veículos do país, incluindo a Folha. Em 1978, investigou denúncia de maus-tratos na Clínica de Repouso Congonhas, que abrigava jovens com problemas psiquiátricos. Dizia que a reportagem ficou engavetada durante muito tempo por machismo, não acreditavam que ela tinha apurado e escrito. Em plena ditadura, a apuração atingia médicos poderosos. A denúncia foi publicada pela Folha em 1979. No ano seguinte, recebeu o Prêmio Esso de reportagem, sendo a primeira mulher a conquistá-lo sozinha.
Cecília afirmava que o prêmio foi um tipo de maldição. Quando a conquista foi divulgada, recebeu inúmeros convites para trabalhar. Na semana seguinte, ao respondê-los, dizia que ninguém mais sabia quem ela era. A maldição durou 40 anos.
Cecília publicou quase duas dezenas de livros. O primeiro, "Ponto Morto", em 1955, tem prefácio de Lygia Fagundes Telles e leva o nome do primeiro conto publicado por ela aos 19 anos. O segundo, "O Caos na Sala de Jantar", escrito nos Estados Unidos, recebeu diversos prêmios e é considerado o primeiro que trata das causas feministas. Em 2016, lançou o "Sou Mulher, Logo Não Existo", um tipo de biografia.
Ocupava a cadeira nº 7 da ACL (Academia Campinense de Letras). Em 2020, publicou o livro "Nós, que Nem ao Menos Somos Deuses", antologia com 35 de seus melhores contos. Em fevereiro do mesmo ano, duas academias de letras a indicaram como candidata ao Prêmio Nobel de Literatura.
"Ela fez o possível para os filhos. Cuidou para que tivéssemos boa educação, estímulo intelectual, para não faltar nada. Não era convencional, era ousada, estimulante e nunca baixou o padrão intelectual. Escrevia todos os dias e deixou muito material inédito", ressalta o filho Luiz Paulo Rouanet, professor de filosofia na Universidade Federal de São João del-Rei.
Morreu em 2 de março, aos 94 anos, em Campinas, em decorrência de infecção generalizada e parada cardíaca. Deixou dois filhos e três netos. O velório aconteceu no salão nobre da ACL.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.