Descrição de chapéu Obituário Cecília Maria do Amaral Prada (1929 - 2024)

Mortes: Pioneira na diplomacia e no jornalismo, ganhou o Prêmio Esso

Cecília Maria do Amaral Prada enfrentou o machismo e lutou até o final para ser respeitada

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São Paulo

Cecília Maria do Amaral Prada nasceu em Bragança Paulista, interior de São Paulo, em 1929, um tempo em que muitas mulheres eram apenas donas de casa. Ela, porém, se recusou a seguir o destino da mãe. Queria mais. Foi professora, escritora, diplomata e jornalista. Lutou contra o machismo durante toda a vida para se estabelecer e ser respeitada.

No início da década de 1950, ao mesmo tempo, formou-se em letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero, sendo uma das primeiras mulheres do país graduadas na área. Foi professora da rede estadual de educação e colaborava com diversos jornais. Com a renda, sustentava a mãe depois da morte do pai, educador.

Em 1955, foi aprovada por concurso para o Instituto Rio Branco, escola diplomática do Brasil. Encantou-se pelo colega de curso Sérgio Paulo Rouanet, que mais tarde emprestaria seu nome à lei de fomento à cultura.

Cecília Maria do Amaral Prada (1929 - 2024)
Cecília Maria do Amaral Prada (1929 - 2024) - Divulgação/Adriana Rouanet

Ao se casarem, em 1958, foi obrigada a abrir mão da carreira pela regra então vigente no Itamaraty, que determinava que em caso de casamento entre diplomatas a mulher deveria se exonerar. O casal teve dois filhos. Desde o divórcio, em 1973, tentava voltar ao Itamaraty pela via judicial. O caso segue em tramitação.

Sua situação foi reconhecida pela Comissão Nacional da Verdade como "caso emblemático nacional de discriminação contra a mulher". Aposentada por idade, recebia um salário-mínimo, contava em tom de revolta. Revolta, aliás, que ela não escondia ao ser citada apenas como ex-mulher de Rouanet.

Após o divórcio, voltou ao jornalismo. Colaborou com os principais veículos do país, incluindo a Folha. Em 1978, investigou denúncia de maus-tratos na Clínica de Repouso Congonhas, que abrigava jovens com problemas psiquiátricos. Dizia que a reportagem ficou engavetada durante muito tempo por machismo, não acreditavam que ela tinha apurado e escrito. Em plena ditadura, a apuração atingia médicos poderosos. A denúncia foi publicada pela Folha em 1979. No ano seguinte, recebeu o Prêmio Esso de reportagem, sendo a primeira mulher a conquistá-lo sozinha.

Cecília afirmava que o prêmio foi um tipo de maldição. Quando a conquista foi divulgada, recebeu inúmeros convites para trabalhar. Na semana seguinte, ao respondê-los, dizia que ninguém mais sabia quem ela era. A maldição durou 40 anos.

Cecília publicou quase duas dezenas de livros. O primeiro, "Ponto Morto", em 1955, tem prefácio de Lygia Fagundes Telles e leva o nome do primeiro conto publicado por ela aos 19 anos. O segundo, "O Caos na Sala de Jantar", escrito nos Estados Unidos, recebeu diversos prêmios e é considerado o primeiro que trata das causas feministas. Em 2016, lançou o "Sou Mulher, Logo Não Existo", um tipo de biografia.

Ocupava a cadeira nº 7 da ACL (Academia Campinense de Letras). Em 2020, publicou o livro "Nós, que Nem ao Menos Somos Deuses", antologia com 35 de seus melhores contos. Em fevereiro do mesmo ano, duas academias de letras a indicaram como candidata ao Prêmio Nobel de Literatura.

"Ela fez o possível para os filhos. Cuidou para que tivéssemos boa educação, estímulo intelectual, para não faltar nada. Não era convencional, era ousada, estimulante e nunca baixou o padrão intelectual. Escrevia todos os dias e deixou muito material inédito", ressalta o filho Luiz Paulo Rouanet, professor de filosofia na Universidade Federal de São João del-Rei.

Morreu em 2 de março, aos 94 anos, em Campinas, em decorrência de infecção generalizada e parada cardíaca. Deixou dois filhos e três netos. O velório aconteceu no salão nobre da ACL.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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