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STF proíbe abordagem policial motivada por raça e cobra critérios objetivos

Ministros se posicionam contra o chamado perfilamento racial; elementos como posse de arma proibida devem ser requisitos para buscas sem mandado

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Brasília

O STF (Supremo Tribunal Federal) estabeleceu, nesta quinta-feira (11), que abordagens policiais devem estar fundamentadas em elementos objetivos, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, o chamado perfilamento racial, nem por sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física.

A corte definiu que a busca pessoal sem mandado judicial deve estar embasada em critérios objetivos, como se a pessoa estiver na posse de arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo de delito.

O julgamento ocorreu na análise de um caso específico em que a corte discutiu se provas colhidas pela polícia durante uma abordagem policial motivada pela cor da pessoa podem ser consideradas inválidas.

Policias fazem ronda na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, após ocupação pelo programa Cidade Integrada - Tércio Teixeira - 26.jan.22/Folhapress

Os ministros convergiram em relação às premissas de que o perfilamento racial deve ser abolido da prática policial. No caso concreto em exame, no entanto, os ministros por maioria decidiram que não foi o caso de perfilamento racial. Ficou vencido, neste sentido, o relator do caso, o ministro Edson Fachin.

No habeas corpus em análise, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo sustentava que o auto de prisão em flagrante que resultou na condenação de um homem por tráfico de drogas é nulo, porque a busca policial foi baseada em filtragem racial, ou seja, na cor da pele do suspeito.

O homem negro, preso com 1,5 g de cocaína, foi condenado a quase oito anos de prisão e alegou ter sido vítima de busca pessoal por perfilamento racial. No inquérito, os agentes de segurança afirmam ter avistado "ao longe um indivíduo de cor negra, que estava em cena típica de tráfico de drogas, uma vez que ele estava em pé junto ao meio-fio da via pública e um veículo estava parado junto a ele como se estivesse vendendo algo".

Os ministros entenderam que não ficou caracterizado que a busca ocorreu motivada pela cor da pele do réu e mantiveram as provas.

Em seu voto, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que há um racismo estrutural no país que exige a tomada de posições em relação ao tema. Também disse que, se fosse prender todos os portadores de 1,5 gramas de cocaína e condená-los a dois anos e 11 meses na zona sul do Rio de Janeiro, mesma cidade do episódio do caso concreto, "o sistema carcerário ficaria mais lotado ainda do que já está".

"A prisão por 1,5 grama de cocaína é muito reveladora de um perfilhamento que, se não for racial, pelo menos é social. Revela o tratamento desequiparado em partes diferentes da cidade. É possível que em alguns lugares de Ipanema e de Leblon sejam mais suspeitos do que o bairro de Santa Teresa para este fim", afirmou.

Ele também afirmou que a política de drogas consistente em prender pessoas pobres de periferia com poucas quantidades de droga "não serve para absolutamente nada, salvo engrossar a legião do crime organizado que se instalou nos presídios brasileiros".

"Não há nenhum proveito em prender um jovem primário e de bons antecedentes por 1,5 grama de maconha. Não faz bem a ninguém essa política pública", afirmou.

Já o ministro Gilmar Mendes lembrou que há discrepâncias no tratamento de ações policiais na zona sul e nas comunidades, que têm realidades muito complexas. Ele afirmou que há situações de perfilamento racial e também problemas no contexto do desenvolvimento social.

"Talvez a nossa contribuição mais efetiva seja conseguir formular balizas, normas de organização, e procedimentos que ajudem na mitigação desses fenômenos", afirmou.

Álvaro Palma de Jorge, professor de direito constitucional na FGV (Fundação Getúlio Vargas), diz ser a decisão da Supremo uma garantia dos direitos constitucionais. "O julgamento de hoje reforça uma série de decisões do STF contra preconceitos. Ela passa uma mensagem de que o Estado não deve tolerar qualquer prejulgamento", avalia.

Porém, o professor diz ter dúvidas quanto à real capacidade de a nova jurisdição mudar a conduta de policiais.

"Toda vez que você impõe restrições com consequências, isso gera novas avaliações sobre como fazer as coisas. Acontece que é fácil burlar algo tão subjetivo. Os agentes podem aprender meios de burlar. Isso deve ser observado", diz.

Já Marina Dias, diretora-executiva do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), é mais categórica. Para ela, a decisão do Supremo "muda muito pouco".

"Acho que o avanço está no fato de a tese expressamente falar que a busca pessoal precisa ser fundada em elementos objetivos, não com base na raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física", diz. "Mas, na prática, a gente não criou ali limites mais claros sobre o que pode ser considerada fundada suspeita", adverte.

Noções vagas e preconceituosas prevalecem na Justiça, diz estudo

Uma pesquisa do Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) mostrou que, na falta de provas concretas, prevalece na Justiça a percepção individual de policiais a respeito dos acusados de tráfico de drogas —caracterizada por noções vagas e muitas vezes preconceituosas sobre a imagem e o comportamento dos réus.

O grupo analisou 1.837 decisões em segunda instância em que as defesas questionavam a validade das provas por, segundo elas, terem sido agravadas em razão de preconceitos raciais expressos pelo policial. Foram consideradas prisões em flagrante por tráfico de drogas ocorridas em residências.

Em 98% dos casos aos quais o núcleo de estudo teve acesso ao inteiro teor do processo e ao testemunho policial (1.509), os juízes rejeitaram as argumentações dos advogados, levando à manutenção da condenação, e em apenas 2% (29) as nulidades são acolhidas, absolvendo os acusados. Outros 299 processos não apresentavam nulidades ou não apresentavam nulidades referentes a categorias analisadas no estudo.

Nos acórdãos analisados, 69% das testemunhas são policiais e só 31% são civis, confirmando a tendência de sobrerrepresentação dos testemunhos policiais durante o processo.

"Temos policiais que operam sob lógica de combate ao inimigo. Este, geralmente, tem a cara de um homem negro. É, para os agentes, a cara da criminalidade. O perfilamento racial é a lógica de justificar, corroborar e agravar uma suspeição pela cor da pele", disse Amanda Pimentel, pesquisadora do Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV, ao comentar o estudo em março de 2023.

Colaborou Bruno Lucca, de São Paulo

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