Descrição de chapéu Quilombos do Brasil

Formação territorial do Brasil continua sendo configurada por desigualdades, diz geógrafo

Para professor da UnB, ao olhar as cidades do país brasileiras é possível perceber a segregação espacial no território

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São Paulo

Ao olhar uma cidade brasileira é possível ver a divisão provocada pela segregação espacial no território, seja urbano, seja rural. A avaliação é fruto de mapeamentos e análises cartográficas realizada por Rafael Sanzio, geógrafo e professor da UnB (Universidade de Brasília).

O pesquisador é autor ou co-autor de vários livros que analisam a formação das comunidades quilombolas e a distribuição desses locais pelo país.

"Quando você sobe em um avião e olha lá de cima, como é Maceió? É uma cidade de morros cheia de padrões habitacionais populares e favelados; e ilhas, províncias. Salvador é parecido, Rio de Janeiro é parecido, com uma escala lógico diferenciada, mas tem um padrão que se repete", diz.

Segundo ele, ainda estamos falando de territórios quilombolas porque essas comunidades não tiveram oportunidades e nem fizeram parte da história oficial da nação durante muito tempo.

"Porque na mentalidade, no pensamento social dominante brasileiro quilombo é coisa do passado, todos foram acabados, foram extintos".

Rafael Sanzio, geógrafo, professor da Universidade de Brasília e especialista em quilombos - Gabriela Biló/Gabriela Biló /Folhapress

Como se explica a divisão espacial de bairros e cidades no Brasil nos quais pessoas negras estão sempre relegadas as áreas mais periféricas? É possível dizer que isso ainda é resquício do período da escravidão?
A política do processo de formação territorial do Brasil, nos últimos cinco séculos, tem sido configurada por desigualdades na sua estrutura social e pelos lugares segregados. O espaço geográfico é a melhor instância de observação e percepção do que efetivamente ocorre no país.

A captura da espacialidade constituída a partir da diáspora é reveladora do país conflitante nesses últimos tempos, porque o Brasil africano tem sido hostilizado pelas instituições, pelas políticas, de uma maneira generalizada para ele não aparecer.

Quando você sobe em um avião e olha lá de cima, como é Maceió? É uma cidade de morros cheia de padrões habitacionais populares e favelados; e Ilhas, províncias. Salvador é parecido, Rio de Janeiro é parecido, com uma escala lógico diferenciada, mas tem um padrão que se repete.

O Brasil nesses últimos cinco séculos não produziu nenhum tipo de reparação [para as pessoas que foram escravizadas]. E o espaço urbano e o espaço rural são profundamente reveladores disso.

Quando eu olho uma cidade eu vou ver a divisão, a segregação espacial no território brasileiro, seja urbano, seja rural.

Por que nós estamos falando [ainda] hoje de territórios quilombolas que estão no Brasil há cinco séculos? Porque os quilombos não tiveram oportunidade nem fizeram parte da história oficial da nação durante muito tempo. Porque na mentalidade, no pensamento social dominante brasileiro quilombo é coisa do passado, todos foram acabados, foram extintos.

O quilombo é a primeira grande instância de resistência territorial, social, econômica, política. A maioria das constituições que tivemos era eugênica. A Constituição 1988 é a única que tem a palavra quilombo. É um projeto para que sejam invisíveis.

A formação das periferias, dos subúrbios, das favelas foi proposital, ou seja, foi incentivada a partir da falta de integração das pessoas negras?
Subúrbio já é uma expressão pejorativa, quer dizer aquilo que não é urbano. Faz parte de um urbanismo que separa. É um urbanismo, uma geografia que não enxergava o Brasil real. Essa expressão suburbana é para o que está depois da cidade formal. São expressões que tem um fundo pejorativo, mas que são formalizadas na academia.

Nós temos dois Brasis, um formal e um informal. Um incluído e um excluído. Quando a gente olha, por exemplo, uma imagem de satélite, ela mostra quem existe e quem não existe. A existência revelada a partir da leitura do espaço.

Onde as avenidas são iluminadas à noite? Onde não tem luz? Por que que os subúrbios existem? É porque fazem parte desse projeto de quem tem lugar e de quem não tem lugar. Porque no pensamento social de uma classe brasileira dominante o lugar dos africanos e seus descendentes não é no Brasil, é em qualquer outro lugar. Quem tem terra tem poder.

Por que os quilombos não são pensados e vistos como formações rurais?
Na historiografia oficial o quilombo era para ser destruído, era uma ameaça, porque afrontava o sistema. Mas isso não é só no Brasil. O Brasil tem uma posição de destaque, mas América toda foi estruturada no sistema de escravidão e cheia de contradições onde o quilombo é a grande expressão espacial mais concreta desse conflito.

E porque isso é importante? Porque os quilombos ancestrais vão ajudar a alargar a fronteira do Brasil. Mas isso tudo [resistência dos quilombolas] era para ser apagado. Então, nós temos que entender porque o quilombo tem essa resistência institucional, na historiografia, e não é tratado no seu devido lugar.

Muitos quilombos urbanos hoje, na verdade, eram rurais. É a população chamada periférica. E a cidade vai crescendo, abre uma avenida, e faz um loteamento, e de repente a cidade abraça aquela comunidade rural, aquele quilombo. E aí eles passam a ser um bairro. A cidade de Salvador, Maceió, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, são cidades profundamente quilombolas. A cidade se expandiu e abraçou.

O espaço relacionado aos quilombos, o território e outras culturas negras não deveriam ser mais estudadas nas aulas de geografia na escola?
O contexto de desinformação da população brasileira no que se refere a África continua sendo um entrave estrutural para uma perspectiva real de melhora na democracia incompleta existente no país. A luta por um Estado Democrático é uma batalha pelo respeito à diversidade étnico-racial.

Neste sentido, não podemos perder de vista que entre os principais obstáculos para a inserção da população de matriz africana na nossa sociedade, está a inferiorização desta no sistema escolar com danos imensuráveis para as sucessivas gerações.

Estamos na nação mais africana fora da África...Como isso é ensinado ou não é tratado? É para "ontem" uma investigação mais apurada do que está sendo transmitido efetivamente pela maioria dos livros didáticos de geografia.


RAIO-X

Rafael Sânzio, 65

Geógrafo, é professor titular da Universidade de Brasília, autor e gestor do Projeto GeoAfro, recebeu a homenagem Chevalier de L´Ordre de la Coronne do rei Philippe da Bélgica pelas suas pesquisas sobre a diáspora África-Brasil. É pesquisador do CNPQ-MCTI, do CEAO-UFBA e da UnB. Professor visitante na UFBA (Universidade Federal da Bahia). É autor dos livros "Territorialidade Quilombola"; "Brasil Africano" e "Quilombos - Geografia Africana"

O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford

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