Descrição de chapéu Quilombos do Brasil Folhajus

Quilombolas de Sergipe acusam juíza de ameaças e vivem em embate

OUTRO LADO: apontada como entrave para titulação das terras, magistrada afirma ter bom relacionamento na região e nega ameaças

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Desde 2023, Maria Izaltina Silva Santos, líder quilombola de Brejão dos Negros, em Brejo Grande (SE), e sua comunidade afirmam estar sofrendo ameaças por parte da juíza Rosivan da Silva Machado, acusada de tentar coagir os quilombolas a saírem das terras.

Denúncias contra a magistrada são registradas desde pelo menos 2011. Em julho passado, a tensão voltou ao foco do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que abriu uma reclamação disciplinar contra ela. A comunidade diz que a juíza tenta travar o andamento da titulação do território por ter terras na região.

Foto mostra pessoas sentadas em reunião em local fechado. Na parede, está escrito "Centro Comunitário Brejão dos Negros"
Moradores reunidos na sede da associação de Brejão dos Negros, em Brejo Grande (SE); comunidade foi certificada como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares - Divulgação/Comunidade Brejão dos Negros

"A juíza é o pivô de todas as ameaças, na minha opinião, porque ela lidera um grupo de pessoas contra nossa luta quilombola por conta da reivindicação nossa por esse território", diz Maria Izaltina, 54.

Em resposta à Folha, a juíza Rosivan Machado afirmou possuir um sítio de 20 hectares no povoado Brejão, herança do pai. Após ser notificada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) acerca do processo administrativo de reconhecimento da área como quilombo, diz ter apresentado contestação e recurso.

"Participei, na condição de cidadã, de algumas audiências públicas realizadas no município de Brejo Grande, promovidas por diversos órgãos em conjunto. Incra, MPF (Ministério Público Federal), Ouvidoria Agrária Nacional, dentre outros, porquanto tratavam do tema, que é do meu interesse. As atas de referidas audiências registram as minhas falas, sempre no sentido de respeito à vontade, à história e aos valores da comunidade", diz ela.

Apesar da situação, Rosivan Machado afirma ter relação harmoniosa com todos os moradores do Brejão e dos povoados adjacentes e diz acreditar não haver, dentre eles "um único que possa reputar inimigo ou com quem tenha tido conflito".

O processo tramita em sigilo e está em fase de instrução, etapa em que se decide se o inquérito deve ser arquivado ou se vai a julgamento. A juíza está à frente da 1ª Vara Cível e Criminal do Tribunal de Justiça de Neópolis, município vizinho de Brejo Grande.

O MPF afirma que as investigações seguem em andamento e que a liderança quilombola foi incluída no Programa Federal de Proteção de Defensores de Direitos Humanos.

Brejão dos Negros é uma das quatro comunidades quilombolas do município, a 108 km de Aracaju. Em julho de 2006, a Fundação Cultural Palmares emitiu a certidão de autorreconhecimento de comunidade quilombola. Porém, até novembro passado, o processo de titulação estava parado no Incra.

Conforme o Censo 2022, 1.431 pessoas vivem em Brejão dos Negros, cerca de 486 famílias. Na região, vivem também as comunidades quilombolas de Resina, Santa Cruz, Carapitanga e Brejo Grande.

Em 2011, um relatório de diligência feito pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, disponível no portal da Casa, reuniu denúncias dos quilombolas contra latifundiários e a magistrada.

Há apontamentos de apropriação ilegal das terras e ameaças a funcionários do Incra que atuam na mediação dos conflitos, entre outras violações.

O relatório traz ainda acusações específicas contra Machado. Segundo os relatos, a juíza articulava encontros de proprietários de terra e participava de audiências no Incra, na Assembleia Legislativa e em outros órgãos públicos, confrontando autoridades em defesa da propriedade privada.

Ainda de acordo com os depoimentos, a juíza atuava em conjunto com o marido Marcelino Ferreira da Silva, morto há dois anos, na época vice-prefeito de Brejo Grande.

Junto aos empresários, eles são acusados de tentar coagir quilombolas para que participassem de abaixo-assinados renegando a condição de remanescentes, fazendo, em seguida, registros nos cartórios que seriam utilizados como prova contra as comunidades.

Ainda segundo as denúncias da época, a juíza promovia campanha de intimidação, ameaças e guerra psicológica, afirmando que "aqueles que se identificarem como quilombolas voltarão para escravidão" .

Machado, no entanto, afirma jamais ter feito essa declaração —nem outra semelhante.

O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.