Descrição de chapéu aeroportos

Rota de aviões de Congonhas é alterada, e Ibirapuera passa a sofrer com ruído

Moradores de bairros como Paraíso, Vila Nova Conceição e Itaim Bibi também se queixam de barulho

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Paulo Uehara, 69, secretário executivo da Associação dos Moradores de Vila Nova Conceição, observa avião de terraço de prédio no bairro; barulho passou a incomodar - Eduardo Knapp / Folhapress

São Paulo

O publicitário Walter Costa, 60, conta que caminhava pelo Ibirapuera em dezembro de 2021 quando levou um susto ao ver um avião "rasante" fazendo uma curva em cima do parque da zona sul de São Paulo. Era a primeira de uma sequência de aeronaves com a mesma manobra observada por ele naquele dia, e assim segue até hoje, afirma.

Uma mudança implantada meses antes na rota dos aviões que decolam do aeroporto de Congonhas, também na zona sul paulistana, dissipou as aeronaves para bairros onde não incomodava o barulho dos motores em força máxima para levantar voo.

O Relatório Anual de Ruído de 2023, publicado no último mês de março pela Aena, empresa espanhola que assumiu a gestão do aeroporto em outubro do ano passado, aponta estatísticas de queixas no Ibirapuera, bairro fora das curvas de ruído especificadas no PEZR (Plano Específico de Zoneamento de Ruído) de Congonhas.

A mesma região faz parte de um mapa de calor citado em relatório semelhante, de 2022, produzido pela estatal Infraero, responsável por Congonhas até a concessão.

A mudança de rota é uma reorganização do espaço aéreo adotada pelo Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) para minimizar exatamente o transtorno do barulho e proporcionar economia de combustível e menos poluição, entre outros.

De acordo com o órgão da FAB (Força Aérea Brasileira), o projeto —chamado TMA-SP NEO— de reorganização e otimização da estrutura de rotas do espaço aéreo sobre a região metropolitana de São Paulo vem sendo implantado desde 2021.

O TMA (do inglês "terminal control area", ou área de controle terminal) diminuiu em 15,18% o nível de ruído provocado por aviões dentro das curvas, aponta o departamento militar. "No caso da faixa de ruído de 65 dB a 70 dB [decibéis], a redução foi maior, cerca de 20%", diz.

Só que começaram a surgir reclamações do barulho aeronáutico em regiões fora dessas curvas.

A migração do barulho das turbinas e hélices após a mudança para bairros como Itaim Bibi, Vila Nova Conceição —incluindo o parque Ibirapuera— e Paraíso foi citada por uma empresa contratada pela Infraero durante reunião de uma comissão de gerenciamento de ruído aeronáutico do aeroporto de Congonhas, em agosto de 2023.

" (...) percebe-se a nítida diferença entre as duas rotas, anterior e atual, as decolagens para oeste se alongaram, se aproximando mais do Butantã que do Morumbi, enquanto na área focal de estudo, sob as decolagens à direita, as rotas após TMA SP NEO recuaram e hoje estão sobre parte de Itaim Bibi e Vila Nova Conceição, bem como pq. Ibirapuera e Paraíso", diz transcrição de fala do funcionário da empresa, conforme ata da reunião.

A imagem apresenta duas seções de mapas, uma à esquerda datada de 2016-2019 e outra à direita de 2022-2023. Ambas as seções mostram uma área com estradas e vegetação, destacando mudanças na trajetória das estradas ao longo dos anos
Imagem reproduzida de ata de reunião da Infraero mostra curva acentuada em mudança de rota dos aviões que decolam do aeroporto de Congonhas, em São Paulo - Reprodução

Questionado se pretende fazer nova reorganização do espaço aéreo no entorno de Congonhas, o CRCEA-SE (Centro Regional de Controle do Espaço Aéreo Sudeste) afirma que faz a incorporação, quando viável, de procedimentos de redução de ruído nas cartas aeronáuticas.

O plano de ruído de Congonhas foi atualizado em 2022 pela Infraero, que diz ter elaborado o documento com base nas informações das novas rotas. Ele foi aprovado pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e está em vigor.

A Aena afirma que há previsão de outra atualização, em função da reformulação do aeroporto, quando um novo terminal de embarque deve ser construído até 2028.

A concessionária diz manter três estações de monitoramento instaladas nos bairros vizinhos ao aeroporto e que coordena um grupo técnico com vários órgãos públicos e companhias aéreas.

"A reorganização do espaço aéreo e outras medidas operacionais relacionadas a aproximação e decolagem são questões frequentemente debatidas e monitoradas pela Comissão de Gerenciamento de Ruído Aeronáutico do Aeroporto de Congonhas", afirma a Anac.

O imbróglio é de difícil solução, admitem pessoas envolvidas com a questão ouvidas pela reportagem.

Um grupo com oito associações de bairros chegou a mover uma ação popular na Justiça Federal para tentar frear a concessão do aeroporto, por causa de supostos efeitos, como aumento do trânsito e barulho.

A ação, que tramitou sem ganho de causa, deu origem a uma central de conciliação com a Justiça Federal à frente, que reúne periodicamente, além de vizinhos, procuradores da República, a gestão do aeroporto, Anac, Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), Decea e prefeitura, entre outros.

A partir de decisão tomada na última dessas reuniões, no início do mês, o Ministério Público Federal enviou um documento recomendando à Prefeitura de São Paulo que considere o estudo sobre ruídos em Congonhas —PEZR— para regulamentar a ocupação do entorno.

Áreas com incidência elevada de ruído, por exemplo, devem ter restrições para uso residencial ou prever regras de construção voltadas à redução dos níveis sonoros percebidos no interior das edificações, diz o MPF.

"Precisamos saber o que vai ser feito [com a recente aprovação do Plano Diretor] em relação à observância do plano específico de zonamento de ruído", diz a procuradora Suzana Fairbanks.

CURVAS DE RUÍDO

  • Representam geograficamente a área de impacto do ruído aeronáutico decorrente das operações nos aeródromos

  • Elas especificam progressivos níveis de ruído de acordo com o uso do solo

  • Para residências é aceitável um nível de ruído abaixo de 65 dB

  • O mesmo vale para instituições de ensino, como creches, escolas e faculdades

Em nota, a Procuradoria-Geral do Município afirma ter recebido o ofício do MPF no último dia 7 e que o caso será analisado e respondido no prazo estipulado, de 20 dias úteis.

A procuradora Fairbanks, que acompanha a parte ambiental da central de conciliação pelo MPF, também é responsável por um inquérito civil público que questiona a Cetesb sobre os motivos pelos quais a licença ambiental de Congonhas, que está vencida, ainda não foi renovada, e se o ruído emitido pelos aviões está sendo analisado.

Também em nota, a Cetesb diz que a licença foi emitida em 2019 e que o pedido da renovação, tratado como prioritário, está em análise. "São avaliados diversos aspectos, inclusive medidas voltadas para a mitigação dos impactos relacionados ao ruído."

Paulo Uehara, 69, secretário executivo da Associação dos Moradores de Vila Nova Conceição - Eduardo Knapp/Folhapress

CAMPANHAS

Paulo Uehara, 69, secretário-executivo da Associação dos Moradores de Vila Nova Conceição, afirma que residentes nas áreas por onde passam as novas rotas não foram procurados durante a reorganização do espaço aéreo.

"Ninguém é contra o aeroporto, mas estamos tentando buscar uma solução para minimizar o problema do impacto de ruído, mesmo que seja para voltar ao que era antes", diz ele, que afirma não ter ouvido ruído de avião no bairro antes da reformulação das rotas.

A associação planeja uma campanha nas redes sociais para mostrar o novo incômodo, processo que o publicitário Walter Costa já fez. Ele criou uma página no Instagram para pressionar a retirada de aviões de cima do Ibirapuera.

"É uma área verde simbólica. Se vê revoada de pássaros à noite quando avião passa em baixa altitude", diz. A Urbia, gestora do parque, afirma não ter identificado alterações no comportamento das aves que sobrevoam a área.

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