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Mães defendem suspensão do calendário de escolas durante crise do coronavírus

Aulas online não substituem bem experiência escolar, e foco deveria estar no emocional, opinam também especialistas

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Rio de Janeiro

Passado um mês do fechamento das escolas na maior parte do Brasil, alguns pais começam a se perguntar se o ensino remoto, sobretudo para os mais jovens, seria mesmo a melhor opção, e surgem os que defendem a suspensão do conteúdo curricular enquanto não for possível voltar às escolas.

Como opção às disciplinas tradicionais, as escolas poderiam auxiliar os alunos e suas famílias a lidar com as novidades na rotina impostas pela pandemia, opinam.

Na semana passada, um texto de uma mãe rejeitando as aulas online circulou nas redes sociais e em grupos de pais. Publicado no perfil Quartinho da Dany, que trata de assuntos da infância, o post defende que a saúde mental e emocional tenha prioridade sobre conteudismo, e fala do fingimento da escola e do aluno, aquela finge que ensina e este, que aprende.

O texto é de Danyelle Santos, mãe de um menino de 6 anos e de outro de 16, ambos matriculados na rede privada. Ela conta que o mais novo, em fase de alfabetização, tem recebido “uma avalanche de atividades” e que o mais velho, no terceiro ano do ensino médio, tem feito as tarefas, obrigatórias, por medo de perder nota. Segundo ela, o conteúdo das aulas do filho mais velho está descolado da realidade da pandemia.

Danyelle Santos comemora seu aniversário em isolamento com os filhos; vemos a mãe sentada à mesa, com o filho menor no colo, enquanto o maior, adolescente, está de pé atrás da cadeira dela; na mesa, um bolo de chocolate com creme e morangos e um prato de brigadeiros
Danyelle Santos comemora seu aniversário em isolamento com os filhos - Arquivo Pessoal

“Busco deixá-los tranquilos em relação à escola, que entendam que tudo bem estar sem concentração. Está difícil para mim que sou adulta. Eles não estão alheios ao que está acontecendo só porque são crianças e adolescentes”, diz a professora de inglês de Niterói.

Santos diz ainda não estar vendo efetividade no ensino remoto, e que, assim como ela, os pais não estão preparados para ajudar seus filhos no aprendizado. No caso dela, com o filho mais novo, para alfabetizá-lo. “Não vejo possibilidade de continuar o ano letivo. Não tem como a gente voltar sem ter de retomar de onde paramos em março”, diz.

Desconsiderar os meses de isolamento também é o que defende a gestora cultural Consuelo Bassanesi, que tem uma filha de nove anos matriculada na rede municipal do Rio de Janeiro. Para ela, há aprendizados mais importantes neste momento do que os que preveem os currículos escolares.

Consuelo Bassanesi e sua filha, Agnes, preparam, em casa, marmitas para o coletivo Mais Amor Menos Capital, no Rio; vemos mãe e filha, usando máscaras de tecido, preenchendo com comida caseira uma série de quentinhas sobre uma mesa
Consuelo Bassanesi e sua filha, Agnes, preparam, em casa, marmitas para o coletivo Mais Amor Menos Capital, no Rio - Arquivo Pessoal

“A escola deveria pensar como lidar com o trauma”, diz. “Estamos falando de crianças que vão perder familiares, que estão sendo expostas à violência doméstica num grau maior do que antes, de famílias que estão passando dificuldades, fome, presas em espaços muito pequenos.”

“Quais são as ferramentas emocionais que poderiam ser compartilhadas com as famílias?”, pergunta ela, que diz acreditar no despreparo das escolas, privadas e públicas, em lidar com esses temas, por terem colocado ênfase nos conteúdos em detrimento da formação emocional.

Para a especialista em políticas educacionais Juliana Bicalho, lidar também com o emocional é função da escola. “A escola não existe só para passar conteúdo curricular, também é para formar o ser humano de forma integral”, diz.

Segundo Bicalho, a escola deveria trabalhar temas relativos à pandemia, fomentando discussões em torno de assuntos que não fazem parte do currículo, mas que podem ajudar alunos e suas famílias a viverem este momento.

“De repente nosso planeta está de cabeça para baixo, e a escola poderia curmprir um papel importante, de forma lúdica e contextualizando aquilo que se ensina”, diz o pedagogo Welson Barbosa Santos, que atua, como professor da Universidade Federal de Goiás, na formação de professores de escolas rurais.

“Deveríamos tratar do valor da vida, da importância do diálogo, do brincar. É papel da escola conscientizar a sociedade sobre o que está acontecendo e os riscos pelos quais estamos passando”, completa

A valorização do conhecimento científico feita pela escola pode ajudar as famílias, frisa ainda Bicalho. “Vivemos num país em que muitas pessoas consomem e compartilham informações falsas, e a escola poderia ajudar o Brasil também nesse sentido”, diz ela.

Professora da Universidade Estadual de Londrina, ela chama a atenção para um outro problema da educação a distância: o aprofundamento das desigualdades entre os alunos.

Não apenas o acesso à internet não é universalizado no país como, mesmo que haja material didático físico e aulas pela televisão ou rádio, os alunos da educação básica não têm a autonomia que o ensino à distância exige, precisando sempre da ajuda de um adulto.

A disponibilidade dessa ajuda e sua efetividade também é desigual entre os alunos, seja pela ausência de um responsável na casa, seja pelo preparo que ele tem. “O ensino remoto está batendo muito na tecla da parceria entre família e escola, mas temos que pensar que nem toda família vai conseguir exercer essa parceria da forma que ela deveria ser feita”, diz.

Renata Almeida, professora de ensino fundamental da rede municipal de Londrina, sublinha a importância do espaço da escola, privilegiado, segundo ela, para garantir que as diferenças originárias dos alunos sejam deixadas de lado em busca de uma igualdade de oportunidades na educação.

“Por mais heterogêneo que o espaço da escola seja, quando o professor tem a clareza do trabalho pedagógico, ele pratica a equidade no ensinar; é papel do professor promover igualdade entre os alunos”, diz. Para ela, fora do espaço escolar a igualdade está ameaçada.

“Tem sido atribuído indiretamente à família um papel muito mais central, mais importante na aprendizagem do que o do professor, mas ensinar não é para qualquer um”, diz Bicalho. “Quando atribuímos aos pais o papel de ensinar, banalizamos o papel do professor e o da escola, como se qualquer um pudesse aprender em qualquer lugar com qualquer pessoa, e não é assim”, completa ela.

Embora os municípios e estados tenham autonomia para mexer no calendário escolar, cabe ao MEC regular, também para as escolas privadas, as cargas horárias do ano letivo. Até o momento, o MEC flexibilizou a exigência dos 200 dias letivos, mas manteve a das 800 horas de aulas.

Procurado, o MEC diz não haver discussões internas sobre reavaliar as exigências ou suspender o calendário. Por enquanto também está mantida a data do Enem, ainda que estudantes do ensino médio, sobretudo aqueles das escolas públicas, não estejam aprendendo o conteúdo como o esperado.

O Ministério Público do Rio de Janeiro entrou com uma ação civil pública nesta semana pedindo a suspensão das aulas virtuais da rede estadual de ensino, que começaram no último dia 13.

Segundo o MP, o estado “esqueceu” os alunos que não têm acesso a internet, estimados em 20% dos matriculados, cerca de 150 mil jovens. O Promotoria diz ainda que mesmo os estudantes que possuem telefones com internet teriam “precário ensino por meio de uma tela de quatro polegadas”, uma “afronta à exigência constitucional de qualidade da educação”.

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