Em 100 dias de Lula, novo ensino médio e ataques a escolas monopolizam debate sobre educação

Governo conseguiu reajustar merendas e bolsas, mas não apresentou novo pacto de alfabetização

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Brasília

Em 100 dias de governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o país viu um contraponto no MEC (Ministério da Educação) com relação aos últimos quatro anos, com um restabelecimento da pasta em termos de equipe, orçamento e institucionalidade.

Por outro lado, entretanto, o período não foi suficiente para o novo governo apresentar políticas públicas estruturadas para a área, sobretudo para a educação básica —colocada como prioridade.

O que ganhou corpo nesses três meses foi um intenso debate sobre revogação de uma reforma do ensino médio em fase de implementação e uma gestão do MEC reativa, agindo para acalmar os ânimos e reduzir desgastes.

Além disso, os ataques em sequência a duas escolas em menos de dez dias —um em São Paulo, outro em Blumenau (SC)— obrigaram a pasta a debater o tema.

Na quarta (5), após o segundo caso, o governo federal anunciou que vai editar um decreto interministerial para elaborar uma política nacional de combate à violência nas escolas.

os dois estão de terno, sentados, Lula, à direita e de azul, fala com a mão na perna de Camilo, que está de preto.
O presidente Lula e o ministro da Educação, Camilo Santana, durante cerimônia de anúncio de novos valores para bolsas. - Pedro Ladeira/Folhapress

A comparação com os primeiros 100 dias da gestão de Jair Bolsonaro (PL) mostra alguns avanções, principalmente no orçamento.

Em abril de 2019, Bolsonaro já tinha inclusive trocado o ministro da Educação — após um acúmulo de polêmicas e disputas internas entre militares e seguidores do escrito Olavo de Carvalho, Ricardo Vélez Rodriguez foi substituído por Abraham Weintraub. Naquele momento, no primeiro ano da gestão, a pasta já vivia uma paralisia.

Weintraub colecionou ainda mais problemas e seu sucessor como ministro, Milton Ribeiro, chegou a ser preso no âmbito das investigações de um balcão de negócios no MEC que envolvia pastores aliados do presidente. Sob Bolsonaro, a pasta teve ainda seus piores índices de execução orçamentária.

Por isso, a equipe de Lula articulou no Congresso um aumento dos recursos para educação ainda durante a transição. Essa ação possibilitou um reajuste entre 28% e 39% no programa de merenda escolar, principal vitrine do MEC no pacote que o governo apresenta como resultado desses 100 dias.

Não havia reajuste desde 2017 nos valores dos repasses federais para merenda, que variam de acordo com a etapa escolar. A medida foi bem recebida por estados e prefeituras, que dependem do programa, embora ele não seja suficiente para bancar todos os custos da alimentação —a União repassava aos estados e municípios R$ 0,36 por dia para cada estudante do ensino fundamental e médio, por exemplo, e com o reajuste de 39%, esse valor passou para R$ 0,50.

O orçamento para alimentação escolar chegou neste ano a R$ 5,5 bilhões. Antes da transição, eram previstos R$ 3,9 bilhões para esse fim.

Como um todo, os recursos do MEC em 2023 tiveram um incremento de cerca de R$ 11 bilhões. Essa recomposição possibilitou outro reajuste, no valor das bolsas de pesquisa, que num era reajustadas desde 2013. O aumento para benefícios de mestrado e doutorado será de 40%

Com mais recursos, a pasta também liberou R$ 250 milhões em de recursos para obras escolares que estavam represados.

Os reajustes e a o foco em destravar as obras paradas eram promessas de campanha de Lula e os anúncios tem ocorrido. Mas outras políticas públicas seguem paradas, como a de alfabetização.

Assim que assumiu como ministro da Educação, o ex-governador do Ceará Camilo Santana (PT) prometeu que o país conheceria um novo pacto pela alfabetização na idade certa nesses três meses. Por ora, só foi anunciado uma pesquisa para tentar definir o que deve ser considerado uma criança alfabetizada.

Também continuam indefinidos outras promessas, como um fomento a escolas de tempo integral e a retomada do Fies. Questionado, o ministério não respondeu.

Até agora, a ação da MEC que mais atraiu atenções nem sequer estava no alvo inicial da pasta.

Pressionado por críticas crescentes de educadores e estudantes, o governo decidiu suspender tanto a implementação do novo ensino médio quanto as alterações previstas no Enem 2024, que adequaria a prova ao novo formato.

A reforma, aprovada em 2017, prevê uma flexibilidade curricular e começou a ser implementado para os alunos em 2022. A ação, porém, acumula uma série de problemas e parcela de especialistas, sindicatos e estudantes pedem o fim do novo ensino médio, o que dependeria do Congresso. Lula já disse que não fará a revogação, mas que planeja realizar ajustes.

A suspensão foi decidida, em grande parte, para tentar amenizar o desgaste que o governo tem sofrido com grupos que pedem a revogação e que, tradicionalmente, são próximos do PT —como movimentos estudantis e sindicatos de professores.

Para aplacar as críticas, o MEC já tinha criado em março um grupo de trabalho para coordenar uma consulta pública para a avaliação e reestruturação da política.

Apesar da suspensão dos prazos, as escolas continuam a oferecer as aulas de acordo com o novo ensino médio. O governo promete decidir por ajustes na política após o resultado dessa consulta, que ainda não teve atividades públicas.

Alexandre Schneider, que foi secretário de Educação da cidade de São Paulo, afirma que essa consulta foi criada mais por pressão do que convicção, até porque poderia ter sido feita nos primeiros dias e não somente agora.

"É muito positivo a volta de um ministério da Educação com uma equipe experiente e que está buscando o diálogo", diz ele. "Mas ainda falta apresentarem uma agenda clara do que o governo quer para a educação. Talvez o fato de não terem se preparado ou imaginado que a questão do ensino médio mobilizaria tantos educadores, estudantes e especialistas fez com que o MEC perdesse um pouco de tempo".

Schneider pondera que os ataques de 8 de janeiro criaram um abalo no governo como um todo e colaboraram para que houvesse maior dificuldades de entregas mais consistentes. Essa também é a opinião de Claudia Costin, do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV.

"Estamos indo devagar no governo mas há algumas razões para entender, daqui a um tempo talvez esteja devagar demais. Mas não tem nem comparação com os 100 dias de Bolsonaro", diz ela. "Não é secundário de que se trata de um governo que gosta de políticas públicas e, em educação, esse traço é fundamental para a gente poder avançar."

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