Ele não tirou minha vida, mas levou minha profissão, diz professora vítima de ataque em escola

Atingida por 14 tiros desferidos por ex-aluno, Aristênia Martim, 51, diz sentir medo de voltar à sala de aula

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Aracruz (ES)

Em abril, quando o Brasil registrou uma onda de ameaças contra escolas, duas professoras de Aracruz (ES) desligaram as televisões de casa e passaram dias evitando as redes sociais. O que para o restante do país despertou o temor de uma possível violência, para elas é uma realidade da qual ainda sofrem as consequências físicas e psicológicas e que as impede de voltar para a sala de aula.

Na manhã de 25 de novembro, Aristênia Mancini Martim, 51, estava na sala dos professores com os colegas quando foi atingida por 14 tiros desferidos por um ex-aluno. Poucos minutos depois, Juliana Pessotti Ribeiro, 43, dava aula em uma escola vizinha quando ouviu os disparos de uma arma de fogo que atingiram sua filha Thaís, 14, que estudava na mesma unidade.

Aristênia Martim, de 51 anos, foi atingida por 14 tiros desferidos por ex-aluno de escola em Aracruz (ES)
Aristênia Martim, de 51 anos, foi atingida por 14 tiros desferidos por ex-aluno de escola em Aracruz (ES) - Karime Xavier / Folhapress

As duas professoras foram vítimas de um ataque feito por um adolescente de 16 anos. O menino invadiu primeiro a escola estadual Primo Bitti, onde matou três professoras e deixou outros 8 feridos. Ele, em seguida, dirigiu o carro do pai por um quilômetro até o Centro Educacional Praia de Coqueiro, uma escola particular, e matou uma aluna e feriu outras duas. As duas unidades ficam em Aracruz.

"Eu ouço falar de ataques ou ameaças e começo a chorar. Minha vida virou do avesso depois daquele dia. Não é possível que o país não tenha se mobilizado para evitar que outros professores e alunos passem pelo que eu estou vivendo", diz Aristênia.

Ela passou um mês internada para se recuperar das cirurgias após ser atingida pelos tiros —duas balas continuam alojadas em seu corpo. Ela voltou a andar há apenas algumas semanas e segue de licença médica.

Professora de português há 30 anos, Aristênia não consegue nem pensar em voltar para a sala de aula. Diz sentir um desconforto e uma vontade de chorar apenas ao pegar os livros da escola ou tentar escrever.

"Eu brinco que já nasci professora, quando era pequena eu dava aula para as minhas bonecas. Agora, não consigo nem pensar em entrar em uma escola sem sentir um nó na garganta. Aquele rapaz não conseguiu tirar minha vida, mas tirou de mim a minha profissão, o meu sonho."

Aristênia foi professora do autor do crime por alguns meses, antes de ele abandonar a escola. Ela também era amiga e trabalhou por 20 anos com a mãe do adolescente na Primo Bitti. "Eu conhecia aquele menino, a família dele. Eu tinha um carinho enorme por ele. Não consigo entender como ele foi capaz de fazer aquilo, de machucar e tirar a vida de quem se preocupava com ele", conta.

"O meu medo de voltar para a sala de aula agora é pensar que, assim como ele, podem ter outros alunos que precisam de tratamento psicológico e ninguém percebeu, nem mesmo os pais. Não posso voltar e ser uma professora que vai ter medo dos alunos, não conseguir ser carinhosa com eles como sempre fui."

Já Juliana, que é professora de turmas dos anos iniciais do ensino fundamental, quer voltar a dar aulas depois de ser incentivada pela filha.

"Outro dia, ela foi até o meu armário, pegou a blusa de uniforme que eu usava na escola e fez sinal para que eu vestisse. Ela não vê a hora de todos nós retornarmos à rotina, recuperarmos a nossa vida", diz Juliana.

Depois de quatro meses internada e diversas cirurgias, Thaís voltou para casa em abril. Ela foi atingida na cabeça por um disparo e está começando a recuperar os movimentos e a fala.

Thaís, 14, vítima do ataque em Aracruz, com os pais Juliana Ribeiro e Almir da Silva
Thaís, 14, vítima do ataque em Aracruz, com os pais Juliana Ribeiro e Almir da Silva - Karime Xavier /Folhapress

Thaís começou a estudar no Centro Educacional Praia de Coqueiro no ano passado, quando a mãe foi contratada para dar aula na unidade.

"No começo do ano [passado], ela chorou demais porque foi mal nas primeiras provas. Depois começou a estudar mais e estava tirando as melhores notas da sala. Ela é estudiosa, inteligente, adora ir para escola", conta Almir da Silva, 47, pai da menina.

Sem ter recuperado a fala, Thaís mostrou fotos da escola e dos colegas quando questionada pela Folha sobre o que mais sente saudade.

"Ver que ela tem essa vontade tão grande de voltar para a escola, mesmo depois de ter acontecido esse pesadelo, me dá muita força e coragem para continuar dando aula", diz a mãe.

Como Thaís ainda vai passar por um tratamento de reabilitação em um hospital especializado em Salvador (BA), Juliana continua de licença da escola.

Ainda que se sinta encorajada a voltar, ela diz se assustar com a naturalização da violência dentro das escolas. Para ela, o aumento de ataques registrados no Brasil mostra como os pais precisam se atentar mais ao comportamento dos filhos e ser mais parceiros dos professores.

"A violência foi se naturalizando dentro da escola, os pais não se importam quando os filhos são desrespeitosos com os professores e os colegas. A gente vive essas agressões há muito tempo e, agora, elas escalaram para esse horror. Eu espero que, depois de ver essa situação extrema, todos percebam que são responsáveis por combater a violência."

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