Após aquisições milionárias, Grupo Vitamina encolhe em silêncio em meio a dívidas e processos

Um protesto está marcado para domingo (22), às 10h, na frente do Consulado do Chile

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São Paulo

O grupo chileno de educação infantil Vitamina chegou ao Brasil em 2019 com a promessa de revolucionar a área. Em um início agressivo, comprou 37 escolas, a maioria em São Paulo, e projetava ter mais de cem no país. Passados quatro anos, porém, o grupo realiza uma retirada silenciosa, deixando um rastro de problemas judiciais, dívidas e críticas de pais e professores.

O Vitamina entrou no país com aporte financeiro da Península, da família de Abílio Diniz. A relação, no entanto, começou a ter problemas, e o fundo de investimentos brasileiro se retirou do negócio em meados do ano passado.

Desde então, conforme a Folha tem mostrado, os funcionários e fornecedores enfrentam atrasos e falta de pagamentos, escolas estão fechando as portas e os pais são pegos de surpresa. O grupo acumula processos trabalhistas e por não pagamento de aluguéis.

A reportagem questionou a advogada que representa o grupo, Suen Chamat, e ela respondeu que "apenas conduz os processos" e que somente a assessoria de imprensa poderia dar declarações. A assessoria foi acionada por mensagem nesta quinta (19) e pediu que as perguntas fossem enviadas por email. Nesta sexta (20), afirmou que os questionamentos estão sendo tratados por um porta-voz, mas não foi informado prazo para resposta.

Fachada da Escola Amor Perfeito, em Perdizes, que está com os alugueis atrasados e com processo judicial para despejo - Karime Xavier/Folhapress

Segundo o advogado Joel Batista, que representa um grupo de ex-funcionários, fornecedores, pais e ex-donos de escolas, o grupo Vitamina responde a cerca de 300 processos. "São aproximadamente 250 processos trabalhistas e 50 ações cíveis contra o grupo. O total chega a cerca de R$ 100 milhões", diz.

Em um aplicativo de comunicação, um grupo chamado Apoio às Vítimas da Escola Vitamina em SP tem mais de 500 pessoas. Eles marcaram um protesto contra a empresa na frente do Consulado do Chile, na avenida Paulista, no próximo domingo (22), às 10h, para chamar a atenção para os problemas enfrentados.

Lá, não faltam relatos de pessoas que dizem que se sentir enganadas pelo Vitamina. É o caso de Maurício Lima que, em 2021, vendeu uma de suas escolas, a Blue Sky unidade Morumbi, para o grupo.

O dono do prédio onde a instituição funcionava teria relutado em manter o aluguel para o grupo. Só aceitou depois que Lima deixou um imóvel particular seu como caução.

"Foi o que foi feito, eu deixei um imóvel da minha família como caução. Acabei ficando como uma espécie de fiador do grupo. Eles pararam de pagar o aluguel e o dono do prédio ajuizou. O valor da ação de despejo é mais de R$ 400 mil. Já estou dando meu imóvel como perdido porque sei que o Vitamina não vai pagar", afirma Lima.

Após perder quase todos os alunos, a unidade fechou as portas em julho deste ano. Segundo Lima, os funcionários não receberam os salários e demais direitos trabalhistas e estão entrando com ações judiciais contra o grupo e também os antigos donos.

"Eles não podem vir do Chile acabar com tudo aqui e ir embora sem dar satisfação, em silêncio", reclama Lima.

Outra mantenedora, como são chamados os proprietários de escola, é Soraia Nunes, que também vendeu sua escola, a Peraltinhas, na Mooca, para o Vitamina, por cerca de R$ 1,2 milhão em 2020. O pagamento seria em cinco parcelas anuais, sempre no mês de julho, segundo a ex-proprietária.

"Pagaram a parcela de 2021 e a de 2022. Não pagaram a deste ano. Não tivemos mais retorno de emails, ligações ou mensagens. Executamos o contrato de compra e venda, mas sinceramente não estamos com esperança de receber."

A unidade também encerrou as atividades neste ano.

"Mandaram todos os funcionários embora e não pagaram ninguém. No início do ano, tivemos audiências trabalhistas e o Vitamina mandou representantes. Depois de julho não mandam mais ninguém, e os casos estão sendo julgados à revelia. Os processos trabalhistas agora estão caindo sobre nós, os antigos donos", diz.

Ainda segundo ela, o grupo está em débito com os aluguéis do prédio e contas de consumo, como água, luz e telefone, que ainda estavam em nome dela e da sócia.

A auxiliar de limpeza Luana Pereira, 20, conta que trabalhou para o grupo por cerca de um ano, na escola Espaço Singular, no Brooklin, e no Eco Berçário, na Vila Andrade. A primeira já não existe mais. Pereira foi desligada em julho e diz que não recebeu nada.

"Não pagaram salários, férias, o FGTS nunca foi depositado. Tenho filho de três anos, estou desempregada e passo dificuldades. Tive audiência em setembro e ninguém da empresa apareceu. Nem o seguro-desemprego consegui pegar. O juiz me deu ganho de causa", afirma.

Temístocles de Almeida Passos, 59, conhecido como Nenê, é proprietário da Casa de Frutas Nenê, que existe desde 1987. Ele conta que entregava frutas e verduras para uma das unidades compradas pelo grupo e passou a fornecer alimentos para todas as 37 unidades, em São Paulo, Grande São Paulo, Campinas, Santos e São José dos Campos.

"Era uma operação grande, dava trabalho atendê-los. Mas eu fazia com muito carinho. Entregava toda segunda. No começo pagavam certinho. Mas, no início deste ano, pararam e virou uma bola de neve. Queriam baixar para R$ 25 mil por mês, mas o custo era de R$ 30 mil por semana. Me devem mais de R$ 400 mil", afirma.

Nenê diz que não foi mais atendido por nenhum de seus contatos do Vitamina.

A professora Danielle Paranhos, 39, conta que trabalhou por 12 anos na escola Mundo Melhor, na Pompeia, e foi desligada em fevereiro deste ano, sem receber nada.

"Disseram que não tinham dinheiro para pagar os meus direitos. Me coagiram a aceitar o parcelamento em 11 meses. INSS e FGTS não pagavam desde o ano passado. Pagaram só o primeiro e sumiram. Não me atendem, não respondem email. E continuam enviando a rematrícula para 2024 mesmo para as escolas com ordem de despejo", relata.

A professora diz que passou por apuros até conseguir outra colocação. "Fiquei com contas atrasadas, bancos me ligando, estou pagando um monte de juros pelos atrasos de pagamento e ficamos sem nenhum posicionamento do Vitamina", diz.

Muro pintado de azul e amarelo com o nome da escola
Fachada da escola Primeiro Passo, no Paraíso, fechou as portas em 18 de agosto de 2023 - Francisco Lima Neto - 17.ago.2023/Folhapress

Outra pessoa que ficou no prejuízo é Lílian Arruda, oncologista e pesquisadora, que mantinha dois filhos autistas, de quatro e cinco anos, na unidade Pueri Regnum, no Brooklin.

Ela já tinha pago o ano todo, das duas crianças, mas as retirou da escola no segundo semestre. Diz que comunicou o colégio sobre a decisão mas não recebeu resposta, tampouco o dinheiro de volta.

"Foi muito doloroso acompanhar o que aconteceu ali. A última professora do meu filho mais velho, que saiu, tinha mais de 25 anos de história na escola. Todos os funcionários com uma dedicação absurda. Eram profissionais que não recebiam seus salários, e pouco a pouco a gente foi notando a perda de qualidade. Deixaram de ter aula de inglês e atividades físicas, por exemplo. Foi se perdendo toda a estrutura que a escola tinha", relata Arruda.

A reportagem conseguiu contabilizar ao menos 45 processos judiciais de cobranças de aluguel e despejos. Por vezes, uma mesma unidade tem mais de um processo.

Em um deles consta que o Vitamina não paga o aluguel e o IPTU onde funciona a escola Amor Perfeito, em Perdizes, desde novembro do ano passado.

"Tive que ingressar com dois processos na Justiça, que estão sendo cuidados pelo meu advogado", diz Maria Helena Serra Netto Fioravanti, dona do imóvel. "A escola continua funcionando sem pagar os aluguéis há quase um ano."

A Folha entrou em contato com a unidade na quinta e ela continuava fazendo matrículas e aberta para que os interessados possam visitá-la. O grupo ainda mantém um site onde constam 19 escolas em operação.

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