Escola pública do CE vence colégios dos EUA e da Europa e leva prêmio de melhor do mundo

Unidade de Carnaubal recebeu R$ 246 mil com projeto de atendimento psicológico para alunos, sendo a melhor entre 34 países

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Rio de Janeiro

Uma escola pública em Carnaubal (CE), cidade com 17 mil habitantes, levou o prêmio de melhor do mundo na área de apoio a vida saudável no início do mês, desbancando instituições privadas dos EUA e do Reino Unido. O colégio cearense foi reconhecido por um projeto em que estudantes recebem atendimento psicológico gratuito com profissionais voluntários.

O concurso World’s Best Schools [melhores escolas do mundo], realizado pela plataforma britânica de educação T4 Education, reconhece instituições com práticas que elevam a qualidade de vida e educação dos estudantes.

A Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Joaquim Bastos Gonçalves concorreu na categoria "promovendo vidas saudáveis". Houve inscrições de 34 países na categoria, segundo a organização do prêmio.

Imagem mostra três alunas vestindo uniforme da escola com pontes de tinta. Elas olham para um papel onde uma delas está fazendo um desenho. O uniforme é branco com litras verdes na manga.
Alunas da Escola Joaquim Bastos Gonçalves, em Carnaubal (CE), participam de oficina de arte-terapia; colégio levou um dos prêmios de melhor do mundo - Divulgação

Além do reconhecimento, a escola receberá US$ 50 mil (cerca de R$ 246 mil) como premiação. O valor será usado para construir uma sala de acolhimento, onde os alunos podem fazer a consulta ou ser atendidos em momentos de crise psicológica.

Cerca de 35 alunos já foram beneficiados pela iniciativa, denominada "Adote um Estudante". Os participantes perceberam melhora na continuidade dos estudos e na própria qualidade de vida.

"Temos um município bastante carente, então a rede pública não sustenta a demanda. As famílias, que não têm condições de arcar com o acompanhamento particular, muito menos", afirma Helton Brito, diretor da escola.

Sintomas de depressão entre jovens de até 19 anos cresceram 26% em todo mundo durante a pandemia, segundo estudo publicado em maio na revista científica Jama Pediatrics.

Foi o que Guilherme Barroso, professor de educação física da escola, percebeu enquanto dava aulas. Ele ouviu relatos de estudantes que se sentiam mais ansiosos, tinham dificuldades em interagir na sala de aula e enfrentavam até distúrbios mais graves, como automutilação.

Barroso passou a buscar psicólogos dispostos a atender os alunos voluntariamente, nas redes sociais e comunidades de terapeutas.

Imagem mostra a fachada da escola cearense, que tem muros brancos com pinturas verdes e laranjas
A escola Joaquim Bastos Gonçalves fica em Carnaubal, cidade do interior do Ceará - Divulgação

"No início, muitos psicólogos não acreditavam que existia essa iniciativa. Com o tempo e com persistência, nós conseguimos convencê-los", afirma.

Hoje, o projeto conta com 20 profissionais. Os atendimentos são feitos a distância, na casa do próprio aluno ou em uma sala reservada no colégio, para os pacientes que não tem internet ou estrutura onde moram.

Os pais dos alunos também foram envolvidos em todo o desenvolvimento do projeto. No início, os funcionários da escola fizeram reuniões com os responsáveis dos estudantes sobre a importância do tratamento psicológico, uma vez que o tema ainda é estigmatizado. Hoje, para alunos beneficiados, a primeira consulta é sempre feita com a família.

Maria Clara, 16, é uma das beneficiadas. Aluna da 2ª série do ensino médio, saiu do Rio de Janeiro para morar em Carnaubal em 2021. Segundo ela, a mudança afetou sua saúde mental.

Problemas com relacionamentos no colégio também a afastaram de atividades do dia a dia, como o grêmio estudantil. Os professores perceberam o distanciamento da aluna e, por isso, perguntaram se ela tinha interesse em ser atendida por um dos psicólogos.

A adolescente está há dois meses em processo terapêutico e já percebeu a diferença. "A psicóloga me escuta e me entende, da maneira que estou sentindo. Eu desabafo com professores, com amigos, mas não é a mesma coisa que falar com um profissional. Coisas que ficavam martelando na minha cabeça já não ficam mais."

Segundo o diretor Helton Brito, eles costumam esperar os alunos tomarem a iniciativa para buscar atendimento. No entanto, funcionários da escola também reparam em comportamentos que podem ser um indício de fragilidade emocional.

"Eles têm um olhar sensível para identificar o aluno, então conseguem identificar isolamento e crises. O envolvimento no projeto é de todos que fazem a escola", declara.

O projeto também conta com uma frente de arte-terapia, tocada por outra docente da instituição. Os estudantes participam de oficinas de crochê, pintura, artesanato, entre outros.

A modalidade engloba todos os alunos, inclusive os que não se sentem confortáveis com o atendimento com psicólogo.

"Um dos grandes sintomas [de problemas de saúde mental] é a dificuldade do aluno socializar ou permanecer dentro de sala de aula. A arte-terapia busca essa integração", afirma Helton Brito.

Imagem mostra mesa branca cheia de materiais usados para a arte-terapia, como pétalas de flores
A arte-terapia é uma das frentes do projeto de saúde mental da escola - Divulgação

Hoje, escolas em todo o país buscam Guilherme Barroso e outros professores da escola cearense para adotar a mesma iniciativa. Eles ensinam a buscar terapeutas e a estruturar o projeto para atender os alunos.

A lei 13.985/2019 tornou obrigatória a presença de psicólogos ou assistentes sociais em escolas públicas no país.

Segundo Angela Soligo, professora da faculdade de educação da Unicamp, é preciso garantir o cumprimento da legislação para que esses profissionais possam contribuir no ensino.

Para ela, o trabalho do psicólogo na escola deve ser mais voltado ao papel institucional, que envolve a colaboração com a equipe pedagógica e o acompanhamento da aprendizagem.

"Uma escola que promove bem-estar tem estrutura adequada, professores valorizados e alunos que se sintam acolhidos e respeitados. E, nessa escola, precisamos contar com psicólogos."

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