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Livros só de mulheres na Fuvest são importantes para conscientização, dizem professores

Atualização, que inclui obras de Rachel de Queiroz e Conceição Evaristo, vale a partir da seleção para 2026

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São Paulo

A decisão da Fuvest, que seleciona os ingressantes da USP (Universidade de São Paulo), de exigir uma lista de leitura só com obras escritas por mulheres no vestibular dos próximos três anos é importante para inclusão, mas pode provocar resistência de parte dos alunos e professores. A conclusão é de especialistas ouvidos pela reportagem.

A nova lista, antecipada pela Folha, vale a partir da prova que será realizada em 2025 para ingresso na universidade em 2026 e deixa de fora autores como Machado de Assis, presença obrigatória nas relações até este ano.

"É importantíssima a iniciativa da Fuvest. No Brasil, a autoria feminina sempre foi deixada de lado. Em escolas, começam a estudar autoras mulheres somente a partir do modernismo, com Clarice Lispector ou Lygia Fagundes Telles", diz Maria de Lourdes da Conceição Cunha, professora de literatura do Colégio Objetivo.

Cunha diz acreditar que os candidatos vão gostar bastante das escritoras presentes na lista. "Ela é muito diversa, com narrativas tradicionais e atuais, tudo de muita qualidade."

A escritora Rachel de Queiroz, que estará na Fuvest a partir de 2026 com o livro "Caminho de Pedras" - Juarez Cavalcante- 24.nov.2010/Folhapress

As seguintes autoras estarão entre as leituras obrigatórias: Conceição Evaristo, Djaimilia Pereira de Almeida, Julia Lopes de Almeida, Lygia Fagundes Telles, Narcisa Amália, Nísia Floresta, Paulina Chiziane, Rachel de Queiroz e Sophia de Mello Breyner Andresen.

Para Vinicius Teixeira, professor de literatura do Curso e Colégio Oficina do Estudante, a inserção dos nomes não é só importante, mas revolucionária por enfrentar o machismo estrutural brasileiro.

Francielly Baliana, professora de literatura do curso Poliedro, porém, prevê uma certa resistência de parte dos alunos e professores em relação à exigência só de obras escritas por mulheres nos próximos anos.

"Muitos alunos e famílias vão achar desnecessário. Até alguns professores apegados a certos autores e não entendem que a literatura também caminha, se transforma", diz Baliana, destacando que essa mudança na USP será uma oportunidade para os brasileiros olharem pela perspectiva das mulheres que serão representadas.

"É mostrar para os meninos, principalmente, outros tipos e perspectivas femininas. Muitos crescem lendo e vendo no cinema um estereótipo de mulher, e agora mostraremos outras realidades femininas."

A professora afirma que a USP sempre foi preocupada com o cânone (norma literária), exigindo obras clássicas, diferentemente da Unicamp, que já havia admitido autores contemporâneos e estrangeiros.

"É sintomático que, ao longo da literatura, quando fomos reposicionando o espaço no cânone, muitas mulheres foram reconhecidas, mas não permaneceram, como Carolina Maria de Jesus. Mas por que não ficou? É uma espécie de repulsa", diz. "É um valor historicamente construído por homens, para homens e sobre homens."

Baliana também destaca que essa exigência por outras autoras dará a oportunidade de entender a complexidade do que é ser mulher no país.

"Clarice Lispector não representa boa parte das mulheres brasileiras. Ela vai trazer uma questão de um ponto de vista de uma mulher branca, com questões estrangeira e nordestina, mas não dá conta da realidade negra. Ela não é representativa disso."

Em relação à discussão se as autoras representarão o papel até então ocupado pelos clássicos, a professora afirma acreditar que sim. E cita a romancista Julia Lopes de Almeida (1862-1934) como digna representante de seu estilo literário.

"Machado de Assis é o grande fundador da ABL (Academia Brasileira de Letras), onde a Julia Lopes de Almeida teve negada uma cadeira. Mas em termos de história e do movimento do século 19, em substituição a Machado, Julia tem muito a dizer sobre aquele tempo também."

A professora reconhece que essa mudança da Fuvest é importante, mas já sugere que, no futuro, o leque seja aberto para autoras indígenas, quilombolas e transexuais, para que todas as mulheres sejam contempladas. "É um avanço."


LIVROS DA FUVEST

Veja abaixo as listas completas das leituras obrigatórias para entrar na USP nos próximos anos

Fuvest 2026
"Opúsculo Humanitário" (1853) – Nísia Floresta
"Nebulosas" (1872) – Narcisa Amália
"Memórias de Martha" (1899) – Julia Lopes de Almeida
"Caminho de Pedras" (1937) – Rachel de Queiroz
"O Cristo Cigano" (1961) – Sophia de Mello Breyner Andresen
"As Meninas" (1973) – Lygia Fagundes Telles
"Balada de Amor ao Vento" (1990) – Paulina Chiziane
"Canção para Ninar Menino Grande" (2018) – Conceição Evaristo
"A Visão das Plantas" (2019) – Djaimilia Pereira de Almeida

Fuvest 2027
"Opúsculo Humanitário" (1853) – Nísia Floresta
"Nebulosas" (1872) – Narcisa Amália
"Memórias de Martha (1899) – Julia Lopes de Almeida
"Caminho de pedras" (1937) – Rachel de Queiroz
"A Paixão Segundo G.H. (1964) – Clarice Lispector
"Geografia" (1967) – Sophia de Mello Breyner Andresen
"Balada de Amor ao Vento" (1990) – Paulina Chiziane
"Canção para Ninar Menino Grande" (2018) – Conceição Evaristo
"A Visão das Plantas" (2019) – Djaimilia Pereira de Almeida

Fuvest 2028
"Conselhos à Minha Filha" (1842) – Nísia Floresta
"Nebulosas" (1872) – Narcisa Amália
"Memórias de Martha" (1899) – Julia Lopes de Almeida
"João Miguel" (1932) – Rachel de Queiroz
"A Paixão Segundo G.H." (1964) – Clarice Lispector
"Geografia" (1967) – Sophia de Mello Breyner Andresen
"Balada de Amor ao Vento" (1990) – Paulina Chiziane
"Canção para Ninar Menino Grande" (2018) – Conceição Evaristo
"A Visão das Plantas" (2019) – Djaimilia Pereira de Almeida

Fuvest 2029
"Conselhos à Minha Filha" (1842) – Nísia Floresta
"Nebulosas" (1872) – Narcisa Amália
"Dom Casmurro" (1899) – Machado de Assis
"João Miguel" (1932) – Rachel de Queiroz
"Nós Matamos o Cão Tinhoso!" (1964) – Luís Bernardo Honwana
"Geografia" (1967) – Sophia de Mello Breyner Andresen
"Incidente em Antares" (1970) – Érico Veríssimo
"Canção para Ninar Menino Grande" (2018) – Conceição Evaristo
"A visão das Plantas" (2019) – Djaimilia Pereira de Almeida

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