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Excluída da ABL, Júlia Lopes de Almeida escreveu livro sobre família burguesa

Substituída pelo marido na primeira lista de imortais, autora escreveu sobre traição no Rio de Janeiro da virada do século 20

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Porto Alegre

Uma mulher burguesa de meia-idade, que ascendeu socialmente por meio do casamento, mãe de quatro filhos e infiel. Camila, a protagonista do romance realista "A Falência", de Júlia Lopes de Almeida, é mais independente do que seus figurinos deslumbrantes da moda do final do século 19 deixam transparecer.

Quando seu amante, o médico Gervásio, fala a ela de um livro que havia lido —"trata-se de um amor um pouco parecido com o nosso"— , ela afirma que o livro deve estar "cheio de injustiças e mentiras perversas". Isso porque, ela presume acertadamente que os romances da época impunham às mulheres remorsos de todos os tipos pelos infortúnios sofridos.

mulher idosa branca
A escritora Júlia Lopes de Almeida, autora de 'A Família Medeiros', em retrato sem data - Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional/Reprodução

Camila fala, mas sua voz se confunde com a da própria autora, como se Almeida explicasse seu próprio ponto de vista e apontasse para características do seu programa literário.

"Os senhores romancistas não perdoam às mulheres; fazem-nas responsáveis por tudo —como se não pagássemos caro a felicidade que fruímos! Nesses livros tenho sempre medo do fim; revolto-me contra os castigos que eles infligem às nossas culpas, e desespero-me por não poder gritar-lhes: hipócritas!"

Publicado em 1901, "A Falência" integra a Coleção Folha de Clássicos da Literatura Luso-Brasileira e chega às bancas neste domingo. Júlia Lopes de Almeida foi uma escritora abolicionista e autora de inúmeros romances, contos e colaborações para a imprensa. Em 1896, ela integrou o grupo que criou a Academia Brasileira de Letras, a ABL, no Rio de Janeiro, ao lado de figuras como Machado de Assis.

Seu nome integrava a lista dos primeiros 40 imortais da instituição. Todavia, em 1897, quando a ABL se consolidou, ela não assumiu uma cadeira e ficou de fora. No seu lugar, quem assumiu o posto foi Filinto de Almeida, seu marido. A exclusão da autora foi justificada por razões importadas. A ABL seguia o modelo francês, supostamente avançado, mas que não permitia a presença de mulheres.

"A primeira mulher só entraria na ABL 80 anos depois, período em que a obra de Júlia caiu num esquecimento que nenhum critério artístico justificava", escreveu Sérgio Rodrigues, na contracapa do volume.

Seja sua biografia, marcada por fatos como a exclusão da ABL, seja o enredo de "A Falência", a produção da autora permanece muito atual levantando questões como o feminismo, mas não somente. Como diz o título, "A Falência" narra a bancarrota de uma próspera família, vítima tanto da ganância do patriarca, Francisco Teodoro, como de uma crise econômica no setor do café na virada para o século 20.

Se o tema era pertinente na época do lançamento do romance, quando o Brasil vivia a iminência da crise com o agravante de uma superprodução nacional do grão, atualmente ele segue pertinente. Não foram raros os casos de famílias que perderam economias nos últimos anos em esquemas de pirâmides financeiras e criptomoedas, por exemplo, além do contexto de recessão propriamente dito.

"Francisco Teodoro investe toda a sua fortuna na Bolsa de Valores e acaba perdendo tudo, ficando na miséria muito rapidamente. A decepção é muito grande, levando-o ao suicídio. Talvez um ato de egoísmo, uma vez que a sua família é que ficará na miséria e deverá lidar com a pobreza", diz Cristina Löff Knapp, professora de letras da Universidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, e uma das organizadoras da obra "Interpretações e Reverberações em Júlia Lopes de Almeida", da Educs.

"Temos diversos casos de pessoas que do dia para a noite veem seus investimentos não darem certo e perdem toda a sua fortuna."

Depois da falência, a viúva Camila precisará assumir o papel de chefe da família, outro tema contemporâneo. Ela assumirá a educação das filhas pequenas, que chegaram a ser entregues a uma família abastada para que fossem cuidadas.

"Isso foi uma das grandes questões defendidas por Almeida", diz Knapp. "O trabalho e a educação para a mulher em um período no qual se privilegiava apenas a educação da mulher para o cuidado dos filhos."


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