Descrição de chapéu Congresso Nacional

Novo presidente da Comissão de Educação, Nikolas Ferreira nunca apresentou projeto sobre o tema

Deputados veem risco de discussão ideológica sequestrar atividade da comissão e prejudicar análise de temas importantes

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Brasília

Nenhum dos sete projetos de lei apresentados na Câmara pelo novo presidente da Comissão de Educação da Casa, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), tratam do tema que é o foco do colegiado.

O parlamentar é conhecido pelo apoio ao bolsonarismo e defesa de pautas ideológicas, o que, segundo interlocutores no Congresso e do governo, pode nortear suas atividades no cargo em detrimento de pautas importantes.

O deputado foi indicado por seu partido para presidir essa comissão permanente da Câmara, o que foi efetivado na quarta-feira (6). O colegiado é responsável por, no trâmite regular, apreciar projetos de lei sobre o tema, promover debates e convidar especialistas e políticos —é recorrente que ministros da Educação e dirigentes de órgãos ligados à pasta tenham de prestar esclarecimentos.

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De peruca, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) fez discurso considerado transfóbico no plenário da Câmara - Reprodução - 8.mar.2023/TV Câmara

Há receio entre parlamentares envolvidos com o tema de que discussões ideológicas sequestrem as atividades da comissão e prejudiquem a análise de matérias importantes para a área. Por isso, a visão entre eles é que a falta de conexão do deputado com a discussão sobre os desafios da educação possa impactar os debates.

É comum que a comissão seja liderada por parlamentares com algum tipo de ligação com o tema ou com proposições relacionadas. É o caso dos ex-presidentes Moses Rodrigues (União-TO), que tem projetos na área e havia sido 1º vice-presidente antes de assumir o colegiado, e a professora Dorinha (União-CE), hoje senadora e que tem histórico consistente de atuação na área. Até o deputado Kim Kataguri (União-SP), que não tem atuação destacada no tema, havia apresentado dois projetos ligados ao tema antes de assumir a cadeira, em 2022.

Muitas pautas de interesse do governo não passam pelas comissões. Mas uma preocupação é de que, enquanto o governo deposita energia para garantir aprovação de pautas prioritárias de caráter econômico ou político, a comissão se torne palco para o avanço de uma agenda no campo dos costumes.

Nikolas Ferreira foi procurado pela Folha, mas não retornou. No X (antigo Twitter), ele publicou que pretende garantir espaço para todos os membros e que "a democracia não será relativa na comissão". E elencou temas que pretende tocar.

"Neste ano de presidência, debateremos assuntos importantes e complexos como: Plano Nacional de Educação, Segurança nas Escolas, fortalecimento da Educação Básica, homeschooling, dentre diversos outros temas que são importantes para a Educação em nosso país. Para isso, realizaremos audiências públicas, criaremos subcomissões e fiscalizaremos a política nacional de educação do atual Governo. Estou comprometido em trabalhar com a Comissão para que a educação no Brasil seja um alicerce sólido para todos", disse.

Uma das bandeiras de grupos de direita e religiosos, a regulamentação da educação domiciliar (homeschooling) já foi aprovada na Câmara em 2022. O texto segue parado no Senado.

O deputado Bacelar (PV-BA) afirma que Nikolas Ferreira tem o direito de pleitear e ocupar o cargo por ser eleito, mas critica a decisão do PL de indicá-lo devido ao risco de que possa politizar e partidarizar as discussões.

"É muito ruim um deputado de primeiro mandato, no segundo ano de mandato, presidir uma comissão com a importância da Educação. E não é uma pessoa da área, não tem conhecimento", diz Bacelar. "Assuntos que precisam de muita discussão podem ficar prejudicados por uma pauta retrógrada que ele indica."

O deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) é outro que se mostra bastante preocupado com a indicação e afirma que haverá combatividade. "A Comissão de Educação não será picadeiro de circo. Que o espetáculo circense dele permaneça nas suas redes sociais", diz.

A deputada Dandara (PT-MG) classifica o novo presidente da comissão como inimigo da educação pública, diversa, plural e democrática. "Sabemos que onde a extrema direita está a discussão é reduzida a falsos debates ideológicos que querem esconder o verdadeiro projeto de censura, de exclusão e de discriminação, de criminalização dos professores e da privatização da educação", afirma.

"É uma vergonha termos um deputado presidente da Comissão de Educação condenado em segunda instância por discurso transfóbico, réu por crime de transfobia contra uma criança de 14 anos e que defende o negacionismo antivacina", acrescenta.

No ano passado, a Justiça em Minas Gerais acatou denúncia do Ministério Público contra o parlamentar por intolerância por identidade ou expressão de gênero. A denúncia foi feita em julho de 2022, depois de o então vereador por Belo Horizonte mostrar nas redes sociais parte de um vídeo sobre uma aluna trans de 14 anos no banheiro de uma escola particular da capital mineira —o registro foi feito pela irmã da aluna, também adolescente.

Em fevereiro de 2023, a Justiça em Minas Gerais já havia aceitado outra denúncia contra o parlamentar, apresentada pela deputada federal Duda Salabert (PDT), que é mulher transexual, por injúria racial. Em abril o deputado foi condenado, em primeira instância, a pagar R$ 80 mil a Salabert.

Um novo formato para formação de professores e melhorias para a carreira, ensino médio, sistema nacional de educação e recomposição dos orçamentos das universidades federais são alguns dos temas que parlamentares colocam como prioridade para as discussões na comissão.

A composição de um novo PNE (Plano Nacional de Educação) será um dos maiores desafios legislativos para o governo a partir deste ano. O plano elenca metas educacionais para o prazo de dez anos, e o atual vence neste ano. O MEC (Ministério da Educação) deve encaminhar uma proposta de texto em breve. Ainda não é possível saber se ele passará pela comissão de educação.

Quando o PNE em vigência foi definido, em 2014, uma mobilização de políticos e militantes de direita conseguiu retirar do texto metas e estratégias relacionadas à igualdade de gênero, por exemplo. É bem provável que haja novas disputas nesse sentido.

Apesar de não dedicar atenção à educação nas suas poucas propostas de novas leis, Nikolas Ferreira tem feito coro ao discurso de que haveria doutrinação ideológica de esquerda em escolas e faculdades. Ele é vice-presidente de uma frente parlamentar, articulada pelo seu partido, que tem esse objetivo.

Há um consenso entre educadores, especialistas e formuladores de políticas públicas de que essa suposta doutrinação não se configura como um desafio real da educação pública, mesmo que haja casos pontuais.

A exploração de um viés ideológico é uma das marcas de políticos de direita quando o tema é educação. Essa foi uma das características do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma suposta sexualização precoce que seria encampada em escolas é outro ingrediente comum nesse meio.

Uma das facetas legislativas desse discurso é o projeto Escola sem Partido, que defendia limitar o que os professores podem falar em sala de aula. Os parlamentares de direita que encampam essa ideia nunca conseguiram um avanço no Congresso. Em 2018, uma comissão tratou a matéria, mas encerrou os trabalhos sem conseguir votar.

Houve tentativas de retomar a pauta durante o governo Bolsonaro, mas também sem sucesso. O principal motivo foi decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que considerou inconstitucional limitar o que o professor pode falar dentro da sala de aula por princípios como a liberdade de cátedra.

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