Coletivos fortalecem alunas e professoras contra situações de machismo

Grupos feministas de instituições públicas e particulares discutem violência, questões raciais e padrões de beleza

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São Paulo

Incentivar a leitura, fortalecer a autoestima, compartilhar angústias, organizar atividades solidárias. Esses são alguns dos objetivos dos coletivos feministas criados em escolas públicas e privadas, no miolo das grandes cidades e nas periferias.

Criado em 2018 no Colégio Pedro 2º, instituição federal na zona norte do Rio de Janeiro, o Fórum das Minas surgiu como um grupo de pesquisa sobre escritoras esquecidas pela literatura. O foco são autoras dos séculos 19 e 20, como Maria Firmina dos Reis, Júlia Lopes de Almeida e Carolina Maria de Jesus.

"Fazemos não só um debate no nível técnico da literatura; a gente estuda a biografia dessas mulheres e discute a atualidade", diz à Folha Aline Andrade, uma das quatro docentes envolvidas no projeto, que oferece bolsas de iniciação científica para seis estudantes do ensino médio.

A imagem mostra um grupo de cinco jovens mulheres em um ambiente interno, possivelmente durante um ensaio. Elas estão alinhadas, com os braços cruzados e expressões concentradas. As mulheres têm cabelos cacheados e diferentes estilos de roupas, incluindo uma blusa cinza, uma camiseta preta com a palavra 'Chanel' e uma camiseta verde. Ao fundo, há uma parede decorada e alguns objetos no chão.
Integrantes de clube de dança formado por estudantes da Escola Estadual República Argentina - Jardiel Carvalho/Folhapress

"Foi marcante a parte do livro "Sejamos Todos Feministas", da Chimamanda [Ngozi Adichie], sobre como a sociedade ensina as meninas desde novas a se comportarem de certa maneira: ‘fecha as pernas’, ‘olha a roupa’", conta Júllia Vieira, 18, aluna do terceiro ano do ensino médio que está em sua segunda participação no Fórum. "Nas reuniões, falamos muito sobre como crescemos ouvindo isso."

Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Sebastião Francisco, o Negro, localizada na zona leste de São Paulo, de tanto as alunas buscarem as professoras fora da sala de aula para conversar sobre gênero, as docentes resolveram formar um espaço dedicado ao debate. Padrão de beleza, cultura do estupro, masculinidade tóxica e saúde menstrual são alguns dos temas já discutidos.

De acordo com a professora Débora Camasmie, os encontros do coletivo, do qual participam cerca de 15 estudantes, são sobretudo um lugar de afirmação e acolhimento —uma das ex-participantes, por exemplo, buscou o espaço após ser vítima de violência.

Para Isabella Sampaio dos Santos, 13, o grupo foi importante para levantar sua autoestima. "Não que eu não gostasse de mim, mas a Débora sempre enaltece pessoas pretas, então isso me ajudou em relação a inseguranças", diz a estudante do oitavo ano, que frequenta as reuniões desde 2022.

A docente também foi impactada. "Eu saí de um relacionamento abusivo graças a elas. A gente estava conversando quando uma delas falou: ‘Professora, você está vivendo isso que você fala para a gente’. Aquilo me deu força para sair de uma situação que me fazia mal", conta Débora.

A imagem mostra uma mulher e uma menina sorrindo em um ambiente interno. A mulher, com cabelo cacheado e usando um vestido longo azul escuro, segura uma carteira colorida. A menina, com cabelo preso em um coque e vestindo uma camiseta preta, está ao lado da mulher, com um sorriso largo. Ao fundo, há uma tela com uma imagem de outra mulher. O ambiente parece ser uma sala de aula, com mesas e cadeiras visíveis.
Isabella Sampaio, 13, aluna do 8º ano da EMEF Sebastião Francisco, o Negro, junto à professora Rose Andrade, da EMEI Mário de Andrade, após palestra da docente sobre transição capilar - Débora Camasmie/Arquivo pessoal

Na escola particular Nossa Senhora das Graças, na zona oeste de São Paulo, o coletivo Eu Não Sou Uma Gracinha conta com cerca de 20 meninas, do 6º ano do fundamental ao 3º ano do ensino médio, que promovem discussões e iniciativas solidárias como a arrecadação de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade.

Uma das alunas é Luiza Carvalho, 16, do primeiro ano. No projeto desde 2020, ela vê as reuniões como uma forma de criar vínculos com alunas de outras séries.

"Fico feliz com o engajamento das meninas, principalmente as mais novas. Dá uma esperança grande ver estudantes que acabaram de entrar no fundamental 2 já com vontade de participar desses espaços", afirma.

Um grupo de oito jovens sentadas em círculo no palco de um auditório. Elas estão vestindo camisetas de cores escuras e algumas têm cabelos cacheados ou trançados. O ambiente é iluminado, com cadeiras pretas ao fundo. As jovens parecem estar envolvidas em uma conversa ou atividade em grupo.
Alunas do coletivo feminista Eu Não Sou Uma Gracinha, da Escola Nossa Senhora das Graças, em São Paulo, participam de reunião no auditório da escola - Jardiel Carvalho/Folhapress

Segundo Maria Eduarda Moraes, que pesquisa a relação entre feminismos contemporâneos e a juventude pelo programa de pós-graduação em ciências sociais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a formação dos grupos parte de demandas locais específicas.

"Em algumas das escolas que visitei, as discussões sobre assédio chamam muito a atenção das estudantes, principalmente pela possibilidade de entender que a culpa de ter experienciado aquela violência não é delas", explica a mestranda.

No Colégio São Luís, escola particular na zona sul de São Paulo, o coletivo Maria Quitéria reúne mensalmente de 10 a 15 estudantes do ensino médio, em sua maioria meninas e bolsistas do período noturno.

Julia Brasil, 17, aluna do segundo ano e uma das administradoras do grupo, tem o mesmo objetivo de gerar reflexão em um espaço acolhedor. "Tivemos reuniões em que os meninos se sentiram à vontade para chorar", conta.

Os meninos também são bem-vindos nas reuniões da EMEF Sebastião Francisco e do Pedro 2º. "O Fórum é um lugar para eles ouvirem as mulheres e pensarem como o machismo também os afeta", acrescenta a professora Aline.

Questões raciais têm aparecido com mais frequência nos coletivos. "O feminismo inicialmente era racista, porque começou como uma luta de direitos para as mulheres brancas", diz Julia, do Maria Quitéria. "Mas até onde, de fato, contribuiu para as mulheres? Que mulheres eram essas?"

Quando criança, Laura Balero, 18, ouvia insultos racistas de outras meninas nas aulas de balé. "Até hoje tenho um pouco de insegurança com o meu corpo, porque para nós, mulheres negras e periféricas, é muito mais complicado sermos inseridas na dança."

Uma jovem está posando em uma escada, apoiada em um corrimão laranja. Ela usa uma blusa preta cropped e uma saia longa preta com uma fenda. Ao fundo, há um painel de cortiça com vários papéis e cartazes coloridos. A iluminação é suave, com luzes fluorescentes no teto.
Presidente do clube de dança da EE República Argentina, localizada na zona norte de São Paulo, Laura Balero, 18, é a responsável por criar as coreografias que o grupo de mais de 40 estudantes apresenta ao final dos semestres - Jardiel Carvalho/Folhapress

Desde 2022 ela lidera um clube de dança na Escola Estadual República Argentina, na zona norte de São Paulo. O objetivo é ajudar colegas a perderem a vergonha e conseguirem se expressar através da dança.

Ao final do semestre, o clube conduzido por Laura —que tem mais de 40 meninas e um menino— fará uma apresentação em outra escola da região.

Livros sugeridos pelas professoras entrevistadas

  • O Feminismo É para Todo Mundo, de bell hooks

    Rosa dos Tempos, R$ 54,90; 175 páginas

  • O Calibã e a Bruxa, de Silvia Federici

    Editora Elefante, R$ 69,90; 464 páginas

  • Feminismo em Comum, de Marcia Tiburi

    Rosa dos Tempos, R$ 44,90; 126 páginas

  • Um Teto Todo Seu, de Virginia Woolf

    Nova Fronteira, R$ 24,99; 120 páginas

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