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Treinos de força podem ajudar a lidar com traumas e cuidar da saúde mental

Este tipo de atividade física faz com que os adeptos se sintam no controle físico e psicológico

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Danielle Friedman
The New York Times

Quando Cheng Xu servia nas Forças Armadas do Canadá como paraquedista e oficial de infantaria, ele experimentou uma série de eventos traumáticos em rápida sequência –seu melhor amigo e colega oficial tirou a própria vida, um soldado sob seu comando foi ferido durante um exercício de tiro e o pai de um amigo próximo foi sequestrado.

Ele sentiu como se o mundo estivesse desmoronando ao seu redor em todos os lugares, exceto na academia, onde treinava o competitivo levantamento de peso olímpico.

"A única coisa que me ancorava era o levantamento de peso, porque era o único lugar onde me sentia seguro", disse Xu, 32, agora estudante de doutorado em Toronto. Cercado pelos ruídos metálicos dos halteres, ele descobriu lentamente o que descreveu como "as propriedades curativas do treinamento de força".

Treinamentos de força podem ajudar a lidar com traumas - Al Bello/AFP

Os psicólogos há muito concluíram que o exercício físico é benéfico para a saúde mental e, na última década, pesquisas também mostraram que pode ser uma ferramenta valiosa para lidar com o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Hoje, apesar das associações do levantamento de peso com violentas explosões de força, um número crescente de pessoas que sofreram traumas estão descobrindo que "puxar ferro" é um bálsamo.

Para muitos, os poderes de cura do esporte se resumem ao fato de que, onde o trauma os deixou desamparados, impotentes e fracos, o levantamento os ajuda a se sentir fortes –não apenas fisicamente, mas também psicologicamente.

"Levantar peso me deu um senso de gerenciamento", disse Xu. "Me deu uma sensação de controle." E com o tempo esses sentimentos levaram à sua recuperação, disse ele.​

​Aprendendo a literalmente empurrar para trás

As pessoas que sofreram traumas há muito gravitam em direção à sala de musculação, atraídas em parte pela promessa de maior força física.

Mas esses levantadores de peso tradicionalmente receberam pouca orientação sobre como treinar de uma maneira que apoie sua saúde mental e recuperação.

Os halterofilistas também tiveram que navegar por uma cultura de condicionamento físico que muitas vezes glorifica uma abordagem "sem dor, não há ganho", com foco no desempenho e aparências superficiais sobre o bem-estar em longo prazo.

"Há muita masculinidade tóxica no treinamento de força", disse James Whitworth, fisiologista do exercício e especialista em ciências da saúde no Centro Nacional de TEPT e professor assistente da faculdade de medicina da Universidade de Boston, além de veterano de combate com deficiência.

Mas à medida que mais pessoas de todos os gêneros e habilidades descobrem os benefícios do treinamento de força, a comunidade de halterofilistas está se tornando mais inclusiva e expansiva.

Grupos de saúde mental também começaram a formalizar o levantamento de peso como ferramenta terapêutica e a educar treinadores para trabalhar com clientes que vivem com traumas físicos e psicológicos. Ao mesmo tempo, a comunidade científica começa a estudar por que, exatamente, algumas pessoas com trauma acham que levantar coisas pesadas as ajuda a se recuperar.

"Há algo no levantamento de peso e no trabalho com resistência" que cria resiliência, disse Chelsea Haverly, assistente social clínica e fundadora da Hope Ignited, organização sediada em Maryland dedicada a educar organizações e médicos sobre trauma. "Não só no cérebro, mas também no corpo.

No ano passado, Haverly e Emily Young, assistente social clínica e personal trainer certificada, criaram um programa de certificação de levantamento de peso baseado em trauma para treinadores, num esforço para levar seus benefícios de saúde mental a mais clientes.

Com o levantamento, Haverly disse, "não é apenas 'Eu posso fazer coisas difíceis'. É 'Meu corpo pode fazer coisas difíceis'. É 'Não me sentia forte e agora me sinto uma fera'."

Encontrar a forma certa de exercício

À medida que mais pessoas com trauma afirmam os benefícios do halterofilismo, Whitworth e outros psicólogos estão trabalhando para entender melhor os mecanismos psicológicos e neurológicos por trás de seu potencial como ferramenta terapêutica.

"Melhorar a força física de uma pessoa de uma maneira que ela possa ver e sentir pode ser particularmente poderoso para indivíduos com TEPT", disse Whitworth, "ajudando a reformular sua visão de mundo, bem como suas ideia sobre si mesmos."

Embora quase todo tipo de exercício seja benéfico para pessoas com trauma psicológico, disse Whitworth, elas colhem os maiores benefícios quando se envolvem em treinamento de intensidade moderada a alta, que inclui levantamento de peso. O treinamento de resistência de alta intensidade, especificamente, demonstrou ajudar a melhorar a qualidade do sono e a ansiedade, o que pode melhorar a saúde e o bem-estar geral.

No entanto, as pessoas que sofreram trauma geralmente evitam o exercício inteiramente por causa da resposta ao estresse físico que ele pode gerar –pulso rápido, respiração pesada, temperatura corporal elevada–, o que pode lhes lembrar de seu trauma. Por esse motivo, é essencial ajudar os pacientes a encontrar o tipo de exercício adequado para eles.

Yoga é frequentemente recomendado para pessoas com trauma por causa de seu foco na respiração e atenção plena, mas não é para todos.

"Há todo um grupo de pessoas que têm medo disso ou não são atraídas por várias razões", disse Mariah Rooney, assistente social clínica, professora de ioga e levantadora de peso em Denver. Alguns clientes acham que a relativa calma e quietude do yoga pode desencadear ansiedade, disse ela.

O poder do esforço em incrementos

Em seu livro de 2021, "Lifting Heavy Things: Healing Trauma One Rep at a Time" (Levantando pesos: curando o trauma com um exercício por vez, em português), a personal trainer certificada e sobrevivente de trauma Laura Khoudari, de Nova York, explicou que uma das razões pelas quais ela e outros se conectam ao halterofilismo é porque ele oferece pausas regulares de intensidade –que permitem que se autoanalisem e verifiquem como estão se sentindo, o que, por sua vez, ajuda a evitar a sobrecarga.

"As pausas dão ao seu sistema nervoso a chance de se acalmar", disse Khoudari, que também concluiu o curso de terapia de trauma corporal e se tornou uma das principais defensoras do levantamento de peso como forma de cura.

"Quando estamos lidando com um trauma, nosso sistema nervoso geralmente tem menos capacidade de estresse e também menos resiliência", continuou ela. "E assim você pode usar o treinamento de força para chegar ao limite de quanto estresse você suporta." Com o tempo, isso pode expandir nossa janela de tolerância.

Por esse motivo, Whitworth e outros disseram que o halterofilismo pode ser uma ferramenta útil para pessoas submetidas à terapia de exposição, durante a qual os terapeutas incentivam os pacientes a se concentrarem em suas memórias traumáticas por períodos incrementais, curtos e controlados –não muito diferente da natureza cíclica do treinamento de força. Com o tempo, essa exposição pode neutralizar as memórias, bem como o estresse físico relacionado.

"A ideia é que eles podem ficar realmente ansiosos no começo", disse Whitworth. Mas "com o tempo, os pacientes começam a processar o fato de que essas memórias e sentimentos não são perigosos".

Combinar essa terapia com exercícios de alta intensidade, como levantamento de peso, disse ele, pode ser "especialmente benéfico".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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