Como monitorar crianças e adolescentes nas redes sociais? Escolha deve ser guiada por diálogo

Especialistas dizem que supervisão pode ser ineficaz se meninos e meninas não entenderem os motivos

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Curitiba

"Perfil monitorado pelos pais". Você já deve ter visto essa frase em alguma conta no Instagram. A onda de fiscalizar o que crianças e adolescentes fazem na internet se aplica também a jogos, canais do YouTube e ferramentas de streaming.

Uma pesquisa da Opinion Box em parceria com a Mobile Time, plataforma de estudos sobre a indústria móvel, mostrou que 89% dos pais gerenciam o que os filhos acessam no celular e 26% usam alguma ferramenta de controle de conteúdo.

A ideia é bem vista por especialistas, desde que acompanhada de muita conversa. Ajuda também a criar proteção em torno de riscos que a internet oferece, como o vazamento de dados em fraudes financeiras. Um segundo perigo é a coleta de informações pessoais para estratégias de marketing que direcionam conteúdos atraentes às crianças de modo personalizado, ao mesmo tempo em que molda o comportamento delas.

Clara Jordão, 8, tem as redes sociais monitorada pela mãe - Karime Xavier/Folhapress

A SuperAwesome, companhia britânica que auxilia desenvolvedores de aplicativos a lidarem com a privacidade infantil, estima que, até os 13 anos, uma criança terá em torno de 72 milhões de dados distribuídos no mercado.

Para Luã Cruz, pesquisador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), é preciso explicar aos filhos que as ferramentas digitais não têm neutralidade.

Erick Luis Costa Nascimento, 12, nasceu em uma geração integrada às novas tecnologias. Ganhou durante a pandemia seu primeiro celular, que é acessado de forma remota pelos pais por meio de uma extensão da Microsoft.

Uma das orientações dadas ao menino diz respeito ao tempo de uso, que é limitado em casa. "Como conversamos muito sobre o assunto, ele acatou nossas regras de forma bem consciente", diz o engenheiro Luis Paulo Finatti Nascimento, 61, pai de Erick.

A prática condiz com as diretrizes da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre o uso de dispositivos eletrônicos entre as crianças. A entidade contraindica a exposição a qualquer tipo de tela até os 2 anos. Dos 2 aos 5, o limite é de uma hora por dia e, dos 5 aos 17, duas horas diárias bastam. O abuso pode acarretar problemas neuropsicomotores e impactar a interação social, diz a pediatra Luci Pfeiffer, da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).

Responsáveis devem cuidar também do conteúdo postado em perfis públicos e manter o acompanhamento de perto até o fim da adolescência.

É importante saber, porém, que a fiscalização ajuda, mas não suficiente, segundo Ramon Costa, que integra o NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), criado para implementar projetos do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil).

Para o especialista, a "marcação cerrada" deve complementar um laço de confiança e não ser uma iniciativa isolada, feita às escondidas e em tom de ameaça.

Os filhos precisam estar cientes de quando e por que estão sendo observados – tudo dentro de um contexto didático. "Como eles vão saber que não podem clicar num anúncio fofo de bichinho se ninguém explicar o que é um spam?", diz ele.

Luis e Malu, pais de Erick, monitoram o filho por meio de aplicativos que dão acesso remoto ao celular do menino - Zanone Fraissat/Folhapress

O acompanhamento de crianças e adolescentes também é importante pois conteúdos publicados por eles podem parar em bancos de imagem de pedofilia, afirma o advogado. É preciso lembrar ainda que postagens aparentemente inofensivas podem se tornar memes que marcam a vida de uma pessoa para sempre. Portanto, tudo deve ser analisado por adultos.

Conversas em jogos digitais, redes sociais e WhatsApp também demandam atenção redobrada. Não são incomuns os casos em que criminosos atacam crianças se passando por amigos virtuais inofensivos. "A internet não é um mundo apartado da realidade. A regra do ‘não fale com estranhos’ que a gente usa no dia a dia, precisa ser dialogada sempre", diz Costa.

O assunto fica especialmente delicado quando a criança é uma figura pública e as redes sociais se tornam uma espécie de "portfólio". É o caso de Lorena Queiroz, 12, que aos cinco anos protagonizou a novela Carinha de Anjo, no SBT.

A atriz, que tem mais de 8 milhões de seguidores no Instagram, tem seu perfil administrado pela mãe, a empresária Gabriela Queiroz, 35. Cada conteúdo é analisado antes de ser postado e a menina não tem livre acesso às mensagens que chegam pela rede. O irmão Enrico Queiroz, 9, também tem sua conta, com 285 mil seguidores, e recebe o mesmo cuidado da responsável.

"Existem 'haters', perfis falsos, gente criticando. É importante explicarmos para nossos filhos tomarem cuidado com a exposição, nem tudo precisa ser falado ou mostrado", diz.

Mãe da atriz mirim Clara Jordão, 8, a empresária Tamara Jordão, 38, pensa da mesma forma. Ela gerencia o Instagram da menina, com mais de 450 mil seguidores, e acompanha tudo que a filha faz na internet. Também são frequentes as conversas sobre os riscos do ambiente digital. "O diálogo é o melhor caminho para manter seu filho fora de perigo", pontua ela.

Menina de vestido branco  cabelo preto segura celular e sorri; ela está num quarto rosa, na frente de uma parede com estrelinhas
Clara Jordão tem apenas oito anos, mas começou bem cedo a produzir conteúdo para as redes sociais - Karime Xavier/Folhapress

Os especialistas salientam que o controle não pode ser definitivo e o objetivo final é a formação de sujeitos seguros, autônomos e reflexivos. Para isso, deve-se levar em conta o desenvolvimento progressivo de capacidades, ou seja, o que a criança consegue acessar em cada faixa etária dentro do seu contexto social, conforme diz Maria Mello, coordenadora do Criança e Consumo, do Instituto Alana, organização sem fins lucrativos que atua em prol da infância.

"Os adultos também precisam estar dispostos a aprender enquanto ensinam", acrescenta Mello. "Nosso contato com o universo digital também é recente e precisamos pesquisar, compreender a fundo as ferramentas, para entregar esse conhecimento de modo seguro e cuidadoso aos filhos", diz.

10 dicas para monitorar crianças e adolescentes na internet

1. Há ferramentas que bloqueiam palavras-chave. Além de utilizá-las para impedir o acesso a temas impróprios para cada faixa etária, você pode conversar com a criança e o adolescente sobre cada uma delas, explicando por que aquele assunto é contraindicado, sugere a especialista do Alana.

2. Da mesma forma, quando fizer a curadoria do conteúdo que terá acesso liberado, diga por que um foi priorizado em detrimento de outro e pergunte aos meninos e meninas como se sentem sobre aquilo.

3. Se for usar algum aplicativo espião, que dá acesso remoto a outro celular, priorize ferramentas do próprio sistema operacional do aparelho ou de empresas como Google e Microsoft, cujos termos de uso são "minimamente transparentes," segundo o pesquisador do Idec.

4. Fale com eles sobre a falta de neutralidade dos algoritmos.

5. Limite o tempo de tela e acesso a redes sociais conforme cada faixa etária. Ferramentas do próprio Instagram ou Tiktok ajudam a fazer essa restrição.

6. Utilize serviços das redes sociais que permitam integrar contas de pais e filhos, como a Central da Família, do Instagram.

7. Baseie suas decisões em diretrizes científicas sobre o tema. Pesquise e consulte cartilhas informativas de organizações confiáveis, como o NIC.br. O órgão ajudou a desenvolver o guia "Internet Segura para seus filhos", que pode ser acessado gratuitamente aqui.

8. Introduza a criança no universo digital gradualmente, levando em conta o que ela consegue fazer em cada faixa etária. Por exemplo, a idade mínima para abrir uma conta pessoal no Instagram ou TikTok é 13 anos, já na adolescência.

9. Quando chegar o momento de abrir contas nas redes, priorize perfis fechados, acompanhe cada conteúdo postado, evitando que a criança faça publicações que exponha detalhes sobre sua vida, como uma foto de uniforme na porta da escola.

10. Não use um tom autoritário com crianças e adolescentes, nem demonize as redes. "Precisamos protegê-las na internet, e não da internet", reforça Maria.

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