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Tempo de tela de crianças e adolescentes deve ser controlado em casa e na escola

Especialistas dizem que dispositivos digitais trazem ganhos, mas uso excessivo pode atrasar o desenvolvimento cognitivo

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Curitiba

Pais, educadores e autoridades em saúde travam uma batalha contra o uso excessivo de telas, enquanto o acesso à internet cresce nas escolas. Segundo um estudo de 2022 do Comitê Gestor da Internet no Brasil, que mapeou a inclusão digital entre crianças e adolescentes no país, o acesso à rede em sala de aula subiu de 82% para 87% de 2019 a 2020. A ampliação do recurso pode ser positiva e vem ganhando espaço na agenda pública, mas acende um alerta reforçado por especialistas: é preciso regular o tempo que as crianças passam conectadas.

Os Estados Unidos têm discutido normas para moderar o uso de redes sociais entre o público. Em maio deste ano, o médico Vivek Murthy, autoridade máxima de saúde no país, elaborou um documento de 25 páginas alertando sobre os riscos do excesso das redes na faixa etária, especialmente quando o assunto é saúde mental.

"Ainda não temos evidências suficientes para determinar se redes sociais são seguras para crianças e adolescentes", escreveu.

O tempo gasto por crianças e adolescentes em frente a telas tem preocupado pais e educadores - Roman/Adobe Stock

O governo sueco tomou posições ainda mais duras. O país anunciou que em 2023 investiria o equivalente a 60 milhões de euros para acelerar o retorno dos livros didáticos às escolas, no intuito de reduzir o tempo que as crianças passam em frente aos tablets e computadores.

Para a psicóloga Cecília Antipoff, doutora em Educação pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), pais devem entender que as telas podem ser um bom recurso, mas não devem ser vistas como o principal deles.

A especialista acompanha casos em que há preferência por experiências em interfaces digitais, frequentemente repletas de filtros. A criança tende a olhar aquele universo como se fosse a vida real e ainda se sente vazia quando fica longe dele, diz. "Cheguei a ouvir uma menina de seis anos dizer que, quando fica sem celular, sente que não existe".

Segundo a psicóloga, é crescente a incidência do chamado abandono digital, quando os responsáveis negligenciam o que os pequenos acompanham na rede. A internet se tornou o primeiro contato de crianças e adolescentes com diversos assuntos, e a falta de diálogo pode causar frustração e levar a decisões equivocadas.

O estudo do Comitê Gestor da Internet no Brasil mostrou que 55% das crianças e adolescentes procuram informações sobre alimentação na internet e 36% recorrem à rede em busca de exercícios e meios para "ficar em forma". Além disso, 12% das meninas e 7% dos meninos já se depararam com conteúdos sobre maneiras de cometer suicídio.

Com quatro filhos, os publicitários de Belo Horizonte Bernardo Carmo Krauss, 46, e Maira Luiza da Fonseca e Corrêa, 43, são contra as telas nas escolas e desestimulam o uso de eletrônicos entre suas crianças, que têm entre 4 e 11 anos.

"A TV, por exemplo, fica em um quarto da casa e não no centro. O horário para assistir é restrito e o controle remoto é dividido nesse tempo", diz o pai.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) aconselha que crianças não sejam expostas a nenhum tipo de tela até dois anos de idade. Dos 2 aos 5, não devem passar mais de uma hora por dia, e, dos 5 aos 17, o limite é de duas horas diárias.

O uso excessivo de tablets, smartphones e outras plataformas entre crianças e adolescentes trazem danos diversos, diz o neuropediatra Anderson Nitsche, professor da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

Na primeira infância, quando o indivíduo começa a reconhecer os sentidos, desenvolver a fala e a capacidade de se movimentar, o predomínio do ambiente digital pode atrapalhar o progresso cognitivo e motor.

Um artigo publicado na revista sueca Ata Pediátrica mostra que o atraso no desenvolvimento da linguagem é frequente em bebês que são expostos às telas de modo passivo por períodos prolongados. "Se o problema já atrapalha os adultos, as coisas são ainda mais críticas com as crianças, que estão se desenvolvendo", aponta Nitsche.

O manejo das emoções é outro ponto comprometido. Quando começam a aprender a lidar com o que sentem, crianças são expostas a algoritmos que as recompensam com conteúdos curtos e imediatos, sem intervalos para reflexão. Isso pode interferir no modo como lidam com a frustração e reagem a problemas da vida real.

A exposição exagerada a telas também leva ao sedentarismo, aumentando o risco de condições crônicas como a obesidade, além de impactar a qualidade do sono, conforme afirma documento da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). A luz azul emitida por celulares e tablets interfere na produção de melatonina, hormônio importante para a regulação do ciclo biológico de vigília e sono, o que pode causar dificuldades para dormir e até pesadelos noturnos.

Um estudo longitudinal feito na Austrália, que avaliou crianças entre 10 e 11 anos, mostrou que o tipo de conteúdo consumido também faz diferença.

"É importante ter sempre um adulto que acompanhe não apenas quanto tempo a criança passa em frente às telas, mas também o que ela vê", diz o neuropediatra.

A consultora de negócios imobiliários Brunna Stavis, 42, de Curitiba, sempre estabeleceu períodos determinados para que o filho, Arthur de Bortoli, 13, acessasse a internet. Adepta à ideia de limitar a tela em casa e na escola, também buscou incentivar a criança a praticar esportes desde cedo. A receita levou o menino a fazer vídeos na internet sobre futebol.

"A gente impõe regras e acompanha tudo o que é feito. Hoje ele joga bola, produz conteúdos sobre esportes, tem muitas visualizações e diz que quer ser jornalista esportivo", diz Brunna.

Os especialistas reforçam a importância da construção de vínculos familiares sólidos e um monitoramento próximo do que a criança produz e acompanha na internet.

"Proibir por proibir não é um bom caminho", diz o neuropediatra. "É preciso entender e mostrar aos pequenos o que está em jogo, com um diálogo racional e resolutivo."

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