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Legalização da maconha estimula consumo de álcool em adultos, mostra estudo

Pesquisas são fundamentais para desenhar políticas públicas de redução de danos causados por drogas, diz especialista

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Nápoles

A legalização do uso recreacional da maconha pode provocar um aumento do consumo abusivo de álcool em adultos, segundo mostram os resultados de um estudo americano que acompanhou mais de 800 mil pessoas ao longo de dez anos. Para a professora e pesquisadora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Roberta Salazar Uchoa, pesquisas como essa são fundamentais para desenhar políticas públicas de redução de danos causados por essas drogas.

Na publicação da revista científica International Journal of Drug Policy, os cientistas usaram os dados coletados por meio da Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde americana e compararam as informações dos residentes de diferentes estados que adotaram leis para regular a produção e venda de maconha

Eles descobriram que 33,3% usuários de maconha na faixa dos 31 a 40 também consumiram álcool de maneira abusiva em 2019. A porcentagem era de 28,1% em 2008. O aumento também foi observado nas parcelas mais velhas da população, seja entre aqueles com idade de 41 a 50 anos (que atingiram a marca 28,3%) ou com mais de 51 anos (16,7%).

Fotografia colorida foca o rosto de um homem branco fumando maconha; o ambiente está escuro e não dá para saber a identidade dele; a fumaça do cigarro cobre parte do rosto
Homem fuma maconha - Adriano Vizoni/Folhapress

Uchoa, entretanto, diz que os resultados não permitem afirmar que o consumo de álcool está diretamente relacionado com o uso recreativo de maconha. Estudos como esse ainda são poucos pelo mundo, principalmente porque a regulamentação da droga ainda é uma novidade. Apenas Uruguai, Canadá e alguns estados americanos legalizaram a Cannabis.

A pesquisadora ainda destaca a necessidade de promover pesquisas como essa no Brasil. O país, marcado pelas desigualdades sociais e por sua população excluída do mercado de trabalho e sem acesso a bens de consumo básicos, pode ter padrões de comportamentos diferentes dos americanos.

No estudo também chama a atenção o comportamento dos mais jovens. Houve redução de 17,5% para 11,1% do consumo abusivo de álcool entre adolescentes com menos de 20 anos que fazem uso recreativo da maconha. Já na faixa de 21 a 30, as porcentagens passaram de 43,7% para 40,2%.

Outras pesquisas mostram que a legalização pode afastar as drogas das mãos dos mais novos. Nosso vizinho, o Uruguai foi o primeiro país do mundo a legalizar a Cannabis, criando leis para regulamentar a produção e venda da maconha para uso recreativo. No ano passado, pesquisadores publicaram o resultado de um estudo conduzido entre estudantes uruguaios de 12 a 21 anos.

Na pesquisa, mais de 4.000 alunos responderam a um questionário, revelando que houve queda no consumo da droga entre aqueles com menos de 18 anos. Após a regulamentação, a Cannabis passou a ser fornecida através de farmácias ou clubes de cultivadores somente a maiores de idade registrados no governo. O registro também pode dar o direito de plantar a erva em casa.

Os dados da nona pesquisa uruguaia sobre o consumo de drogas entre estudantes da escola média também revelam que houve mudança no perfil da Cannabis consumida. Em 2016, 24% usavam maconha prensada, aquela encontrada no mercado negro que pode conter substâncias desconhecidas prejudiciais à saúde. Essa porcentagem reduziu para 11% em 2021. Já as flores, provenientes da produção local, passaram a ser consumidas pela maioria dos jovens (66%). Como sofrem controle de qualidade, esse aumento representa uma melhoria da segurança dessa população.

A pesquisa também mostra que não houve variação expressiva do percentual de alunos que consumiram a droga —de 19,8% em 2016 passou para 19,0% em 2021. Além disso, mais da metade deles revelam que apenas experimentaram a maconha, mas não criaram o hábito de fumar.

Fabrício Moreira, farmacêutico e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), destaca que o uso da droga por adolescentes pode causar efeitos na saúde ao longo prazo, principalmente esquizofrenia. Nessa fase da vida, as conexões neuronais estão em formação e podem sofrer alterações pela influência do tetrahidrocanabinol (THC), substância produzida pela planta e responsável pelo efeito psicoativo.

O consumo não-medicinal da planta, segundo o pesquisador do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, também pode levar ao vício em alguns casos. Mas, considerando o potencial de risco da droga para a saúde individual e para a coletividade, Moreira avalia que a maconha é mais segura do que drogas legalizadas, como o álcool e o tabaco.

A professora Uchoa afirma que a propaganda é um inimigo maior para o abuso de álcool do que o uso recreativo de maconha. Ela, que é especialista em alcoolismo e consumo abusivo de outras drogas, vê dois caminhos nos quais a legalização da droga pode trilhar no Brasil. O primeiro é o da indústria de bebidas, que, segundo ela, foi deixada por conta de grandes grupos industriais interessados em ampliar as vendas do setor e incentivar novos consumidores.

Para a pesquisadora da UFPE, a alternativa é promover a regulamentação a exemplo do que foi feito com o tabaco. A especialista afirma que, sem encarceramentos ou proibição do uso, é possível reduzir o consumo, sobretudo proibindo qualquer tipo de propaganda. "Ninguém pode ser penalizado com pena privativa de liberdade porque usa qualquer coisa. O uso não pode ser crime", afirma.

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