Saiba como montar lancheiras saudáveis e atrativas para as crianças, sem ultraprocessados

Para a criança aprender a comer de forma saudável, os adultos também precisam ter esse hábito em casa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ana Carla Bermúdez
Montevidéu

Na correria do dia a dia, pode parecer impossível abrir mão de opções como salgadinhos, bolachas, achocolatados e refrigerantes na hora de montar o lanche que as crianças levam para a escola. Ricos em açúcar, sal, gorduras e aditivos químicos, os produtos ultraprocessados costumam ser atraentes para as crianças, além de serem considerados práticos e convenientes pelos adultos.

No entanto, é preciso ter atenção com os alimentos que compõem a lancheira: há cada vez mais evidências que relacionam o consumo de ultraprocessados a uma série de prejuízos para a saúde, entre eles obesidade, diabetes, câncer, declínio cognitivo e até depressão.

Daniel Becker, médico pediatra e sanitarista, destaca ainda uma outra consequência para as crianças: o desenvolvimento de um paladar seletivo ou "escravizado", quando há perda de interesse pela comida natural em meio a um ciclo vicioso de consumo de ultraprocessados.

Lancheira saudável
Lancheira que Livia Ferreira monta para o filho Pedro, 6 - Livia Ferreira

"Esses produtos têm uma engenharia alimentar muito bem arquitetada, que consegue montar texturas muito atraentes e que contornam o sistema de saciedade humana. Eles atuam diretamente no cérebro, pela liberação de dopamina, que dá sensação de prazer", explica.

"É nessa fase que você está educando as crianças a terem hábitos alimentares. A criança que é mais exposta a ultraprocessados, portanto, acaba preferindo um salgadinho ou um biscoito recheado em vez de comer em casa", pondera o médico endocrinologista Fabio Trujilho, vice-presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica) e diretor do departamento de obesidade da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).

Em geral, uma alimentação e uma lancheira saudáveis têm como base frutas e vegetais, alimentos à base de grãos e cereais e alimentos fontes de proteína, sejam eles de origem vegetal (como lentilha, grão de bico ou tofu) ou animal (como carnes, laticínios e ovos). Devem ser evitados, por exemplo, alimentos muito gordurosos e com açúcar refinado. Já a hidratação deve ter como base a água, buscando-se evitar ao máximo o consumo de bebidas açucaradas, como sucos ou refrigerantes.

Algumas estratégias podem ajudar a montar uma lancheira atrativa, com opções diferentes para cada dia de aula.

Lara Folster, embaixadora no Brasil do projeto Food Revolution, do chef Jamie Oliver, e fundadora da Lanche&Co, empresa que leva comida de verdade para escolas, destaca a importância da organização nesse processo.

Folster sugere separar um dia na semana para fazer o preparo básico dos alimentos, que pode envolver assar uma batata doce, um pão caseiro, cozinhar milho ou ainda cortar cenoura e pepino em palitos.

Dando preferência a opções que podem ser refrigeradas ou congeladas, basta retirar os alimentos da geladeira ou do freezer pouco antes de montar a lancheira. Para crianças que não têm alergias ou intolerâncias alimentares, também é possível incluir queijos e castanhas ou nozes.

"A organização tira o fardo da correria. Mas, se não tem jeito mesmo, dá para mandar uma fruta, como uma banana, maçã ou uva. Ou então vegetais, como cenoura e pepino em palitos", diz ela.

"Vale lembrar que é só um lanche: precisamos tirar essa espécie de mito de que a criança precisa comer muito nos intervalos entre as refeições. Refeição importante é o café da manhã, o almoço e o jantar. Nos lanches, água e fruta são suficientes, desde que sejam oferecidos em porções adequadas", afirma.

A psicóloga Lívia Ferreira, 39, conta que desenvolveu uma espécie de sistema para agilizar o preparo das lancheiras de Pedro, 6. Considerando as preferências alimentares do filho, ela separou as comidas em três grupos: no primeiro, entram aquelas que são mais saciantes, como bolo caseiro, tapioca e cuscuz; no segundo, uma fruta; no terceiro, algum tipo de castanha ou queijo.

A tabela com opções para os grupos A, B e C fica colada na porta da geladeira e serve de guia para montar as lancheiras. "Apesar de parecer trabalhoso, depois que fiz isso e consegui entender a lógica do processo, ficou muito mais tranquilo. Hoje, demoro mais ou menos 10 minutos para preparar a lancheira à noite", explica.

Além de procurar fazer receitas fáceis e rápidas, Ferreira aproveita o momento na cozinha para preparar uma quantidade maior das comidas, como bolos e muffins, para congelar. Para evitar salgadinhos ultraprocessados, ela recorre ainda a opções como pipoca e biscoito de polvilho.

Já no lugar dos doces industrializados, entram a bananada ou banana passa. O filho participa de todo o processo de maneira ativa, acompanhando a mãe nas compras, na lavagem das frutas e na montagem das lancheiras.

"Ele não reclama da comida que eu mando, geralmente come tudo. Quando fala de algo que quer, o que costuma pedir são coisas que já tem hábito de comer: um pão de queijo, pipoca, uma balinha de alga. São demandas de coisas que ele já está habituado a comer em casa", afirma.

Para quem tem em casa uma criança que já desenvolveu algum tipo de seletividade aos alimentos, Becker dá algumas dicas. "É interessante usar de criatividade na cozinha e, no início dessa adaptação, fazer uso até das mesmas estratégias que a indústria usa. Por exemplo, fazer chips no forno ou na fritadeira a ar, ou então alimentos empanados, como couve-flor ou brócolis. Fazer suflês, tortinhas, opções que tornem a comida mais atraente e saborosa, usando inclusive o sal, para 'desviciar' a criança", diz.

Mas de nada adianta o esforço se, antes disso, os adultos não tiverem em sua própria rotina hábitos alimentares mais saudáveis. "A alimentação saudável começa em casa, com o exemplo dos pais. Não adianta pedir para a criança comer de forma saudável se você não come", afirma Trujilho.

O ideal, dizem os especialistas, é que o consumo de ultraprocessados seja reduzido ao máximo tanto na lancheira quanto em outros espaços e contextos frequentados diariamente pelas crianças. Em alguns municípios do Brasil, a venda e distribuição de ultraprocessados nas cantinas localizadas dentro das escolas já é proibida por lei —é o caso, por exemplo, do Rio de Janeiro.

Isso não impede, no entanto, que a criança tenha contato e eventualmente consuma esse tipo de alimento em ocasiões específicas, como reuniões familiares ou festas de aniversário. "Sabemos que os ultraprocessados são onipresentes e são feitos para serem gostosos, para dar prazer. O consumo eventual, como em uma festa, por exemplo, não é problema. O problema é o consumo no dia a dia", afirma Becker.

Para ele, o caminho para que o consumo de ultraprocessados seja efetivamente reduzido em todos os espaços frequentados pelas crianças passa por adotar medidas que garantam o acesso das famílias à alimentação saudável, como o subsídio de alimentos naturais, a sobretaxação de alimentos ultraprocessados e a realização de campanhas para o consumo de alimentos não industrializados.

Folster ainda pondera: "hoje, infelizmente, temos essa discrepância: a indústria consegue baixar muito o preço do produto não saudável. Mas, mesmo que você tenha que recorrer a algum tipo de industrializado, dá para equilibrar mandando também algum tipo de vegetal, seja uma cenoura, pepino ou beterraba, e oferecendo água, que é mais barato do que suco ou refrigerante. É esse olhar atento que faz a diferença".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.