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Influenciadoras puxam revolução na moda evangélica nas redes sociais

Publicações com #lookdoculto e dicas de moda dentro da doutrina cristã criam mercado e atraem mulheres que cansaram da saia jeans bordada

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São Paulo

O debate na internet é acalorado: mulher cristã pode ou não pode usar cropped? Se para uns dá para usar a peça de maneira comportada, para outros é roupa demoníaca. Enquanto o consenso não cai do céu, vídeos que mostram o #lookdoculto somam 125 milhões de visualizações no TikTok e outro 1 milhão de publicações no Instagram.

Neles, mulheres evangélicas ligam a câmera e comentam suas escolhas, do creme de cabelo ao sapato, para ir à igreja. Tipo de conteúdo que também faz sucesso entre jovens que mostram a preparação para um show no Lollapalooza. A diferença está na música de fundo —um louvor versus o hit pop do momento— e nas vestes apresentadas.

mulher branca de 40 anos posa para foto com roupas que representam a moda evangélica, que são vestidos acima do joelho e blusa com mangas
Renata Castanheira é dona do perfil Crente Chic, que compartilha dicas de moda evangélica - Divulgação

A moda evangélica tem como fundamento não expor em demasia o corpo feminino. E ela passou por uma revolução nos últimos dez anos, em parte puxada por figuras que fazem sucesso nas redes sociais.

"Não é mais verdade que só usar saia jeans bordada é coisa de crente", afirma Renata Castanheira, 45, dona do perfil @crentechic e membro da Congregação Cristã no Brasil.

"Era tudo limitado, pois tínhamos que colocar tecido para a saia ficar comprida, adaptar decote, aumentar manga da blusinha", diz Castanheira, que em 2012 criou um blog para levar informação de moda dentro da doutrina. "Hoje temos estilistas tão boas quanto as da moda secular."

Em parceria com lojas do segmento, a influenciadora apresenta diariamente aos seus 700 mil seguidores —400 mil no Instagram e 300 mil no YouTube— coleções de marcas, dicas de moda e cupons de desconto.

"Foi bem aceito. Não faço pregação e as lojas têm retorno", afirma ela, que trabalhava com telefonia antes de fazer fama na internet.

"Não negocio minha doutrina, recebo pedido de ‘publi’ de calça e bermuda e não faço", diz ela, em referência à igreja pentecostal, que orienta mulheres a evitarem essas peças e darem preferência a vestidos, saias, blusas com mangas compridas, cabelos longos, poucos acessórios ou joias.

O conceito de moda evangélica está ligado à visão de igrejas de matriz cristã, protestantes e pentecostais sobre relações de gênero. Há usos e costumes para diferenciar a aparência feminina da masculina.

"Como se trata de um universo diversificado de igrejas, as mais tradicionais impedem as mulheres de usarem calças compridas, peça do vestuário que consideram representativa da masculinidade", afirma Maria Eduarda Guimarães, docente do curso de design de moda do Centro Universitário Senac.

"As igrejas que se voltaram a um público mais jovem não impõem essa restrição e seus fiéis podem usar calças compridas."

A docente explica que as influenciadoras digitais passaram a discutir e apresentar demandas sobre moda, impulsionando o surgimento de marcas específicas para esse mercado.

"Essas marcas passaram a incluir tendências na produção destinada a evangélicos, desde que não entrem em conflito com o aspecto da modéstia em relação à exibição do corpo."

Um estudo do Google com a WGSN, agência especializada em prever tendências, mostrou que a busca por moda evangélica cresceu 755% nos últimos anos.

Levantamento recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostra que templos evangélicos cresceram 228% em duas décadas. Igrejas com CNPJ foram de 26,6 mil em 1998 a 87,5 mil em 2021. Segundo o instituto, sete em cada dez estabelecimentos religiosos formalizados no país são evangélicos.

"Faltam pesquisas que mostrem a dimensão deste mercado, mas evangélicos são estimados em 30% da população, o que aponta para um ramo realmente importante para a moda brasileira", diz Maria Eduarda Guimarães.

A influenciadora Renata Castanheira acredita que, para além da religião, seu perfil fora dos padrões de blogueiras famosas —"Tenho 45 anos, dois filhos e uso 44"— a aproximou de mulheres cristãs.

Mesmo caso de Aline Souza, 39, que frequenta a Assembleia de Deus e mantém o perfil @estilosaecrente com dicas divertidas sobre moda.

Publicações como "Sapatos que exaltam os humilhados", "Na piscina sem agredir a fé" e "Quando satanás ainda não era estilista" dão o tom da comunicação com o público. "Deus nos dá criatividade, vamos inspirando", brinca Souza.

A influenciadora digital conta que ganhou peso após o segundo filho e passou por conflito ao "habitar um corpo gordo". "É fácil comprar saia se você é magra, mas há um exército de mulheres com sobrepeso que não se identificam com a imagem do espelho."

Em 2020, ela encarou uma consultoria de imagem. Viu ali uma chance de empreender e apoiar mulheres como ela. "Não gosto de roupa ultrapassada, então busco referências atuais e faço filtro para não agredir o que acredito."

Na Assembleia é proibido usar calça e há sugestão para que mulheres vistam-se com moderação tanto no culto quanto no dia a dia.

"Não usamos decotes e fendas exagerados, pele à mostra, vestidos à vácuo", diz a consultora. "Mas Deus nos chama para a liberdade, então bato de frente com certas regras, já fui cancelada."

Na moda evangélica, boleros e conjuntos bordados estão ultrapassados. Já vestidos, saias midi e estampas florais devem continuar em alta. "A cor que vai reinar em 2024 é o apricot crush, que é um tom damasco, e o vermelho", diz Renata Castanheira.

E o cropped? "Sou crente raiz, não normalizo mostrar a barriga, mas talvez com uma saia de cós alto seja possível usar."

Caso de Evelyn Mayara Batista, 36, que frequenta a Congregação Cristã na cidade de Guarulhos (SP). "Tenho dois croppeds, consegui adaptar."

Ligada ao estilo clássico boho, ela não se vê dentro da moda evangélica, que considera exageradamente romântica. "É onça com neon, babado, manga bufante, cor-de-rosa, coração, flores. Uma aberração." E também não segue à risca os usos e costumes da igreja. "Acho engessado, sou meio rebelde, não digo amém para tudo."

Formada em engenharia mecânica, Evelyn diz que é impossível usar saia em chão de fábrica ou no metrô. "Tenho que subir escada, às vezes cai uma peça de máquina, não dá, não é funcional."

Mesma crítica que ela faz ao vestuário masculino —"Eles não podem usar bermuda, então você vê homens de calça e chinelo no calor."

Em seu guarda-roupa não entram decotes exagerados, vestidos curtos e roupas coladas. Há peças adaptadas de varejistas fast-fashion e de marcas mais sofisticadas, como Le Lis Blanc e Gregory. "Lá dá para achar vestidos longos, com mangas, de qualidade, diferente de marcas evangélicas que vendem viscose a R$ 400", afirma.

Mãe de uma menina de 3 anos que adora ir aos cultos no final de semana, a engenheira não cobra os usos e costumes da filha. "Não vou criar ela nessa bolha, querem colocar todos na mesma caixinha."

E quanto aos vídeos de #lookdoculto, Evelyn brinca: "Aparecem no meu Instagram, mas não gosto das roupas, parece que vão para uma festa estranha."

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