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Especialistas dizem que é elitismo tornar alimentos saudáveis inacessíveis aos mais pobres

Profissionais e entidades da saúde defendem taxar os ultraprocessados e melhorar o acesso a produtos in natura

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Ribeirão Preto

Um estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), divulgado na última segunda-feira (18), mostrou que existe um maior consumo de alimentos ultraprocessados nas periferias brasileiras. O motivo, segundo a pesquisa, é o baixo preço desses produtos somado à falta de informação sobre alimentação. Os participantes do levantamento disseram que, se fosse possível financeiramente, comeriam mais frutas, alimentos orgânicos e peixes.

Profissionais de saúde e entidades da área afirmam que tornar os alimentos saudáveis inacessíveis para parte da população faz com que o país tenha que lidar cada vez mais com problemas graves de saúde pública em massa, incluindo o aumento das mortes por doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão e obesidade.

Segundo a epidemiologista Maria Laura Louzada, do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) da USP (Universidade de São Paulo), "os ultraprocessados não são saudáveis para ninguém".

Alimentos ultraprocessados - biscoitos, batata frita, sorvete
Biscoitos e salgadinhos fazem parte dos alimentos ultraprocessados - Eduardo Knapp/Folhapress

"Não é porque a pessoa é pobre que ela tem que comer qualquer coisa. O consumo desse tipo de produto está associado a mais de 30 agravos à saúde. Portanto, considerar que uma parcela da população não terá acesso a alimentação saudável é condenar essas pessoas à morte precoce por câncer, diabetes, doenças cardiovasculares, depressão. É uma lista extensa", afirmou Louzada por meio de assessoria à Folha.

O Nupens define ultraprocessados como alimentos submetidos a diversos processos industriais, incluindo a fragmentação para obtenção de carboidratos, gorduras e proteínas, modificação química e física e o "uso de aromatizantes, corantes e outros aditivos com função cosmética."

Tudo isso faz com que esses produtos demorem mais para estragar, tenham a aparência e o gosto realçados e preços menores, tornando-se um risco para quem tem renda menor, compulsão alimentar, excesso de peso ou simplesmente gosta desses itens.

A solução, segundo Louzada, passa pelo aumento do preço dos ultraprocessados e uma oferta mais acessível a itens nutritivos. "Políticas públicas que, ao mesmo tempo, tributem ultraprocessados e incentivem a produção e o consumo de alimentos in natura ou pouco processados. A reforma tributária, em trâmite, é uma oportunidade", afirma.

Para a epidemiologista, o Imposto Seletivo deve recair sobre os ultraprocessados, enquanto os itens da cesta básica devem ser oferecidos com alíquota zero. O incentivo a pequenos agricultores e agricultores familiares é outro ponto essencial, assim como incentivo à agricultura urbana e periurbana.

"Recentemente, o Fórum Econômico Mundial divulgou um estudo sobre os custos do sistema agroalimentar para a saúde humana e propôs que os produtores sejam remunerados de acordo com a diversidade de suas colheitas. Para a indústria, o mesmo estudo sugere que excluam os ingredientes nocivos e invistam em processamento de alimentos sem todos os aditivos químicos e modificações dos ultraprocessados", aponta a pesquisadora.

A médica Maria Edna de Melo, diretora do departamento de obesidade da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), diz que o Brasil possui uma produção alimentar muito diversa e que é preciso uma distribuição melhor.

"Elitista é aceitar a situação de deserto alimentar, em que só o ultraprocessado chega. Não é alimento o que está faltando, é estratégia para produção dos alimentos", afirma a médica.

Divulgar formas acessíveis de alimentação saudável e buscar preços melhores para produtos in natura ou pouco processados são políticas públicas que podem ser eficazes para poder competir com as facilidades dos ultraprocessados.

"São itens que às vezes nem precisam ser preparados, têm mais durabilidade e uma super estratégia de marketing. Um macarrão instantâneo, dependendo da marca, vai custar menos de R$ 2 e informa no rótulo umas cinco vitaminas. Isso acaba levando a população a ter uma percepção equivocada de que aquele alimento é saudável", destaca.

Melo também defende o fim de subsídios que facilitam a produção de itens que fazem mal à saúde, a exemplo dos que existem para indústrias específicas, como a de refrigerantes, ou até mesmo destinados à produção agrícola. "Muitos ultraprocessados são fabricados a partir do milho, do açúcar, e acabam tendo incentivo do governo e de, alguma forma, chega mais barato para população", pondera Melo.

O endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), afirma que o ganho de peso é um problema urgente e demanda um consumo mais consciente e sustentável, bem como ações multisetoriais e transnacionais.

"A indústria de alimentos precisa conseguir produzir alimentos. A gente pode fazer com menos ingredientes, com menos desperdício. É uma perversidade que os produtos mais baratos, ricos em calorias e pobres em nutrientes, com todos esses aditivos ultraprocessados, acabem sendo mais consumidos pela população de baixa renda, exatamente a que mais ganha peso no mundo", diz o médico.

O nutricionista e educador físico Eduardo Lustosa, professor de jiu-jítsu que atende crianças em situação de vulnerabilidade e participa de ações para idosos em centros de saúde periféricos, diz que a alimentação deveria ser vista como um remédio natural.

"Vai dar longevidade e evitar diversas doenças. Os ultraprocessados, porém, muitas vezes são ligados a momentos de comemoração, de confraternização. As pessoas se reúnem, pedem uma pizza, sempre tem um refrigerante, suco de caixinha", diz o nutricionista.

Para contornar, ele costuma entender os objetivos de cada paciente e propor substituições viáveis. Se o ultraprocessado fizer parte de algo que dificultar a reeducação alimentar, a dica é manter o consumo em caráter de exceção até que os novos hábitos se estabeleçam.

Para ele, o poder público e as zonas mais carentes poderiam incentivar a criação de hortas comunitárias em escolas e centros locais para dar acesso a estudantes e moradores aos alimentos frescos, diminuindo os riscos de uma população trabalhadora que envelhece adoecida por falta de tempo para se cuidar e consumir comida de qualidade. "As pessoas acreditam que se alimentar de forma saudável é caro, mas, na verdade, se for desenvolvida uma boa estratégia, fica bem viável", diz Lustosa.

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