Descrição de chapéu Reforma tributária

Nova versão da reforma tributária tem alíquota zero para cesta básica e trava contra aumento da carga

Texto foi apresentado às 21h e entrou em discussão; deputados reclamam de pouco tempo para análise

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Brasília

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deu início à discussão da PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma tributária no plenário da Casa na noite desta quarta-feira (5), após dias de negociação das mudanças no parecer do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

Ribeiro apresentou uma nova versão do texto, que inclui modificações na transição para o novo sistema tributário, uma trava contra o aumento da carga tributária, e a criação de uma Cesta Básica Nacional —relação de produtos básicos consumidos pelas famílias e que terão alíquota reduzida a zero.

"[A mudança] É para que ninguém fique dizendo que a gente vai pesar a mão sobre os pobres", disse Ribeiro ao ler seu parecer. "Queremos dar sinal claro a todo o Brasil de estamos fazendo um trabalho sério."

Plenário da Câmara dos Deputados. - MyKe Sena - 14.jun.2023/Câmara dos Deputados

A declaração foi dada após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) escrever nas redes sociais uma crítica à proposta. "Reforma Tributária do PT: um verdadeiro soco no estômago dos pobres", publicou na terça-feira (4).

O rol de mercadorias a serem alcançadas ainda precisará ser regulamentado, mas a mudança atende a uma demanda de diferentes setores e parlamentares. Na versão anterior do texto, os produtos da atual cesta básica teriam desconto de 50% na tributação, gerando temores de aumento de carga —o que foi negado pelo governo e por Aguinaldo Ribeiro.

Além disso, o texto estabelece que estados e municípios deverão criar fundos de combate à pobreza que contem com a participação da sociedade civil. Tais instrumentos podem ser abastecidos pela arrecadação dos tributos resultantes da reforma.

O parecer do relator foi divulgado pouco antes das 21h e tem 142 páginas. Membros da oposição pediram o adiamento da discussão para que tivessem tempo de analisar o documento, mas o pleito foi rejeitado por 302 a 148 votos. O placar foi visto como um termômetro positivo por deputados no plenário, já que se aproxima dos 308 votos necessários para aprovar o texto.

A expectativa de Lira é votar o texto em plenário na quinta-feira (6). O presidente da Câmara anunciou aos parlamentares que vai garantir um período de sete horas de discussão do texto. "Eu vou usar o rigor máximo no debate, que vai ser democrático, para a gente seguir o rito regimental. Não vamos ter pegadinha, não vamos ter nenhum tipo de extrapolação. Vamos fazer os seus debates, suas críticas, suas defesas de maneira organizada", afirmou.

Ao iniciar a leitura de seu parecer. Ribeiro reiterou o objetivo de simplificar o sistema tributário no país. "Estamos vivendo um dia histórico", disse. "Vamos acabar com essa falácia de que a reforma vai aumentar imposto. A reforma não vai aumentar imposto, ela vai simplificar o pagamento de imposto", afirmou.

Um dos principais pontos de negociação nos últimos dias, o detalhamento da governança do Conselho Federativo ainda não foi contemplado no texto divulgado nesta quarta. Segundo interlocutores, uma nova versão a ser divulgada nesta quinta deve contemplar este ponto.

Há uma discussão para ampliar o poder de voto de estados das regiões Sul e Sudeste nas deliberações do colegiado, que será responsável pela arrecadação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que vai substituir o ICMS estadual e o ISS municipal.

Essa é uma demanda de governadores dessas localidades, que temem ser atropelados nas decisões por estados de Norte e Nordeste, que teriam mais facilidade em formar maioria simples (eles são 16 das 27 unidades da federação).

"Estamos finalizando exatamente o texto que compatibiliza tudo aquilo que foi acordado para que a gente não se equivoque e não cometa erros no texto, assim como a questão dos critérios de distribuição do Fundo de Desenvolvimento Regional, que nós praticamente já finalizamos, falta agora só modificar no texto", disse Ribeiro.

O texto divulgado na noite desta quarta prevê a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O sistema será dual: significa que uma parcela da alíquota será administrada pelo governo federal por meio da CBS (Contribuição sobre Bens e serviços), e a outra, por estados e municípios pelo IBS.

Também será criado um imposto seletivo, que não tem uma finalidade arrecadatória e será aplicado sobre bens e serviços cujo consumo são considerados prejudiciais à saúde (como cigarros e bebidas alcoólicas) ou ao meio ambiente.

A implementação dos tributos começará em 2026, mas a migração integral para o novo sistema só acontecerá em 2033.

O ritmo da transição, porém, sofreu ajustes em relação ao que havia sido proposto inicialmente por Ribeiro. Pelo texto divulgado, os dois novos tributos começarão a ser implementados em 2026. A CBS iniciaria com uma alíquota teste de 0,9%, e o IBS, de 0,1%.

"O objetivo dessa etapa é conhecer a base tributável, permitindo que se calculem as alíquotas da CBS e do IBS necessárias para substituir a arrecadação atual", diz o parecer. Segundo Ribeiro, a aplicação mais cedo do IBS atende a uma demanda dos governadores.

Em 2027, PIS e Cofins seriam completamente extintos e substituídos pela nova alíquota de referência da CBS. As alíquotas do IPI também seriam zeradas, com exceção dos produtos que tenham industrialização na Zona Franca de Manaus. O imposto será mantido temporariamente nesses casos "como instrumento de preservação do tratamento favorecido da região amazônica".

No caso do IBS, a transição será mais gradual. Até 2028, a alíquota continuará em 0,1%. Em 2029, a cobrança de ICMS e ISS será reduzida em 1/10 por ano até 2032. Em 2033, os impostos atuais serão totalmente extintos.

As alíquotas definitivas de cada tributo serão definidas posteriormente, em lei complementar, pois vão depender de cálculos efetuados em conjunto com o Ministério da Fazenda. Em entrevista à Folha, Ribeiro disse que a reforma terá uma trava para evitar aumento de carga tributária.

A transição mais longa dos tributos estaduais e municipais busca acomodar os benefícios fiscais já concedidos por esses governos e que têm manutenção garantida pelo Congresso Nacional até 2032.

Mesmo com essa saída, o governo federal vai injetar R$ 160 bilhões ao longo de oito anos para ajudar a compensar essa fatura, sem contar o FDR (Fundo de Desenvolvimento Regional), que terá R$ 40 bilhões anuais a partir de 2033.

Os estados pediram um valor anual maior, de R$ 75 bilhões, mas o relator manteve o montante acertado com o Ministério da Fazenda. Dessa forma, a soma dos dois fundos não deve nunca ultrapassar os R$ 40 bilhões anuais.

Além do sistema dual, o texto também prevê a fixação de uma alíquota padrão e de uma reduzida (equivalente a 50% da cobrança padrão) para setores específicos, como medicamentos, dispositivos médicos e serviços de saúde, serviços de educação, transporte público coletivo, produtos agropecuários, artigos da cesta básica e atividades artísticas e culturais nacionais.

No parecer divulgado nesta quarta, o deputado ampliou essa lista para incluir os medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, além de dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência.

Além disso, passou a prever que medicamentos específicos de alta relevância poderão ter as alíquotas zeradas por meio de lei complementar.

O relator também atendeu pleitos do agronegócio ao estabelecer um regime tributário específico para as cooperativas. Agora, o parecer prevê que os créditos dos insumos adquiridos pelos cooperados sejam aproveitados na venda a não cooperados, garantindo isonomia com outras empresas.

O regime específico das cooperativas se soma a uma lista de outros segmentos que já contavam com tratamento diferenciado, como combustíveis e lubrificantes, que terão alíquotas uniformes cobradas em uma única fase da cadeia e possibilidade de concessão de créditos para o contribuinte.

Atividades operações com bens imóveis, serviços financeiros, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos (como loterias) também receberão tratamento específico, com alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo, além de possibilidade de tributação com base na receita ou no faturamento

Em outro aceno ao agronegócio, Ribeiro ampliou o limite de receita anual que permite a produtores rurais que atuam como pessoas não recolham o IBS e a CBS.

Na versão de 22 de junho, o texto fixava esse valor em R$ 2 milhões, o que contemplaria 98,5% dos produtores rurais pessoas físicas no país. A CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) pedia um limite maior, de R$ 4,8 milhões. O parecer divulgado atendeu parcialmente essa demanda, elevando o teto a R$ 3,6 milhões, e estendendo o benefício a pessoas jurídicas.

O relator ainda listou tratores e máquinas agrícolas como isentos de IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), blindando esses bens da ampliação da incidência do tributo para alcançar lanchas e jatos particulares.

REGIMES TRIBUTÁRIOS FAVORECIDOS

O texto da PEC também mantém os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus, um dos pontos frequentes de apelo nas negociações com parlamentares. Segundo o texto, o próprio Imposto Seletivo poderá "assumir a função de diferencial competitivo dos produtos da região".

O Simples Nacional, regime simplificado de recolhimento de tributos para micro e pequenas empresas, também será mantido, mas a ideia é permitir que as companhias tenham maior flexibilidade para aderir ou não ao novo sistema IVA —o que pode ser vantajoso para quem fornece bens ou serviços para outras empresas, uma vez que elas poderiam obter créditos a partir dos insumos e abatê-los do imposto a ser recolhido.

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