Países defendem que bebidas alcoólicas tenham rótulos de risco para câncer

Indústria global de álcool tem que responder sobre os potenciais riscos à saúde, dizem especialistas

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Ted Alcorn
The New York Times

A partir de 2026, garrafas de cerveja, vinho e bebidas alcoólicas vendidos na Irlanda terão um rótulo em letras maiúsculas vermelhas com duas advertências: "Existe uma Ligação Direta Entre o Álcool e Cânceres Fatais" e "Beber Álcool Causa Doença Hepática".

O requisito, promulgado em lei no ano passado, é apoiado por décadas de pesquisa científica e vai muito além do que qualquer país comunicou até agora sobre os riscos à saúde do consumo de álcool. Isso gerou forte oposição de empresas de álcool em todo o mundo, mas também está inspirando um movimento em alguns outros países para adotar medidas semelhantes.

Países defendem rotulagem em bebidas alcoólicas que listam o elevado risco para câncer - Alcohol Action Ireland via The New York Times

"É um passo importante", diz Timothy Naimi, diretor do Instituto Canadense de Pesquisa sobre Uso de Substâncias na Universidade de Victoria. "Pessoas que bebem devem ter o direito de saber informações básicas sobre o álcool, assim como fazem para outros produtos alimentícios e de bebidas."

Na Tailândia, o governo está nas etapas finais da elaboração de uma regulamentação que exigirá que produtos alcoólicos tragam imagens gráficas acompanhadas de advertências em texto, como "bebidas alcoólicas podem causar câncer", de acordo com o Bangkok Post.

Um projeto de lei foi apresentado no parlamento Canadense que exigiria rótulos em todas as bebidas alcoólicas para informar uma "associação causal direta entre o consumo de álcool e o desenvolvimento de cânceres fatais".

Na semana passada, a Assembleia Legislativa do Alasca realizou uma audiência de comitê sobre um projeto de lei que exigiria que empresas que vendem álcool exibissem sinais com um aviso de câncer.

A Noruega, que já regulamenta fortemente a venda de álcool, está desenvolvendo propostas para introduzir rótulos de advertência sobre o câncer. O secretário de Estado do país, Ole Henrik Krat Bjorkholt, que acompanhou com grande interesse o esforço da Irlanda, disse em uma entrevista: "Acho provável que implementemos algo semelhante."

A Irlanda tem sido pioneira na definição de políticas agressivas de saúde pública anteriormente. Em 2004, tornou-se o primeiro país a proibir fumar em locais fechados de trabalho, incluindo bares e restaurantes, uma política desde então adotada em mais de 70 países. A exigência de rótulos de advertência para o álcool poderia ser o início de uma mudança semelhante na forma como as bebidas são embaladas e um meio de conscientizar sobre os perigos do consumo de álcool, por menor que seja a quantidade.

Luta Longa

A evidência que liga o consumo de álcool e o câncer é bem estabelecida. Em 1988, a Iarc, agência e pesquisa sobre o câncer da OMS (Organização Mundial da Saúde) concluiu que o álcool é cancerígeno para os seres humanos.

Pesquisas nas décadas seguintes apenas fortaleceram a conclusão, incluindo para cânceres de mama, fígado, colorretal e esofágico. Em novembro, a OMS e a Iarc declararam em um comunicado conjunto: "Não pode ser estabelecida uma quantidade segura de consumo de álcool para cânceres."

Apesar disso, a conexão entre álcool e câncer não é bem conhecida. Nos Estados Unidos, uma pesquisa nacional recente descobriu que cerca de 1 em cada 3 americanos estava ciente de que beber aumentava o risco de câncer.

Globalmente, apenas um quarto dos países exige algum tipo de advertência de saúde nas embalagens de álcool, de acordo com um estudo recente, e a linguagem exigida geralmente é imprecisa. Os Estados Unidos alteraram pela última vez seus rótulos de advertência em 1989, quando introduziram um texto que desencorajava beber durante a gravidez, ou antes de dirigir ou operar máquinas pesadas, e que vagamente reconhecia que o álcool "pode causar problemas de saúde."

Sheila Gilheany, diretora executiva da Alcohol Action Ireland, chamou o requisito de rotulagem de 'a peça mais contestada da legislação na história da Irlanda' - Paulo Nunes dos Santos/The New York Times

Levou mais de uma década para que o requisito de rotulagem da Irlanda se tornasse realidade, de acordo com Sheila Gilheany, CEO da organização de defesa Alcohol Action Ireland, que descreveu como "a legislação mais contestada na história irlandesa." Ela disse que o esforço começou em 2012, quando um grupo de trabalho designado para lidar com a alta taxa de mortes relacionadas ao álcool no país recomendou uma série de medidas, incluindo rótulos de advertência.

Muitas das recomendações foram amenizadas até se tornarem lei em 2018, mas o requisito de rotulagem passou incólume. Levou mais quatro anos para os legisladores acertarem a redação específica e o design que seriam exigidos.

Enquanto esses detalhes eram decididos, a indústria do álcool intensificou seus protestos. No final de 2022, um grupo de países europeus exportadores de álcool apresentou objeções formais à Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia, argumentando que os rótulos da Irlanda impediam o livre comércio e não eram apropriados ou proporcionais ao objetivo de reduzir os danos do álcool.

Quando a comissão não levantou objeção, Antonio Tajani, ministro das Relações Exteriores da Itália, chamou a proposta irlandesa de "um ataque à dieta mediterrânea." A linguagem nos rótulos "não leva em consideração a diferença entre o consumo moderado e o abuso de álcool", disse ele no X (ex-Twitter).

Oposição Coordenada da Indústria

Empresas de álcool estão lutando em várias frentes para impedir que o requisito de rotulagem irlandês entre em vigor. Em reuniões do comitê da OMC (Organização Mundial do Comércio) em junho e novembro, grupos comerciais e 11 países exportadores de álcool, incluindo os EUA, expressaram preocupações, questionaram a validade científica do aviso de câncer e argumentaram que os rótulos da Irlanda infringiam o livre comércio.

Em comentários enviados à OMC, o Conselho de Bebidas Destiladas dos Estados Unidos chamou os rótulos de "imprecisos" e "enganosos". O grupo também sugeriu que "esse importante objetivo de saúde pública seria melhor gerenciado" como parte de um esforço paralelo para abordar o câncer na UE, uma área onde a indústria de álcool tem maior influência.

A Comissão Europeia deveria propor um texto para os avisos de riscos à saúde de álcool como parte do seu Plano de Combate ao Câncer até o final de 2023, mas não cumpriu esse prazo. Em dezembro, contra as objeções da OMS, o Parlamento Europeu aprovou um relatório que não afirmava a necessidade de rótulos de aviso, em vez disso, pedindo informações sobre "consumo moderado e responsável".

No relatório final, os autores repetidamente amenizaram a linguagem sobre o papel do álcool nas doenças, restringindo os avisos apenas sobre o consumo "nocivo" ou "excessivo".

Tamanho e Design

Cormac Healy, diretor da Drinks Ireland, um grupo comercial, disse que sua organização não era totalmente contra os avisos de saúde. Mas ele disse que o tamanho obrigatório dos rótulos seria impraticável para uso em produtos menores, pegando uma garrafa de 50 mililitros de sua mesa para demonstrar. E o próprio aviso era "desproporcional e impreciso", afirma ele, e principalmente voltada para assustar as pessoas.

"Para informar, educar —você realmente não pode fazer isso em um rótulo", acrescentou.

Nos EUA, os rótulos de aviso de álcool geralmente estão na parte de trás da garrafa ou lata, onde se misturam com outras características gráficas. Marissa Hall, professora assistente no departamento de comportamento de saúde da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, disse que os rótulos seriam mais eficazes para chamar a atenção do comprador se estivessem na frente, incluíssem uma imagem ou ícone e apresentassem uma de um grupo rotativo de mensagens breves.

Hall recentemente recebeu uma bolsa dos NIH (Sistema Nacional de Saúde, na sigla em inglês) para avaliar o impacto de recursos de design mais fortes na redução do consumo. Quando ela conta a amigos sobre sua pesquisa, muitos ficam surpresos ao saber que os EUA exigem rótulos de aviso, porque os existentes passam tão facilmente despercebidos.

"Eles não têm ideia", disse ela.

Nos últimos 15 anos, alguns países propuseram rótulos de aviso de álcool mais diretos, mas cada um foi recebido com forte oposição, disse Paula O'Brien, professora de direito na Universidade de Melbourne. Em 2010, a Tailândia propôs exigir um grupo rotativo de avisos acompanhados por imagens coloridas gráficas; O'Brien chamou isso de "o ponto alto para a rotulagem de álcool". Mas na OMC, outros países levantaram preocupações de que os rótulos restringiriam o livre comércio, e a medida estagnou.

Em 2016, a Coreia do Sul superou objeções semelhantes para exigir um grupo de rótulos de aviso - alguns dos quais ligam o álcool ao câncer - dos quais os fabricantes de álcool podem escolher colocar em seus produtos.

Erin Hobin, pesquisadora da Saúde Pública de Ontário, descobriu que os consumidores que estavam mais informados sobre a ligação entre álcool e câncer eram mais propensos a apoiar políticas para controlar a disponibilidade e o marketing de álcool - Chloe Ellingson/The New York Times

Até mesmo a pesquisa sobre o tema tem sido controversa. Em 2017, Yukon, um território pouco povoado no noroeste do Canadá, estabeleceu uma parceria com cientistas para introduzir e testar o impacto de rótulos de aviso coloridos e brilhantes, um dos quais incluía a frase "o álcool pode causar câncer". Mas depois que grupos comerciais de álcool reclamaram, o governo local interrompeu o estudo com medo de enfrentar um processo judicial que não poderia arcar.

"Fiquei um pouco surpreso com a força da reação", diz Erin Hobin, cientista da Saúde Pública de Ontário que liderou o projeto em Yukon.

Quando os pesquisadores retomaram o estudo vários meses depois, com a condição de que o aviso de câncer fosse omitido, descobriram que as pessoas que compravam bebidas alcoólicas com os rótulos ainda tinham mais probabilidade de notar as mensagens e relatavam reduzir seu consumo. As vendas de produtos com os rótulos também caíram cerca de 7% durante a intervenção e nos meses seguintes.

O mais importante, afirma Hobin, à medida que os bebedores se tornavam mais informados sobre a relação entre álcool e câncer, também se tornavam mais propensos a apoiar políticas para controlar a disponibilidade, preços e marketing de álcool, que demonstraram reduzir ainda mais o consumo.

Se a indústria do álcool dissuadir a UE de adotar rótulos de advertência, manteria a Irlanda isolada e fora da harmonia com a lei europeia. Isso poderia, em última instância, servir de base para desafiar o requisito de rotulagem nos tribunais irlandeses, disse Ollie Bartlett, professor assistente de direito na Universidade de Maynooth, na Irlanda. Mas ele disse que tais esforços provavelmente não teriam sucesso porque os rótulos de advertência de álcool da Irlanda são "proporcionais ao objetivo de proteger a saúde pública".

Alguns especialistas dizem que a UE não deve tomar nenhuma medida adicional até depois das eleições parlamentares deste verão. E não há indicação de que a Irlanda recuará de seu compromisso de exigir os rótulos a partir de maio de 2026.

Gauden Galea, conselheiro estratégico da OMS, disse estar confiante de que os esforços de rotulagem mais amplos eventualmente terão sucesso. Aos 63 anos, ele é velho o suficiente para se lembrar de como as empresas de cigarros costumavam anunciar nas primeiras páginas dos jornais, acrescentou.

Eventualmente, ele espera que "As pessoas não se lembrem do tempo em que era necessário um aviso sobre pesticidas, mas podiam vender um carcinógeno sem rótulo como o álcool com impunidade".

Este artigo foi originalmente publicado no The New York Times.

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