Clínicas vendem protocolo 'Kardashian' de transfusão que rejuvenesce sem eficácia

Tratamento com plasma rico em plaquetas envolve riscos de infecções, dizem entidades

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São Paulo

Clínicas de estética brasileiras estão oferecendo procedimentos de transfusão de plasma (parte líquida do sangue) com a promessa de rejuvenescimento. A prática não tem evidência científica de eficácia, envolve riscos de infecções e não é aprovada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina).

Nesta semana, a ABHH (Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular) encaminhou denúncia sobre assunto ao Ministério Público Federal, à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e ao CFM.

Segundo a representação, mais de cem profissionais e estabelecimentos estão aplicando o PRP (Plasma Rico em Plaquetas) em procedimentos estéticos anunciados em redes sociais como “protocolo Kim Kardashian ou “Facelift de Vampiro”.

Usado por celebridades como Kim Kardashian, o procedimento consiste em retirar o sangue da pessoa, centrifugá-lo, extrair o plasma e injetar este plasma de volta na pessoa, no caso, no rosto.

“Virou moda nos EUA e agora está crescendo no Brasil. Estão fazendo lifting, coisas estéticas e chamando isso de PRP. Além de charlatanismo, trazem riscos às pessoas", diz José Francisco Marques Júnior, vice-presidente da ABHH.

Recentemente, a FDA (agência responsável pela liberação de alimentos e medicamentos nos EUA) alertou sobre os riscos apresentados pelas terapias de rejuvenescimento com plasma, que, além de não ter evidência de eficácia, podem levar a infecções, alergias, problemas respiratórios e complicações cardiovasculares.

Segundo a FDA, o PRP só é permitido a pacientes com condições específicas, tratados em centros que cumprem as regulamentações e supervisionados por médicos.

Há poucos estudos de qualidade sobre como o PRP funciona na área da estética. Um deles, publicado na revista Journal of Plastic and Reconstructive Surgery, diz que o plasma do sangue extraído por centrifugação leva à liberação de níveis significativos de fatores ligados ao crescimento, que podem promover o aumento do colágeno e ajudar na cicatrização de tecidos.

No Brasil, o imbróglio envolvendo o PRP se arrasta desde 2015. Naquele ano, o CFM decidiu que o uso deveria ser experimental e no tratamento de algumas doenças, como as musculoesqueléticas —portanto, sem fins comerciais.

“Apesar dos resultados promissores em trabalhos científicos, falta ainda comprovação dos possíveis efeitos terapêuticos nas diversas doenças anunciadas”, diz um trecho da resolução do CFM.

Porém, mesmo vetada na prática clínica, a terapia é largamente adotada na ortopedista no tratamento de fraturas, lesões de tendões, de músculo e de cartilagem.

Em países como a Espanha, o PRP é liberado. No mês passado, o atacante Neymar, do Paris Saint-Germain, foi submetido ao procedimento, em Barcelona, para tratar de uma lesão no pé direito.

Segundo um ortopedista paulistano que pediu para não se identificar por temer represálias do CFM, no futebol brasileiro há vários jogadores tratados com PRP.

Ele conta que pelo menos 20 pacientes já passaram pelo procedimento e relatam melhoria do sintomas. Entre eles, um empresário com lesão de ligamento de tornozelo e uma aposentada com problemas de artrose. O tratamento não é coberto pelos planos de saúde nem pelo SUS.

Ao mesmo tempo, o CFO (Conselho Federal de Odontologia) permite o uso do PRP pelos dentistas. Resolução também de 2015 liberou a utilização de “agregados plaquetários autólogos” (na prática, PRP e fibrina, um subproduto do primeiro).

Entre outras finalidades, o procedimento é usado para acelerar a cicatrização e a regeneração óssea resultantes de procedimentos cirúrgicos.

Na representação encaminhada ao MPF, a associação de hematologia e hemoterapia diz que há dentistas que, amparados na resolução do CFO, têm realizado procedimentos estéticos ilegais.

Na internet, a Folha encontrou ao menos dez clínicas no Brasil em que o tratamento é oferecido por centros de reabilitaçāo oral e estética por preços que chegam a R$ 9.000.

“O CFO também é contra essa má prática, esse abuso. Nesse ponto, estamos juntos. Há um risco sanitário enorme”, diz Marques Júnior.

Segundo ele, em agosto passado, quatro pessoas contraíram hepatite C em Brasília em um tratamento também não reconhecido pela CFM chamado de auto-hemoterapia fracionada, que consiste na aplicação intramuscular do plasma do próprio paciente.

“Devem ter trocado o sangue de um paciente pelo o de outro. Tanto nesse procedimento como no PRP não há uma certificação de que o produto seja de boa qualidade e que os locais tenham boas práticas de produção e de como evitar contaminação.”

Em nota, a Anvisa diz que indicação terapêutica para uso de determinados produtos ou procedimentos por parte dos profissionais da área da saúde não compete à Anvisa, mas, sim, aos conselhos de classe.

Afirma ainda que no ano passado, em evento com a sociedade científica, pesquisadores, conselhos profissionais e reguladores internacionais, definiu a necessidade de regulação da produção do PRP em normativa especifica, que deve ser discutida neste ano.

“Todos esses passos serão divulgados à sociedade tão logo estejam concluídos, bem como os resultados dos estudos técnicos que foram contratados pela Anvisa”, diz.
 

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