Descrição de chapéu The New York Times

Homens jovens abraçam a igualdade de gênero, mas ainda não querem passar o aspirador de pó

Novos estudos revelam a persistência de visões tradicionais sobre quem faz o quê em casa, e isso está criando entraves às mulheres

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Claire Cane Miller
Nova York | The New York Times

Os jovens de hoje têm a cabeça muito mais aberta em relação aos papeis de gênero, e isso se evidencia em suas atitudes em relação a pronomes pessoais, política e esportes. Mas há uma área em que muito pouco mudou. Os jovens continuam aferrados às ideias tradicionais sobre quem faz o quê em casa.

Uma pesquisa recente da Gallup constatou que entre casais heterossexuais, os que estão na faixa dos 18 aos 34 anos não dividem a maioria das tarefas domésticas de modo mais equitativo que os casais mais velhos. E um estudo de sociologia publicado em janeiro constatou que quando estudantes do ensino médio foram perguntados sobre qual seria, a seu ver, o arranjo familiar ideal quando um casal tem filhos pequenos, quase um quarto respondeu que seria que o homem trabalhasse em regime de tempo integral e a mulher ficasse em casa. Foi uma parcela maior do que as que desejavam qualquer outro tipo de situação.

O fato de que a vida doméstica não parece ser muito diferente hoje do que era meio século atrás surpreendeu os pesquisadores, isso porque as atitudes em relação aos papéis de gênero mudaram muito na maioria dos outros aspectos. Hoje a ideia de que mulheres devem seguir carreira profissional ou alcançar cargos políticos tem apoio quase universal. As mulheres recebem mais educação do que os homens. E os jovens são muito mais abertos à ideia de pessoas não se identificarem como homem ou mulher.

Os dois novos estudos foram baseados em pesquisas repetidas ao longo do tempo. Eles demonstram que hoje as mulheres fazem um pouco menos tarefas domésticas e cuidam dos filhos um pouco menos, enquanto os homens fazem um pouco mais. Mas ainda há uma diferença importante —as mulheres ainda passam uma hora por dia mais que os homens cuidando das tarefas domésticas e uma hora a mais cuidando das crianças, revelam outras pesquisas.

A disparidade afeta outros aspectos da igualdade das mulheres: o tempo adicional gasto pelas mulheres com os trabalhos domésticos, especialmente os ligados aos filhos, é uma das grandes causas das diferenças salariais e de promoções no trabalho entre homens e mulheres.

“Se jovens não conseguem sequer visualizar um modelo de como pode ser o tempo que o homem passa em casa, isso evidencia que nossas ideias sobre gênero são realmente fortes e entranhadas”, comentou Joanna Pepin, socióloga na Universidade do Texas em Austin e autora do estudo publicado recentemente em conjunto com Brittany Dernberger, doutoranda em sociologia na Universidade do Maryland. “Isso é mais um fator que está atrapalhando as transformações sociais.”

Pesquisadores têm ideias diferentes sobre por que a divisão do trabalho no lar vem demorando tanto a mudar, não obstante os avanços conquistados pelas mulheres. Uma das explicações mais simples é que os homens podem gostar quando sua companheira contribui com um salário adicional, mas não gostar de enfrentar tarefas domésticas adicionais.

O cuidado intensivo dos filhos virou comum —ou seja, maximizar o tempo gasto brincando com os filhos e ensinando-os. Hoje as mães que trabalham fora de casa passam tanto tempo fazendo atividades com seus filhos quanto passavam as mães que ficavam em casa na década de 1970. Ao mesmo tempo, muitos empregos trazem uma carga de horário mais longa e inflexível. (Mas pais e mães fazem menos trabalho doméstico como um todo: cerca de oito horas menos por semana do que faziam na década de 1960.)

Os Estados Unidos não têm nenhuma das políticas públicas nacionais que facilitam lidar com trabalho e família em outros países, como licença familiar paga ou pré-escola pública gratuita.

As normas sociais relativas ao que se considera que os homens devem fazer também exercem efeito, disseram pesquisadores —começando na infância, na fase em que os meninos fazem menos tarefas domésticas que as meninas. A masculinidade é vista como estando estreitamente ligada a ganhar dinheiro e evitar coisas consideradas femininas. Estudos revelam que os homens podem sentir-se ameaçados se suas esposas ganham mais que eles, e que, para compensar, homens que sentem isso podem assumir até menos tarefas domésticas.

“Ser um homem competente significa estar empregado”, disse a socióloga Sarah Thébaud, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara. “Isso não quer dizer que os homens não queiram se envolver com a casa —eles querem. Mas a questão com que nos defrontamos são essas crenças prescritivas sobre gênero.”

As autoras do novo estudo sociológico aventaram outra explicação: a incerteza econômica. Muitas pessoas jovens enfrentam instabilidade profissional,  dívida estudantil e custos crescentes com habitação e cuidado dos filhos. Talvez os casais jovens estejam abertos à igualdade de gênero fora de casa porque precisam de uma segunda fonte de renda, elas teorizaram, mas suas atitudes em relação aos papéis de gênero não tenham mudado em igual medida.

Ou então os casais jovens podem querer que ou a mãe ou o pai fiquem em casa com os filhos pequenos porque eles aderem à ideia do cuidado intensivo dos filhos. Essa preocupação também é movida por considerações financeiras —hoje não existe mais a certeza de que os filhos terão tanto sucesso material na vida quanto seus pais. Isso pode explicar por que o tempo que os homens passam cuidando dos filhos aumentou mais do que o tempo que passam fazendo tarefas domésticas, aventaram as pesquisadoras.

O estudo foi publicado no periódico “Sociological Science” e foi baseado numa pesquisa nacional intitulada “Monitorando o Futuro”, aplicada anualmente aos alunos do último ano do ensino médio. Os pesquisadores analisaram dados de 1976 e 2014, incluindo 75.573 alunos da 12ª série, entre 2.000 e 4.000 estudantes por ano. Enfocaram especialmente uma pergunta em que pediram aos estudantes que imaginassem um futuro em que estivessem casados (a premissa era que seria com uma pessoa do sexo oposto), com filhos em idade pré-escolar, e então lhes pediram para avaliar vários esquemas de trabalho e cuidado dos filhos.

Ao longo de todos os anos da pesquisa, a parcela maior de entrevistados disse que o esquema mais desejável era que o homem trabalhasse em tempo integral e a mulher ficasse em casa. Em 2014, 11% dos entrevistados acharam que o mais desejável seria que pai e mãe trabalhassem em tempo integral; 4% haviam dito o mesmo em 1976. Uma maioria considerou que o pai ficar em casa seria inaceitável.

Ao longo do tempo os jovens ficaram muito mais abertos à ideia do trabalho feminino: a parcela dos que preferiam uma família em que a mãe fica em casa foi de 23% em 2014, quando tinha sido 44% em 1976, e a parcela dos que considerou esse esquema inaceitável aumentou. Também aumentaram suas chances de aceitar opções alternativas, como a de pai ou mãe trabalhar meio período e o outro em tempo integral, ou, ainda, de ambos trabalharem em tempo integral.

A maior mudança de postura ocorreu entre os homens brancos –hoje um em cada seis diz que prefere um esquema tradicional, sendo que em 1976 a maioria defendia essa ideia. O cuidado intensivo dos filhos passou a ser visto como mais desejável por todos, mas especialmente pelas mulheres brancas. As mulheres negras são as que ao longo dos anos mais defenderam a ideia de que tanto o pai quanto a mãe tenham trabalho remunerado.

Os jovens cujas mães trabalham em tempo integral são os que mais provavelmente desejam um esquema semelhante. Aqueles que frequentam um culto religioso semanalmente ou vivem no Sul dos EUA são menos abertos à possibilidade de a mulher trabalhar em tempo integral. Esses padrões não mudaram ao longo dos anos.

Uma problema de se perguntar as opiniões de estudantes do final do ensino médio sobre essas questões é que eles ainda não trabalham nem têm filhos. Mas outras pesquisas demonstraram que jovens que já precisam coordenar trabalho e vida familiar de fato escolhem papéis mais tradicionais no lar.

As pesquisas Gallup sobre tarefas domésticas foram feitas em 2019, 2007 e 1996, com casais heterossexuais casados ou que viviam juntos. A diferença entre o tempo que mulheres e homens dedicam a muitas tarefas diminuiu levemente ao longo desse período, mas não desapareceu, e a parcela de entrevistados que afirma dividir as tarefas domésticas igualmente permanece igual.

Nas pesquisas mais recentes, envolvendo 3.062 pessoas, o fator etário influiu muito pouco sobre quem fazia as tarefas, quer os casais tivessem 20 ou 50 anos de idade. As mulheres tendem muito mais a fazer a maior parte das tarefas diárias dentro de casa, como cozinhar e cuidar da faxina, enquanto os homens tendem a realizar tarefas mais ocasionais e ao livre, como cuidar do jardim e do carro.

 Uma área em que os casais jovens demonstram mais igualdade de gênero que os casais mais velhos foi a dos cuidados diários com os filhos, se bem que mesmo entre os jovens as mães geralmente se encarregam de uma parte maior.

A pesquisa Gallup não perguntou como as pessoas gostariam de dividir as tarefas; talvez elas estivessem satisfeitas com esse arranjo. Não é realista ou eficiente dividir todas as tarefas igualmente. E a divisão nem sempre está ligada ao gênero: pesquisas com casais homossexuais mostram que a partir do momento em que eles têm filhos, uma pessoa do casal tende a fazer mais em casa e menos no trabalho.

Mas nos casais heterossexuais, muitas vezes é a mulher quem assume a maior parte dos deveres domésticos, especialmente os ligados aos filhos, mesmo que ela trabalhe fora de casa. Aumentar a igualdade dos relacionamentos dentro de casa pode ter efeitos de longo alcance fora dela também.

Tradução de Clara Allain

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