Médicos não provaram que vacina precisa de dez anos de pesquisa para ser segura

Tempo não é um fator considerado nos protocolos de avaliação de órgãos como a Anvisa e a FDA, dos Estados Unidos

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São Paulo

É falso que os médicos brasileiros Nise Yamaguchi e Anthony Wong tenham provado cientificamente que uma vacina precisa de, no mínimo, dez anos de pesquisa para ser considerada segura e eficaz, conforme afirmou um blogueiro em tuíte verificado pelo Comprova.

A reportagem não encontrou qualquer indício de que os médicos tenham feito tais provas. Só foi encontrada uma entrevista à rádio Jovem Pan em que ambos falam sobre efeitos colaterais e tempo de aprovação de vacinas, mas não há provas de que haja um tempo mínimo.

Cientista com máscara azul e avental branco segura frasco de vidro com líquido de cor dourada e pipeta em laboratório
Cientista da Sinovac Biotech trabalha no desenvolvimento da Coronavac, uma das vacinas em teste no Brasil - Thomas Peter/Reuters

Tempo, na verdade, não é um dos fatores considerados nos protocolos de aprovação de vacinas tanto da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil) quanto da FDA (Food and Drug Administration, autoridade sanitária dos Estados Unidos). Além disso, o órgão norte-americano aprovou, no final de 2019, uma vacina contra ebola desenvolvida em cinco anos.

A equipe tentou entrar em contato com Yamaguchi e Wong, mas não teve retorno até o fechamento desta verificação.

Tempo de aprovação

A Anvisa afirmou que não existe tempo delimitado para a aprovação de uma vacina ou medicamento. “O que existe é a exigência de demonstração de segurança e eficácia por meio de pesquisas clínicas que forneçam dados suficientes para esta análise”, explica a agência.

O órgão afirma que há uma “exaustiva lista para regulamentação e registro”, mas que não inclui correlação com o tempo. Em seu site, a Anvisa explica as etapas que as indústrias devem seguir para registro do imunizante para Covid-19: duas são pré-testes (pesquisa para identificação de candidatos e estudos clínicos com os selecionados após testes com animais) e três fases de testes em humanos.

Menos de uma década

Apesar de não haver um tempo mínimo, a produção de vacinas geralmente leva anos e depende de muitos fatores –desde o próprio vírus que se quer combater a elementos externos , como interesses econômicos e regionais, mas há registro de vacinas produzidas em menos de dez anos.

A Ervebo, primeira vacina contra a ebola aprovada pela FDA, em dezembro de 2019, levou cerca de cinco anos para ser produzida. Apesar de o vírus ter sido descoberto na República Democrática do Congo (então Zaire) em 1976, a pesquisa para a vacina fabricada pela Merck começou em 2014, durante a epidemia no país africano entre 2013 e 2016. Outras tantas tentativas em décadas anteriores falharam.

A vacina contra a caxumba também foi descoberta em um período inferior de pesquisa. Apesar de seu vírus ter sido isolado em 1945, o médico Maurice Hilleman levou apenas quatro anos desde o início da pesquisa à aprovação, em 1967. Hilleman, que trabalhava na indústria farmacêutica e já tinha desenvolvido outros imunizantes, interessou-se pela doença depois que sua filha de cinco anos a contraiu. Essa história é contada pela rede britânica BBC.

A vacina do sarampo também foi descoberta e aprovada em menos tempo. Seu vírus foi isolado em 1954 e a vacina, licenciada pela FDA em 1963, nove anos depois.

Quem são os médicos citados

Os médicos citados no tuíte são Antony Wong, médico pediatra e toxicologista, e Nise Yamaguchi, diretora da Sociedade Brasileira de Cancerologia. Diferentemente do que diz a publicação no Twitter, nenhum dos dois comprovou que uma vacina precisa de dez anos para ser produzida.

Na entrevista à rádio Jovem Pan, Wong trata os possíveis riscos da vacina e exemplifica a demora para que a eficácia e segurança de sua aplicação sejam provadas: “A vacina que foi mais curta (para ser feita) foi a de caxumba, que demorou quatro anos. A vacina de sarampo levou nove anos, a vacina de Ebola levou cinco anos só para ser desenvolvida e mais cinco para ser aprovada. Não é só fazer e pronto. Isso leva meses, anos… Até que os órgãos reguladores aprovem uma vacina segura. Nunca houve na história da humanidade pronta nos próximos meses, como estão dizendo”, declarou.

Na mesma entrevista, Yamaguchi citou possíveis riscos que poderiam ser causadas por uma vacina contra a Covid-19. “Sabemos que as vacinas estão sendo testadas há pouquíssimos meses, então os efeitos colaterais tardios ainda não tem tempo de ser avaliados. O tempo é necessário para que os efeitos colaterais sejam estruturados”, afirmou.

Wong já teve uma fala checada –e desmentida– pelo Comprova recentemente. Em entrevista à jornalista Leda Nagle, o médico afirmou que “nenhuma vacina de coronavírus passou pela fase pré-clínica”.

Em outras entrevistas encontradas durante a apuração, Yamaguchi, por sua vez, mostrou duas preocupações relacionadas à pandemia: a primeira seria a preocupação com as pessoas que são mais vulneráveis à Covid. Já a segunda é voltada para a segurança dos pacientes ao questionar o tempo de pesquisa e testes das vacinas em andamento, além da falta de conhecimento sobre os efeitos colaterais. Além disso, como Wong, ela também afirmou, de forma incorreta, que algumas das vacinas não passaram pela fase pré-teste.

Verificação

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia.

O post verificado aqui, com 8,4 mil curtidas e cerca de 2,1 mil compartilhamentos no Twitter, desinforma ao afirmar que existe um tempo mínimo para aprovação de uma vacina e traz insegurança quanto às vacinas que estão sendo testadas atualmente pelo mundo –visto que, caso aprovadas em 2020 ou 2021, todas terão tempo de pesquisa inferior a dez anos. Ao citar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que também já questionou a velocidade de pesquisa das vacinas, o post desacredita pesquisas científicas em prol de uma visão política.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O Comprova fez esta verificação baseado em dados oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis no dia 6 de novembro de 2020.

A investigação desse conteúdo foi feita por UOL, Favela em Pauta e Alma Preta e publicada na sexta-feira (6) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Folha, GZH, Jornal do Commercio, Correio e BandNews.

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