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Apenas com ajuste de gestão, projeto aponta para redução de filas nas UTIs

Em 2020, Lean nas Emergências, do Ministério da Saúde, ajudou hospitais a diminuir superlotação em 38%

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São Paulo

Em um momento da pandemia em que muitas UTIs do país superam os 100% de lotação, um projeto aponta um caminho que pode, apenas com ajustes de gestão, melhorar o panorama nas emergências dos hospitais.

O Lean nas Emergências é um projeto do Ministério da Saúde pilotado pelo Hospital Sírio-Libanês e, em sua última fase, que se desenrolou ao longo de 2020, coincidindo com a pandemia, ajudou 35 hospitais públicos e filantrópicos a diminuir a superlotação de emergências em 38%.

A metodologia usada foi uma adaptação do Lean, que nasceu e ganhou forma na Toyota após a Segunda Guerra Mundial com o objetivo de evitar desperdícios na fabricação de veículos —lean pode ser traduzido como “produção enxuta”.

Marco Saavedra Bravo, engenheiro responsável pela implementação do Lean nas Emergências, conta que a grande mudança de pensamento é entender e mapear o fluxo de pacientes e profissionais e identificar onde há perda de tempo, por exemplo, com deslocamentos desnecessários.

A implementação foi planejada para acontecer de forma presencial, com visitas quinzenais aos hospitais. Por causa da situação atual, o projeto vem sendo adaptado, com intensificação de interações remotas entre a coordenação e as equipes dos hospitais.

“O cenário vem se mostrando crítico, uma vez que alguns estados nos quais temos pacientes com indicação de UTI e enfermarias Covid-19 não estão conseguindo acesso a este recurso. Isso se reflete tanto no SUS quanto na saúde suplementar”, afirma Bravo.

Entre as mudanças implementadas para melhorar o cenário estão reuniões diárias de 10 minutos da equipe (chamadas de "daily hudles") para garantir que todos estão na mesma página e agilizar, por exemplo, a reavaliação de pacientes.

Depois da intervenção, que aconteceu entre dezembro de 2019 e dezembro de 2020, a taxa de mortalidade nas emergências de hospitais participantes caiu de 9,6% para 6,3%, o que permite calcular um total de cerca de 6.600 vidas salvas ao mês.

O projeto está no âmbito do Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde), iniciativa que envolve o Ministério da Saúde e seis hospitais (Oswaldo Cruz, HCor, Einstein, Moinhos de Vento, Sírio-Libanês e Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Os hospitais têm isenção de tributos, mas devem investir em projetos para o aperfeiçoamento do SUS, em tópicos como redução de filas de espera, qualificação profissional, pesquisas relevantes para saúde pública, entre outras.

A avaliação da superlotação foi feita por meio do Nedocs (escore de superlotação do Departamento Nacional de Emergência, na sigla em inglês), que consiste numa pontuação que leva em conta fatores como número de pacientes, total de leitos, total de pacientes em respiradores e o tempo que leva para os pacientes serem atendidos e internados.

Em média, o Nedocs dos 35 hospitais foi de 434 para 233. Nos Estados Unidos, considera-se que o desejável é manter o parâmetro abaixo de 60, sendo 200 ou mais o indício de um desastre. Para o Brasil, porém, convém olhar o escore não como um classificador de qualidade, já que nenhum pronto-socorro tem como meta melhorar esse número, explica Rasivel Santos, médico do projeto Lean nas Emergências.

“O tamanho do impacto do projeto varia muito por tipo de pronto-socorro. Em alguns, foi de mil para 400. A gente sabe que a superlotação aumenta a mortalidade de doentes e, por isso, aqueles graves têm que ser direcionados rapidamente”, diz Santos.

Outros parâmetros em que houve melhora com a implementação do Lean foram a permanência do paciente na urgência, que era, em média, 18 horas e caiu para 6 horas, e o tempo de internação, que também caiu, de 8,5 para 7,6 dias.

Essencialmente, a adoção do modelo envolve uma mudança de cultura operacional. Os times, por exemplo, se comprometem a atualizar o plano terapêutico, a dar uma previsão de alta dos pacientes e, por fim, dar alta antes das 10h da manhã, a fim de garantir o giro de leitos, diz Bravo.

O Hospital e Pronto-Socorro Municipal Mario Pinotti, que tem 200 leitos e é referência do Samu em Belém, participou do projeto e viu uma redução de 70% no Nedocs (de 692 para 206), e também nos tempos de passagem pelo serviço de urgência (67%) e de permanência (12%).

“A imagem nesse pronto-socorro era de pacientes e macas nos corredores. Agora, você não vê mais isso. E o volume de atendimentos, de 10 mil mensais, continua o mesmo, ou até maior por conta da pandemia”, diz o diretor clínico, Renato Mauro Vieira Souza.

Ao todo, os hospitais do Lean nas Emergências conseguiram ganhar eficiência e aumentar o número de atendimentos, de 169 mil ao mês para 199 mil.

Mesmo após o fim da interação com o Sírio-Libanês, Souza conta que o método passou a contagiar outras áreas do hospital. “A gente criou outras iniciativas, como visitas multiprofissionais. Antes, não conseguiríamos fazer essa expansão porque o coração do hospital, que é a emergência, ainda não estava organizado.”

E tudo isso, conta Souza, sem nenhum recurso material. “Não precisamos comprar um prego sequer, só quadros para pendurar na parede e papel para fazer o acompanhamento.”

Os resultados até agora, são “muito exitosos”, como diz Adriana Melo Teixeira, diretora do Departamento de Atenção Hospitalar Domiciliar e Urgência do Ministério da Saúde. Para o próximo triênio (2021-2023), a meta do Lean, que custou R$ 27,8 milhões nos três primeiros anos, é expandir o número de hospitais participantes.

Para participar, é necessário inscrever a instituição em edital do Ministério da Saúde. Até agora, ao todo, incluindo outras etapas, 102 hospitais de 24 estados já se envolveram no projeto.

Se, por um lado, a pandemia impôs barreiras ao projeto, ao impedir, por exemplo, visitas in loco, por outro, serviu de catalisador para que a metodologia ganhasse importância.

“Graças a deus, a gente tinha o Lean nesses hospitais. O projeto conseguiu promover a organização diante do desafio e do medo. A pandemia mostrou o que podemos melhorar, e vai nos ajudar a pensar no que vamos fazer no próximo ciclo”, conta Teixeira, que tem 15 anos de experiência em gestão hospitalar.

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