Descrição de chapéu câncer

Fui rebatizado após transplante de fígado, diz Gero (ex-Rogério) Fasano

Empresário muda de nome depois de enfrentar cirrose e volta à ativa após um ano e meio afastado

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São Paulo

Assim que acordou da anestesia depois do transplante de fígado, em outubro do ano passado, o empresário perguntou ao seu cirurgião, Ben-Hur Ferraz Neto, que estava ao lado. “Ben, tô vivo?”. O médico respondeu: “Gero, não só tá vivo, como tá ótimo”.

Naquele momento, ele decidiu finalmente abandonar oficialmente seu nome, como cogitava havia anos. Rogério Marco Fasano ficava para trás, junto com o fígado extraído. Surgia Gero Fasano, como consta na nova certidão.

O empresário Gero Fasano à frente do Gero da rua Haddock Lobo, um dos seus restaurantes em São Paulo; aos 59 anos, ele mudou de nome (antes Rogério) e voltou à ativa depois de enfrentar uma cirrose hepática, que o levou a fazer um transplante de fígado - Eduardo Knapp - 14.mai.2021/Folhapress

Esse foi um dos capítulos mais recentes de um processo iniciado em outubro de 2018, quando o restaurateur, como gosta de ser chamado, recebeu o diagnóstico de cirrose hepática, resultado de quatro décadas com uma rotina diária de até três garrafas de vinho.

A cirrose deu origem a um câncer de fígado, e a entrada na fila do transplante do SUS tornou-se inevitável. “É uma guerra contra o tempo infernal.”

Em sua primeira entrevista sob o novo nome, Gero Fasano conta que ficou afastado das atividades profissionais cotidianas por cerca de um ano e meio e está retomando o trabalho efetivamente nesta semana.

O homem à frente de um grupo de 24 casas (restaurantes e bares) e sete hotéis no Brasil e no Uruguai também fala à Folha sobre os efeitos nesses setores das restrições impostas durante a pandemia. Houve impacto, que resultou no fechamento do restaurante de Brasília e de um bar e um quiosque no Rio.

Mas o grupo, diz o empresário de 59 anos, “vai ficar de pé”. Abre nos próximos meses um restaurante e um projeto residencial em Nova York.

Junto com a doença e a recuperação, que lhe tomaram cerca de 25 kg, vieram novos hábitos —menos noitadas, mais esporte. A persistência, no entanto, se manteve. “Vou me dedicar a Nova York como no começo da carreira, como um cachorro.”

O que causou a cirrose? 
A medicina não é uma ciência exata. Alguns fatores foram gotas d’água, e certamente o estilo de vida pesou. Abri meu primeiro restaurante com 18 anos; são, então, 40 anos de noite, dormindo às 4h, às 5h todo dia. Nunca bebi durante o dia, sempre trabalhei muito, não teria conseguido [levar o grupo Fasano ao patamar atual] se não tivesse trabalhado tanto.

Só que depois das 19h30, eu começava a tomar vinho e, como sempre tive uma resistência gigantesca, raramente ficava bêbado. Ia até as 4h, a quantidade era sem limite. Quando eu via, eram três garrafas todo dia, e meu fígado começou a dizer: “Estou cansado, dá um tempo”.

Numa noite, fui entrevistar o [chef] Erick Jacquin para o Corriere Fasano [publicação do grupo], nem abusei muito. Acordei enjoado, fui ao banheiro e vi que estava cheio de sangue. Graças a Deus, consegui estancar o processo e preservar um percentual do fígado.

Vieram problemas, como a encefalopatia hepática [complicação da doença que afeta as funções cerebrais]. Te deixa completamente atordoado. Eu atravessei a Park Avenue, em Nova York, sem olhar para os lados. Os caras brecavam à minha volta e não sabia que era eu quem estava causando aquilo. Você não lembra muitas coisas, não consegue andar em linha reta, cai no chão. É muito degradante.

[O cirurgião disse que] colocou um motor de BMW numa velha Fiat [risos]

Gero Fasano

sobre o transplante de fígado, que ocorreu em 9 de outubro de 2020

Como foi a decisão pelo transplante?
Ela não é muito sua, é mais do médico. Boa parte das pessoas com cirrose hepática desenvolve câncer. Qual é o grande problema? Depois de um determinado tamanho do câncer, o SUS te tira da lista [porque torna-se pequena a chance de o transplante ser bem-sucedido]. É uma guerra contra o tempo infernal.

Eu tinha uma posição na lista, não chegava a minha vez e o câncer crescia. [Se a cirurgia tivesse demorado] Mais um mês, o câncer estaria com um tamanho que eu seria sacado da lista. Nesse caso, eu teria que tratar o câncer novamente para que diminuísse e só assim voltar à lista.

Quanto tempo se passou do momento em que entrou na lista do transplante até a cirurgia? 
Um ano e pouco. Na lista, eu tinha a posição 26 em um determinado momento e acordava na 36. Depois mudava para 22. Isso acontece porque tem gente que entra na fila em condições piores.

Fui chamado duas vezes ao hospital, mas o fígado era de um doador que tinha Covid. Na terceira vez, houve cancelamento da doação.

Só foi operado, então, na quarta vez que foi chamado ao hospital?
Sim. Segundo o Ben-Hur [Ferraz Neto, cirurgião que comandou a equipe responsável pelo transplante], ele colocou um motor de BMW numa velha Fiat [risos]. Estou contando com isso.

Qual avaliação faz da fila do transplante? 
É uma das coisas mais corretas que eu já vi, uma correção ímpar. Mas é também a situação de maior aflição que já vivi.

Em que momento teve mais medo de morrer? 
O problema de ficar doente hoje em dia é essa porcaria chamada Google. Lá tem de tudo, inclusive fotos de pessoas com cirrose avançada, o que te deixa muito impressionado. O celular [referindo-se ao Google] esclarece muitas coisas, mas te põe em pânico em 90% das vezes. Você fica viciado em buscar uma compreensão que, muitas vezes, nem os médicos têm.

Aliás, visitei um médico nos EUA, que disse que eu deveria fazer um transplante triplo: fígado, pulmão e coração. Perguntei o que ele realmente sugeria que eu fizesse, e a resposta foi: “Antes de qualquer coisa, um testamento”. Esses americanos pegam pesado.

Fiz questão de dizer a ele que essa opinião não ia me pegar. Mas, é óbvio, ao chegar em casa, contei para minha mulher e chorei.

Ao longo desse processo, quantos quilos perdeu?
Estou com 74 kg. Ao todo, perdi uns 25 kg. Mas houve uma época que eu estava bem gordinho, uns 15 kg acima do que sempre fui.

Certidão de nascimento com o novo nome de Gero Fasano
Certidão de nascimento com o novo nome de Gero Fasano - Reprodução

Como se sente hoje? 
Muito bem. Volto agora ao trabalho depois de um ano e meio, com muita saúde, fazendo esportes. E acontecem coisas engraçadas. Minha voz, por exemplo, mudou, fiquei com um vozeirão. E o cabelo está mais preto e mais duro. Mudou a textura.

Parou de beber completamente?
Estou autorizado a beber um vinho aqui e acolá, tenho bebido bem pouco. Meus hábitos mudaram muito.

David Bowie (1947-2016), um dos meus heróis, tem uma frase que escrevi no espelho do meu banheiro. Perguntaram o que havia mudado depois dos 60 anos, e ele respondeu: “I found out morning does exist” [Descobri que a manhã existe]. Hoje em dia, amo acordar cedo.

Também prometi não fazer mais nada que me aporrinhe, como reuniões infindáveis. Voltarei a agir como antes, resolvendo as coisas do meu jeito. Além disso, não quero mais fazer corpo a corpo nos restaurantes até 2h, 3h. Quando se está bebendo pouquíssimo ou não está bebendo, é melhor sair fora, você destoa.

[Horas depois da entrevista, Fasano liga para o repórter para acrescentar dois hábitos contemporâneos que o incomodam] Me recuso a ouvir mensagem de voz. E outra coisa: nada contra o home office, mas não dá pra participar de conversas online com a pessoa do outro lado comendo, com barulho do filho.

O senhor fez uma campanha pela doação de órgãos em novembro do ano passado, um mês depois da cirurgia. Como foi?
Foram anúncios nos grandes jornais e nas principais revistas. Chegou às pessoas para as quais deveria chegar.

Como escrevi no anúncio, é muito tocante que os familiares optem pela doação no pior momento da vida deles. Eu estou aqui porque alguém quis —nunca saberei quem é, não tenho acesso a essa informação.

Falo, com emoção, que eu penso nele em todos os cuidados que tomo hoje. Esse cara estará sempre comigo e é obrigação minha cuidar de alguém que me deu um presente tão raro, a minha sobrevida. Não tenho o direito de chutar o balde e destratar essa pessoa e essa família, que optaram por me dar um órgão vital.

Por outro lado, tenho visto o que os doentes com Covid têm enfrentado na UTI e o que passa o prefeito da cidade [a entrevista foi feita em 14 de maio, dois dias antes da morte de Bruno Covas]. Meu caso é até leve diante do que essas pessoas passam. A maneira com que o Bruno Covas enfrenta o câncer é a de um herói.

Decidiu mudar seu nome depois do transplante, é isso mesmo?
Sou o único da minha família com nome brasileiro. Meu pai queria Ruggero, nome do meu avô, mas minha mãe estava cansada de tantos nomes italianos e decidiu que seria Rogério. Nunca gostei do nome, confesso. Aí meu pai fez a confusão final. Disse que precisava ter um nome italiano no meio e meteu Marco. Ficou, então, Rogério Marco Fasano.

Por sorte do destino, desde os seis anos, meu apelido é Gero. A maior parte dos meus amigos me trata dessa forma. Já queria ter feito essa mudança de nome, mas, pra evitar trabalho, acabei deixando de lado.

Saindo da mesa de operação e indo para o centro de tratamento intensivo [do hospital Copa Star, no Rio], acordei da anestesia. De um lado, estava o Ben-Hur e, do outro, Ana, a minha esposa. Olhei para ele e perguntei: ‘Ben, tô vivo?’. Ele respondeu: ‘Gero, não só tá vivo, como tá ótimo’. A cirurgia [com seis horas de duração] havia sido um sucesso.

Não falei nada na hora, mas pensei: você me rebatizou. Depois de deixar o hospital, falei com meu advogado, Marcelo Huck, e, 15 dias depois, tinha uma nova certidão. Naquele momento, me senti rebatizado, e o Rogério ficou com o fígado velho. Também vou comemorar aniversário todo 9 de outubro, a data em em que aconteceu o transplante [em 2020].

Além disso, percebi que meu nome nos EUA [para onde tem ido nos últimos anos com frequência por conta dos novos projetos] é impronunciável. “Rorrélio” ninguém merece [risos].

Como o grupo Fasano tem lidado com as medidas de fechamento tomadas durante a pandemia?
O grupo vai ficar de pé e tem muitos planos. Temos um sócio muito forte, a [empresa do setor imobiliário] JHSF, que esteve firme ao nosso lado. Sobrando os dedos, do resto a gente vai atrás.

O que me deixa chateado é o seguinte: as medidas radicais, como os lockdowns, que o mundo inteiro fez, têm que acontecer mesmo, mas que venham com ajuda dos órgãos de governo, como benefícios fiscais. Não dá para um restaurante fechado pagar IPTU, não é justo. E quando, por exemplo, 25% da casa é aberta, deveria ser cobrado o IPTU proporcional.

Quais são esses planos? 
Vamos inaugurar em junho o Fasano Club Residence Hotel na Quinta Avenida, em Nova York, em frente ao Central Park. É um prédio de 16 apartamentos, pequeno e acolhedor, um projeto do [arquiteto francês] Thierry Despont. É preciso ser membro e, por enquanto, as pessoas estão sendo convidadas.

E o meu grande desafio é o restaurante Fasano, também em Nova York, na Park Avenue com a rua 49, onde era o restaurante Four Seasons. É um projeto do Isay [Weinfeld]; aliás, trabalhar com ele é sempre um prazer. Abre no meio de setembro e devo ficar uns cinco meses por lá.

Steve Roth [grande empresário americano, dono do prédio onde está o Fasano em Nova York] me deu um restaurante de US$ 40 milhões [o valor se refere aos investimentos previamente realizados pelo grupo de Roth no espaço, como a cozinha e a adega]. E fizemos algumas adaptações, especialmente no salão, para deixar o ambiente mais caloroso.

Estava praticamente pronto em março do ano passado para abrir dois meses depois e veio a pandemia. Fechou tudo e vim para o Brasil.

Bar do Fasano Club Residence Hotel, em Nova York; inauguração está prevista para junho deste ano - Divulgação

E depois de Nova York? 
Vou me dedicar a Nova York como no começo da carreira, como um cachorro, trabalhando todo dia, das 11h às 23h, indo de mesa em mesa.

Depois, tenho um grande sonho, que é morar na Itália. Manter uma residência lá e viajar para acompanhar as operações nos outros países. E contribuindo mais com ideias do que com corpo a corpo.

Essa gastronomia mais refinada vai mudar muito depois da pandemia?
Brinco, às vezes, que minha função de restaurateur está em extinção; hoje só existe o chef. O restaurateur é o cara que pensa do menu ao ambiente, à luz, ao serviço, tudo. As pessoas estão sentindo muito falta de sair, de conversar, de rir, e isso o restaurante precisa oferecer. Eu não acredito em um restaurante que tenha só comida boa ou só décor bom. É um conjunto de coisas que faz um grande restaurante.

Sempre tivemos uma cozinha simples, mas sofisticada nos ingredientes. E esses ingredientes, infelizmente, custam mais caro. Costumo dizer que 70% de um bom prato é ingrediente e 30% vem do chef. Mas, claro, um chef ruim estraga um bom ingrediente.


Raio-x - Gero Fasano

Nascido em 1962 em um família fortemente ligada à tradição da gastronomia italiana, o empresário paulistano comanda o grupo que administra 24 casas (restaurantes e bares) e sete hotéis no Brasil e no Uruguai. Vai abrir nos próximos meses um restaurante e um empreendimento residencial em Nova York.


É possível substituir nome por 'apelido público'

Em situações como casamento e divórcio, a alteração de nome pode ser feita diretamente no cartório, sem a necessidade de uma autorização judicial.

Decisão de 2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também simplificou as regras para as pessoas trans mudarem nome e gênero em suas certidões de nascimento ou de casamento.

É possível ainda alterar o nome em casos de inclusão de um "apelido público notório" ou de substituição por ele. Mas essa mudança exige autorização judicial.

No caso de Fasano, houve substituição: Gero no lugar de Rogério Marco. Outra situação conhecida é a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que o apelido foi incorporado ao nome. ​

Outros casos são mais complexos e exigem uma decisão judicial, como mudança de nome de vítimas ou testemunhas de crimes a fim de protegê-las.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do que afirmava o texto, a mudança de nome para inclusão de apelido público ou para substituição por ele só pode ser feita por via judicial.

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