Gays e câncer de próstata: 'Nós podemos recuperá-los'

Médicos propõem novas abordagens para tratar sintomas físicos e emocionais

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Steve Kenny
Chicago | The New York Times

Matthew Curtin soube que tinha câncer de próstata depois de um exame médico de rotina em outubro de 2019, quando o teste mostrou que havia um problema. Uma biópsia confirmou a notícia, e os médicos disseram a ele que a melhor opção seria uma cirurgia para remover a próstata.

A cirurgia correu bem, e dois anos depois não há indício de que o câncer tenha retornado. Mas para Curtin, 66, o diagnóstico e a operação foram só o início de uma "aventura clínica, psicológica e emocional" —que ele achou que muitos urologistas não estavam capacitados para tratar, porque ele é gay e a maioria dos médicos e seus pacientes não são.

Os sintomas após o tratamento são semelhantes para todos os pacientes de câncer de próstata, como incontinência urinária, disfunção erétil, redução da libido e perda de ejaculação. Mas pesquisadores estão descobrindo que essas mudanças podem repercutir na vida dos homens gays e bissexuais de maneiras inesperadas, e às vezes difíceis.

Os obstáculos podem ser físicos e emocionais, e afetar o relacionamento dos pacientes com seus parceiros. E representam um desafio para os profissionais médicos mais informados sobre as necessidades de relacionamento de homens heterossexuais.

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Montagem de agulhas com sementes de iodo para tratamento de próstata em hospital de São Paulo - Eduardo Knapp - 21.ago.19/Folhapress

​Curtin disse que ele estava com mais ou menos três meses de tratamento quando percebeu que "havia muito mais coisas acontecendo —o efeito emocional e psicológico— que não estavam sendo tratadas".

A primeira reação de seu médico, disse Curtin, foi: "Meu consultório não está preparado para isso".

A busca de Curtin por uma abordagem diferente o levou ao doutor Channa Amarasekera, diretor do Programa de Urologia Masculina Gay e Bissexual da faculdade de medicina da Universidade Northwestern, em Chicago. O programa, que começou a atender pacientes em agosto, é o primeiro desse tipo nos Estados Unidos. Amarasekera, que concentrou sua carreira profissional em tratamentos urológicos para homens gays, bissexuais e outras minorias sexuais, é o primeiro diretor do programa.

É um campo de estudo emergente, motivado em parte pelo número crescente de pacientes de câncer de próstata que se identificam como gays ou bissexuais. "Historicamente, o sistema médico mais ou menos atuou em um esquema 'não pergunte e não diga', o que é problemático", disse Amarasekera. "Felizmente, isso está mudando. Os pacientes são cada vez mais abertos sobre quem eles são."

Os homens gays e bissexuais na casa dos 50 e 60 anos que estão entrando no grupo mais atingido por câncer de próstata também viveram o pior da epidemia de Aids. Essa experiência deixou muitos deles mais experientes em lidar com o ambiente médico —e mais desconfiados dele.

"Agora é importante tranquilizar os pacientes que amadureceram nessa época que as coisas são diferentes e eles podem esperar melhor tratamento", disse Amarasekera.

O problema, segundo especialistas no campo, é que a pesquisa sobre homens gays e bissexuais e câncer de próstata ainda é lamentavelmente inadequada.

"Historicamente, a maior parte da pesquisa sobre saúde gay se concentrou em HIV e homens jovens, porque era o grupo mais atingido", disse Simon Rosser, professor de epidemiologia e saúde comunitária na Universidade de Minnesota, que liderou um estudo em 2017 com homens gays e bissexuais com câncer de próstata.

"Somente agora que a geração da Aids amadureceu e enfrenta problemas como câncer de próstata os especialistas estão começando a atender pacientes gays", disse Rosser. "Mas eles não são treinados em minorias sexuais e cuidados de saúde."

O doutor Edward Schaeffer, chefe do departamento de urologia da Escola de Medicina Feinberg da Universidade Northwestern e chefe de urologia no Hospital Memorial Northwestern, disse que sentiu a importância de uma nova abordagem há cerca de três anos.

"Eu senti que era uma grande necessidade não atendida", explicou Schaeffer, cujo trabalho enfocou principalmente as disparidades entre homens com câncer de próstata, particularmente entre homens negros e outros. Então ele criou o programa com Amarasekera.

Amarasekera estudou o treinamento dos urologistas e descobriu que muitos relatavam ter recebido menos de cinco horas de instrução sobre o tratamento de pacientes gays e bissexuais. Ele também pesquisou pacientes gays, que de modo geral disseram que sua satisfação sexual não era levada em conta adequadamente durante o tratamento do câncer de próstata.

"É importante coletar dados sobre como o tratamento afeta a função sexual de modo diferente para homens gays e bissexuais, que têm repertórios sexuais diferentes dos homens heterossexuais", disse ele. "Se você não tem as ferramentas para medir aspectos da função sexual que são específicos de homens gays e bissexuais, você perde uma oportunidade de acompanhar seu progresso."

Muitos dos homens que Amarasekera atende nas duas clínicas do programa —uma no centro de Chicago e outra no bairro historicamente gay de Northalsted— não estão preparados para enfrentar mais uma crise de saúde. Um deles é um advogado de 59 anos de Chicago que é HIV-positivo e disse que não foi totalmente avisado sobre como a remoção da próstata afetaria seu corpo.

"É uma devastação", disse o advogado, que pediu para seu nome não ser citado porque nem todos os seus parentes sabem que ele tem HIV. "Há uma feminização do corpo, uma diminuição dos órgãos genitais."

O sistema de saúde, disse ele, "marginaliza os gays, especialmente quando se trata de saúde sexual, e a próstata está muito ligada à saúde sexual dos homens gays. É um órgão sexual, e foi removido".

"Um urologista anterior disse simplesmente: 'Vá em frente e desfrute sua vida, e adeus'", contou o advogado.

Gary Dowsett, professor emérito no Centro de Pesquisa Australiano em Sexo, Saúde e Sociedade na Universidade La Troube em Melbourne, disse que esse tratamento, embora não seja propositadamente insensível, não é raro. Simplesmente alguns urologistas não percebem que a próstata é "uma espécie de ponto G", e os homens gays com frequência sabem disso.

"Se eles não entendem o papel da próstata no prazer sexual, raramente é uma discussão prioritária", disse Dowsett, que sobreviveu a um câncer de próstata, sobre os urologistas. "O foco é geralmente para a continência e as ereções, como se o sexo começasse e acabasse aí."

Schaeffer e Amarasekera disseram que a informação reunida pelo programa da Northwestern beneficiará a urologia como um todo. Afinal, os homens hétero muitas vezes também ficam perturbados pelas consequências do tratamento e sentem que não foram avisados adequadamente.

"Quando você não faz as perguntas certas ou não aconselha os pacientes sobre os impactos potenciais do tratamento relevantes para eles, você basicamente não permite que eles tomem uma decisão informada", disse Amarasekera. "Isso pode causar ressentimento, e compreensivelmente, se eles experimentarem efeitos colaterais do tratamento."

​Schaeffer disse esperar que a abordagem do programa à saúde urológica dos gays "comece nas grandes cidades e então se espalhe".

Os pacientes de câncer de próstata não são o único foco do programa. "Eu o vejo se expandindo e sendo um lugar para os gays buscarem cuidados urológicos em geral", disse o médico.

O advogado de Chicago que está sendo tratado por ele disse que sua experiência com o programa "ajuda muito a reduzir a desconfiança que muitos gays sentem em relação às instituições médicas".

Ele ainda está com o homem que começou a namorar pouco antes de seu diagnóstico, e eles planejam se casar. O sexo continua sendo um "tremendo prazer", disse.

Esse é o resultado que Amarasekera quer para todos os seus pacientes.

"Depois do tratamento, muitos homens com câncer de próstata se concentram na parte afetuosa do relacionamento, mais que no sexo", disse ele. "Nós estamos aqui para dizer: 'Sim, é importante cuidar do afeto. Mas o sexo não terminou. Nós ainda podemos recuperá-lo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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