Descrição de chapéu Folhajus

4 a cada 10 ações de judicialização da saúde de crianças em SP envolvem tratamento de autistas

Na rede privada, condição é descrita em metade dos pedidos decididos na Justiça desde 2011 envolvendo pacientes menores de 18 anos

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São Paulo

Quatro em cada dez ações que são decididas pela Justiça do estado de São Paulo para atendimento de saúde de crianças e adolescentes estão relacionadas ao tratamento de pacientes com transtorno do espectro autista (TEA).

Quando os processos são separados por setor, a condição foi responsável por 49% dos pedidos na rede privada que obtiveram decisão de 2011 a 2022. No setor público (sem distinção de municipal, estadual ou federal), por sua vez, os principais casos eram relacionados ao tratamento de diabetes (10%) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH, com 7%).

Paciente brinca no hospital Infantil Darcy Vargas, em São Paulo - Karime Xavier - 1º.nov.2018/Folhapress

Os dados são de uma pesquisa inédita desenvolvida pelo Núcleo de Direito, Saúde e Políticas Públicas do Insper, feita com apoio financeiro da Fundação José Luiz Egydio Setúbal. O estudo completo será publicado em dezembro, mas os resultados preliminares foram divulgados no sábado (8) em um encontro promovido pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal e pelo Hospital Infantil Sabará.

De forma geral, segundo o levantamento, o Tribunal de Justiça paulista deu parecer favorável para cerca de 61% dos pedidos de ação para atendimento de crianças e adolescentes no período, considerando as decisões em caráter liminar (provisório).

A resposta favorável aparece em 82% dos casos enviados ao setor público e em cerca de 53% no setor privado.

Os principais motivos para recorrer à Justiça para o tratamento desses pacientes são necessidade de cobertura de serviço ou medicamento, indenização ou reembolso de cobertura —este último no caso do setor privado.

De acordo com Vanessa Boarati, pesquisadora principal do estudo, o levantamento foi motivado pela falta de informações sobre os processos de judicialização da saúde infantil na literatura científica.

"Não encontramos nenhum estudo prévio com as características dos pedidos feitos à Justiça para tratar crianças e adolescentes. O que vimos é que as solicitações são em geral resolvidas em primeira instância, quase nunca vai para segunda, e que os juízes na maioria dos casos deferem a favor do paciente", explica.

Para fazer o levantamento, os pesquisadores acessaram o banco de sentenças do Tribunal de Justiça de São Paulo (primeira instância).

Do total de 37.619 processos, foram selecionados 993 que diziam respeito a pedidos para pacientes de zero a 18 anos. Uma segunda análise selecionou apenas aqueles que tinham decisão publicada, que representavam 55,6% da amostra, ou 550. O período do estudo foi de 2011 a 2022, com dados parciais neste ano.

Os pedidos feitos para oferta de serviços pela saúde privada representavam mais de dois terços (quase 70%) do total de solicitações, enquanto aqueles direcionados ao setor público eram cerca de um terço (29,95%).

A maior parte dos pedidos também se referia ao atendimento de meninos (63%), enquanto as meninas representavam 3 em cada 10 dos pedidos feitos (33,7%). O sexo não foi determinado em 3% das solicitações.

Em 80% dos pedidos não foi possível saber a idade dos pacientes. Nos casos em que isso foi possível, as crianças de 0 a 3 anos representaram 65% dos casos.

Segundo Boarati, é nessa idade que são feitos os exames que permitem diagnosticar, por exemplo, o TEA, cuja incidência é maior em meninos, o TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, que representa a segunda principal causa para pedidos no setor público) e o diabetes mellitus —ou diabetes tipo 1, quando o paciente precisa de injeções de insulina.

A pesquisadora afirma também que o resultado de que mais pedidos sejam feitos para a saúde suplementar não surpreende, mas ela destaca que a proporção de pedidos deferidos é maior no setor público.

"Isso porque com frequência os solicitantes pedem aos planos de saúde, além da cobertura do serviço, uma indenização ou reembolso. No caso de indenização, ela representa cerca de 20% das ações, mas a maior parte dos juízes considera como indeferida. Já no setor público a indenização é quase inexistente", explica.

Ainda de acordo com a pesquisadora, o motivo para o TEA liderar os pedidos de ação judicial para concessão de tratamento são a modalidade de terapia conhecida como ABA (análise de comportamento aplicada, na sigla em inglês), cujo método, benefícios e comprovação ainda estão em discussão no meio científico.

Apesar de a incidência de diabetes infantil ser menor do que na população adulta, tal diagnóstico também ocorre precocemente na infância. "Isso pode justificar porque o principal tipo de condição que leva às ações judiciais no setor público é diabetes. Apesar de disponíveis no SUS [Sistema Único de Saúde] os tratamentos com insulina humana, outros tipos de tratamento e insumos são ofertados no setor privado, mas não no público", diz.

A próxima etapa do estudo irá investigar quais são os custos da judicialização da saúde infantil no estado de São Paulo, que podem envolver tanto a compra de medicamentos que não estão dentro dos tratamentos incorporados pelo SUS como aquelas fora do rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Neste ano, a lista passou por uma mudança importante, deixando de ser taxativa para ser exemplificativa (quando serve apenas como referência para os planos de saúde).

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo disse que vem ampliando as estratégias para melhorar a gestão e reduzir gastos públicos com judicializações que privilegiam direitos individuais, na contramão da assistência universal preconizada pelo SUS.

A pasta afirma trabalhar "para atender todas as demandas judiciais no menor tempo possível", mas os processos de licitação podem demorar pois "cada fase possui prazo determinado para ser concluída".

"Muitos processos chegam com decisões liminares para entrega imediata de medicamentos, e muitos dos pedidos médicos indicam tratamentos que não estão disponíveis na rede do Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive medicamentos importados, que não são produzidos no Brasil", afirma a nota.

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