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Crescem evidências do papel de vírus na doença de Alzheimer

Pesquisadores se concentram em patógenos que incluem os vírus da Covid, herpes e Epstein-Barr

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Clive Cookson
Londres | Financial Times

Há mais de 30 anos a professora Ruth Itzhaki junta evidências de envolvimento de vírus na doença de Alzheimer, especialmente do vírus da herpes comum, HSV-1.

Mas persuadir o mundo científico a levar a sério a ideia de que uma infecção viral tenha um papel importante em condições cerebrais degenerativas tem sido um desafio para Itzhaki e outros cientistas que seguem sua linha de pensamento. Agora, porém, ela acha que a maré da opinião biomédica está finalmente virando a favor deles.

"Muito mais observações estão vindo à tona", afirmou Itzhaki, que trabalha no Instituto de Envelhecimento Populacional da Universidade Oxford. Ela destaca que 500 estudos usando abordagens diferentes reforçam a visão de que os vírus desempenham um papel na doença de Alzheimer.

O estudo pretende provar o envolvimento de vírus na doença de Alzheimer, especialmente o da herpes comum, HSV-1 - Alain Jocard - 18.fev.20/AFP

Susan Kohlhaas, diretora de pesquisas da entidade sem fins lucrativos Alzheimer’s Research UK, admite que a relação entre vírus e a doença "é um campo sob investigação ativa no qual tem muita coisa acontecendo". Porém, ressalva, "ainda não há um consenso sobre qual é o papel dos vírus".

O estudo mais recente de Itzhaki foi feito com colegas dela na Universidade Tufts, nos Estados Unidos, e publicado no Journal of Alzheimer’s Disease. O trabalho demonstrou como o HSV-1 pode desencadear as etapas iniciais da demência ao interagir com o vírus relacionado varicela-zoster (VVZ), responsável pela varicela (catapora) em crianças e pela herpes-zóster, também conhecido como cobreiro.

Como Itzahki demonstrou originalmente no início da década de 1990, o HSV-1 permanece dormente no cérebro de muitos idosos. Utilizando a cultura de tecido neural tridimensional da Tufts para modelar o cérebro, pesquisadores descobriram que o VVZ pode ativar o HSV-1, levando a um acúmulo de proteínas tau e amiloides e à perda de função neuronal, elementos característicos da doença de Alzheimer. Sozinho, o VVZ tinha pouco efeito.

"Nossos resultados sugerem um caminho à doença de Alzheimer: uma infecção por VVZ que cria gatilhos inflamatórios que ativam o HSV-1 no cérebro", disse Dana Cairns, da Universidade Tufts. "Demonstramos a existência de um vínculo entre o VVZ e a ativação do HSV-1, mas é possível que outros eventos cerebrais inflamatórios (como um traumatismo craniano) também possam despertar o HSV-1 e levar à doença de Alzheimer."

Ensaios clínicos que estão sendo feitos na Universidade Columbia e no Instituto Psiquiátrico do Estado de New York estão reunindo mais evidências diretas do papel do HSV-1 no Alzheimer. Participantes que se encontram nas etapas iniciais da doença e estão infectados com HSV-1 estão recebendo o valaciclovir, um medicamento antiviral contra herpes, ou um placebo. Os ensaios devem ser concluídos em dezembro de 2023.

O interesse nas ligações entre demência e vírus também aumentou com a pandemia de Covid-19, com o acúmulo de evidências de que o Sars-Cov-2, o vírus responsável pela Covid, pode afetar o cérebro de alguns pacientes.

Um estudo extenso dos efeitos neurológicos e psiquiátricos persistentes do Sars-Cov-2 foi publicado em agosto por outros cientistas da universidade Oxford. Eles analisaram as fichas médicas eletrônicas de 1,25 milhão de pessoas diagnosticadas com Covid e de um grupo de controle que tinha outras infecções respiratórias. Entre pessoas com 65 anos ou mais, 4,5% dos pacientes com Covid desenvolveram demência nos dois anos subsequentes, contra 3,3% do grupo de controle.

Mas, como desta Kohlhaas, os primeiros casos de Covid foram registrados menos de três anos atrás, e pode levar mais tempo que isso para os gatilhos neurais iniciais levarem a sintomas da doença de Alzheimer. "Ainda não tivemos tempo bastante para acompanhar e entender as implicações da Covid para pessoas que poderão um dia desenvolver demência", ela disse.

Itzhaki suspeita que o Sars-Cov-2, como o VVZ, aumenta o risco de Alzheimer ao reativar o HSV-1 latente presente no cérebro. Pessoas com o gene ApoE4 parecem ser especialmente vulneráveis. Num esforço para avaliar essa hipótese, neurologistas de 25 países criaram uma colaboração global: o Consórcio da Associação de Alzheimers sobre as Sequelas Neuropsiquiátricas Crônicas da infecção por Sars-Cov-2.

"Nenhuma evidência disponível subsidia a ideia de que o comprometimento cognitivo após uma infecção por Sars-Cov-2 seja uma forma de demência, quer seja a doença de Alzheimer, demências relacionadas ou alguma outra causa", diz o líder do consórcio, Gabriel de Erausquin, do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas em San Antonio. "A iniciativa multinacional vai trazer dados para responder a essa pergunta com a maior clareza possível num conjunto globalmente diverso de participantes."

Pesquisadores também estão estudando ligações entre vírus e outras condições neurológicas. "Recentemente, saíram vários artigos sobre vírus e a doença de Parkinson", diz Itzhaki. "E o vírus Epstein-Barr (VEB) foi vinculado à esclerose múltipla."

Uma equipe liderada por Alberto Ascherio, da Escola Harvard TH Chan de Saúde Pública, estudou mais de 10 milhões de militares americanos entre 1993 e 2013 que tiveram amostras de sangue colhidas a cada dois anos como parte de exames médicos de rotina. Os resultados saíram em janeiro na revista Science.

A equipe comparou amostras de 800 pessoas que desenvolveram esclerose múltipla com 1.500 pessoas de controle sem esclerose múltipla. A probabilidade de as pessoas infectadas pelo VEB desenvolverem esclerose múltipla foi 32 vezes maior que a dos não infectados. Não foi encontrada ligação entre a esclerose múltipla e outros vírus humanos. "Este é o primeiro estudo que traz evidências convincentes de causalidade", diz Ascherio.

Tradução de Clara Allain

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