Descrição de chapéu câncer

Depois de desistir de vacinas contra o câncer, médicos vislumbram esperança

Estudos preliminares recuperam otimismo sobre a possibilidade de imunização contra tumores de pâncreas, cólon e mama

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Gina Kolata
The New York Times

Parece um sonho quase impossível –uma vacina contra o câncer que protegeria pessoas saudáveis com alto risco da doença. Quaisquer células malignas incipientes seriam eliminadas pelo sistema imunológico. Não seria diferente de como as vacinas protegem contra doenças infecciosas.

No entanto, ao contrário destas últimas, a promessa de um imunizante contra o câncer frustrou os pesquisadores no passado, apesar de seus árduos esforços. Agora, porém, muitos esperam que algum sucesso possa estar próximo na busca de proteger as pessoas contra o câncer.

Mary L. Disis, diretora do Instituto de Vacina contra o Câncer da Universidade de Washington, nos Estados Unidos - Kiran Dhillon via New York Times

A primeira vacina envolve indivíduos com uma grande chance de desenvolver câncer de pâncreas, um dos mais difíceis de tratar quando está em evolução. Outros estudos de vacinas envolvem pessoas com alto risco de câncer de cólon e de mama.

É claro que essa pesquisa está em seus primeiros dias, e os esforços da vacina podem falhar. Mas os dados obtidos com animais são animadores, assim como alguns estudos preliminares em pacientes humanos, e os pesquisadores demonstram um novo otimismo.

"Não há razão para que as vacinas contra câncer não funcionem se administradas no estágio inicial", disse Sachet Shukla, que dirige um programa de vacina contra o câncer no Centro de Câncer MD Anderson, no Texas. "As vacinas contra o câncer", acrescentou ele, "são uma ideia cuja hora chegou" (Shukla possui ações em empresas que desenvolvem vacinas contra câncer).

Essa visão está muito longe de onde estava esse campo há uma década, quando os pesquisadores quase desistiram. Estudos que teriam parecido um sonho impossível estão em andamento.

"As pessoas diriam que é loucura", disse Susan Domchek, principal investigadora de um estudo de vacina contra o câncer de mama na Universidade da Pensilvânia.

Agora, ela e outros preveem um momento em que qualquer pessoa com uma condição pré-cancerosa ou predisposição genética à doença poderá ser vacinada e protegida.

"É super aspiracional, mas precisamos pensar grande", disse Domchek.

Prognóstico menos sombrio

Elizabeth Jaffee, vice-diretora do Centro de Câncer Sidney Kimmel da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Maryland (Estados Unidos), em 2019 - Nina Westervelt - 15.jan.2019/The New York Times

Marilynn Duker sabia que sua árvore genealógica incluía vários parentes que tinham câncer. Então, quando um conselheiro genético lhe ofereceu o teste para ver se ela tinha alguma das 30 mutações genéticas causadoras de câncer, ela aceitou prontamente.

O teste encontrou uma mutação no gene CDKN2A, que predispõe as pessoas que o possuem ao câncer de pâncreas.

"Eles ligaram e disseram: 'Você tem essa mutação. Não há realmente nada que possa fazer'", lembrou Duker, que mora em Pikesville, em Maryland, e é CEO de uma empresa de residências para idosos.

Ela começou a fazer exames e endoscopias regulares para examinar seu pâncreas. Eles revelaram um cisto. Não mudou nos últimos anos. Mas se evoluir para câncer o tratamento provavelmente falhará.

Pacientes como Duker não têm muitas opções, disse Elizabeth Jaffee, vice-diretora do Centro Abrangente de Câncer Sidney Kimmel da Universidade Johns Hopkins. Uma pessoa com cistos mais avançados poderia evitar o câncer removendo o pâncreas, mas isso imediatamente a mergulharia em um reino de diabetes grave e problemas digestivos. A cirurgia drástica pode valer a pena se salvar uma vida, mas muitas lesões pré-cancerosas nunca se transformam em câncer se forem simplesmente deixadas em paz. No entanto, se as lesões se transformarem em câncer –mesmo que ele seja detectado em estágio inicial–, o prognóstico é sombrio.

A situação oferece a oportunidade de fazer e testar uma vacina, acrescentou ela.

No câncer de pâncreas, explicou Jaffee, a primeira mudança nas células normais rumo à malignidade quase sempre é uma mutação num gene de câncer conhecido, o KRAS. Outras mutações se seguem, com seis delas provocando o crescimento do câncer de pâncreas na maioria dos pacientes. Essa percepção permitiu que os pesquisadores da Hopkins desenvolvessem uma vacina que treinaria as células T —glóbulos brancos do sistema imunológico– para reconhecerem células com essas mutações e matá-las.

Seu primeiro teste, um estudo de segurança, foi em 12 pacientes com câncer de pâncreas em estágio inicial que já tinham sido tratados com cirurgia. Embora nesses casos o câncer tenha sido detectado logo após seu surgimento, e apesar do fato de terem sido tratados, os pacientes com câncer de pâncreas normalmente têm 70% a 80% de chance de ter uma recorrência nos anos seguintes. Quando o câncer de pâncreas retorna, é metastático e fatal.

Dois anos depois, esses pacientes ainda não tiveram recorrência.

Agora, Duker e outro paciente foram vacinados para tentar evitar que um tumor comece. "Estou muito animada com essa oportunidade", disse ela.

A vacina parece segura e provocou uma resposta imune contra as mutações comuns neste câncer.

"Até agora, tudo bem", disse Jaffee.

Mas só o tempo dirá se previne o câncer.

Marilynn Duker, paciente com um cisto no pâncreas, em Pikesville, Maryland (Estados Unidos) - Matt Roth - 29.abr.2022/The New York Times

Bloqueando um precursor

Mary Disis, diretora do Instituto de Vacina do Câncer da Universidade de Washington, quer prevenir o câncer de mama em mulheres com variantes genéticas que as colocam em alto risco. Suas esperanças iniciais, porém, são mais modestas.

Um objetivo é ajudar as mulheres que têm carcinoma ductal "in situ", que os médicos chamam de pré-câncer. A cirurgia é o tratamento padrão, mas algumas mulheres também fazem quimioterapia e radiação para se proteger do desenvolvimento de câncer de mama invasivo. "Idealmente, uma vacina substituiria esses tratamentos", disse ela.

Disis começou examinando as células-tronco do câncer de mama, encontradas em cânceres precoces. Essas células são resistentes à quimioterapia e à radiação e podem sofrer metástase. Eles geram recorrências de câncer de mama, disse Disis, que recebeu subsídios de empresas farmacêuticas e é fundadora da EpiThany, empresa que está desenvolvendo vacinas.

Ela e seus colegas encontraram várias proteínas nessas células-tronco que eram normais, mas produzidas em um nível muito mais alto nas células cancerosas do que nas não cancerosas. Isso ofereceu uma oportunidade para testar uma vacina que produzia algumas dessas proteínas.

A vacina foi testada em mulheres com câncer avançado bem estabelecido. Não curou os cânceres, mas demonstrou que a vacina pode fornecer o tipo de resposta imune que pode ajudar no início da doença.

Disis planeja vacinar pacientes com carcinoma ductal "in situ" ou outra condição pré-cancerosa, hiperplasia ductal atípica. Seu grupo tem uma vacina desenvolvida para atingir três proteínas produzidas em quantidades anormalmente altas nessas lesões.

A esperança, segundo ela, é fazer que as lesões diminuam ou desapareçam antes que as mulheres façam a cirurgia para removê-las.

"Seria a prova de que a vacina tem um efeito de limpeza", disse ela. Se a vacina tiver êxito, as mulheres poderão se sentir seguras para renunciar à quimioterapia ou à cirurgia.

Um grande futuro

"Eu realmente acho que veremos algumas vacinas aprovadas para clínica nos próximos cinco anos", disse Disis. As primeiras vacinas, ela prevê, serão usadas para prevenir recorrências em pacientes cujo câncer foi tratado com sucesso.

"Então, acho que passaremos muito rapidamente para a prevenção primária", vacinando pessoas saudáveis em alto risco, disse ela.

Outros são igualmente otimistas.

"Pelo menos conhecemos o roteiro", disse Shizuko Sei, médica do grupo de pesquisa de desenvolvimento de agentes quimiopreventivos do Instituto Nacional do Câncer dos EUA.

"As pessoas podem discordar, mas a resposta neste momento é sim, é possível" fazer vacinas para interceptar o câncer, disse ela.

Domchek disse que pode vislumbrar um futuro em que as pessoas farão exames de sangue para encontrar células cancerígenas tão cedo que elas não aparecerão em exames de imagem ou testes padrão.

"Para pintar um grande futuro", disse ela, "se soubéssemos que os testes preveriam o câncer, poderíamos dizer: 'Aqui está sua vacina'".

Tradução Luiz Roberto M. Gonçalves

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