O interesse de Claudia Kimie Suemoto pelos mecanismos associados à demência surgiu durante o atendimento a idosos. Médica geriatra pela USP, ela se sentia limitada por não conseguir oferecer aos pacientes tratamentos eficazes –não há opções capazes de reverter a doença de Alzheimer, por exemplo– e decidiu tentar entender melhor a demência, principalmente como preveni-la.
Um passo nesse caminho é seu recente estudo que aponta os principais fatores de risco para a população brasileira, considerando diferenças regionais e raciais. Ela também mostra que a prevenção começa na infância.
Publicada no periódico científico Alzheimer's & Dementia, a pesquisa indica a baixa escolaridade como o principal fator de risco para a população em geral. Os outros quatro principais fatores são: hipertensão, perda auditiva e obesidade na meia-idade (entre 45 e 65 anos), e falta de atividade física na velhice.
"A educação é um marcador de reserva cognitiva. Isso quer dizer que quanto mais estimulado intelectualmente o indivíduo é, maior resistência ele tem frente às lesões, por exemplo, da doença de Alzheimer e da demência vascular", afirma a pesquisadora, que assina o trabalho junto com cientistas de instituições brasileiras e inglesas.
É como ter uma grande poupança e ir fazendo pequenos saques. O montante vai diminuindo, mas de forma imperceptível. As lesões ocorrem, porém não há manifestação clínica porque a reserva cognitiva contrabalança. Para isso ocorrer, contudo, é preciso "aplicar recursos" desde a infância.
"Nossa reserva cerebral acontece desde o período intrauterino, passando pela primeira infância e adolescência. Quanto mais você estudar, quanto mais estimulante for o seu emprego, maior a reserva cognitiva", diz Suemoto.
A pesquisadora comenta que, assim como a baixa escolaridade, os outros fatores de risco estão associados à demência, mas não são a sua causa. Isso porque a demência é como um grande guarda-chuva.
Trata-se de uma síndrome, um conjunto de sinais e sintomas que tem várias causas biológicas. No país, as três principais são: doença de Alzheimer; demência vascular, que pode ocorrer após um AVC (acidente vascular cerebral); e demência por corpúsculo de Lewy.
"Se eu examinar o cérebro dessas pessoas, vou achar a doença de Alzheimer como causa, a demência vascular como causa. Fatores de risco são aqueles de estilo de vida ou doenças anteriores que aumentam o risco, lá na frente, de ter doença de Alzheimer, demência vascular ou demência por corpúsculo de Lewy", diz Suemoto.
Em trabalho publicado em 2020, a professora inglesa Gill Livingstone, coautora da nova pesquisa, mostrou que 12 fatores de risco estão associados a 40% dos casos de demência no mundo (o restante corresponde a fatores desconhecidos ou ainda não mensurados, como a dieta).
A ideia com o levantamento no Brasil, realizado a partir do cruzamento de informações do IBGE e do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos, foi verificar quão relevantes são esses mesmos aspectos no país.
No geral, 48% dos casos de demência aqui são atribuíveis aos 12 fatores de risco em diferentes momentos da vida: baixa escolaridade (abaixo de 45 anos); hipertensão, obesidade, perda auditiva, traumatismo craniano e consumo de álcool (entre 45 e 65 anos); fumo, depressão, isolamento social, falta de atividade física, diabetes e poluição do ar (acima de 65 anos).
As taxas, porém, variam entre regiões com maior e menor PIB e entre indivíduos negros e brancos. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste, os fatores de risco estão associados a 54% dos casos e a baixa escolaridade corresponde a 9,6%, seguida por hipertensão e perda auditiva, cada uma com 8,5%. No Sul e Sudeste, a hipertensão é o principal aspecto.
Fatores de risco para demência | Brasil | Norte, Nordeste e Centro-Oeste |
Sul e Sudeste | Brancos | Negros |
---|---|---|---|---|---|
Baixa escolaridade (menos de 45 anos) | 7,7% | 9,6% | 7,7% | 6,8% | 8,2% |
Hipertensão (45 a 65 anos) | 7,6% | 8,5% | 7,8% | 7,3% | 7,7% |
Perda auditiva (45 a 65 anos) | 6,8% | 8,5% | 6,4% | 6,8% | 6,6% |
Obesidade (45 a 65 anos) | 5,6% | 5,7% | 5,9% | 5,7% | 5,3% |
Falta de atividade física (acima dos 65) | 4,5% | 5,1% | 4,5% | 4,4% | 4,4% |
Depressão (acima de 65 anos) | 4,4% | 3,8% | 5% | 5,0% | 3,8% |
Traumatismo craniano (45 a 65 anos) | 3,1% | 3,5% | 3,1% | 3,1% | 3,0% |
Diabetes (acima de 65 anos) | 3,1% | 3,3% | 3,3% | 3,4% | 2,8% |
Poluição do ar (acima de 65 anos) | 2,7% | 2,7% | 2,9% | 2,8% | 2,5% |
Fumo (acima de 65 anos) | 2,1% | 2,5% | 2,0% | 2,0% | 2,0% |
Isolamento social (acima de 65 anos) | 0,3% | 0,5% | 0,3% | 0,3% | 0,3% |
Consumo de álcool (45 a 65 anos) | 0,3% | 0,3% | 0,3% | 0,3% | 0,3% |
Já no caso da perda auditiva, ainda não há relações estabelecidas. Uma das hipóteses é que, como o som produz respostas no cérebro, a redução ou a perda da capacidade de ouvir levaria a uma diminuição da estimulação cerebral.
"Foi um fator que nos causou certa surpresa. Sabíamos que era importante, mas não tanto", conta a médica.
Entre brancos e negros, a obesidade aparece como quarto fator mais importante. Em quinto, aparecem a depressão (brancos) e a falta de atividade física (negros).
A obesidade na meia-idade é um fator associado ao maior risco de AVC e, em relação à atividade física, a autora afirma que diferentes estudos indicam uma relação entre exercícios para o corpo e o estímulo a novas conexões cerebrais.
"Nosso recorte mostra que o potencial de prevenção é maior no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e que talvez nessas regiões seja mais importante melhorar a educação, enquanto no Sul e no Sudeste valorizar o cuidado com a hipertensão", pondera Suemoto, uma das laureadas nos últimos anos com o prêmio Para Mulheres na Ciência, promovido pela L'Oreal, Unesco e Academia Brasileira de Ciências.
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